quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A alegoria da caverna

“Releio a epígrafe de Platão sobre a alegoria da caverna. Na minha leitura aplicada ao problema da construção da identidade do professor e seu processo formativo, o professor é colocado sempre dentro da caverna, prisioneiro da sua própria sombra, escravo das leis que vêm do exterior que comandam a sua vida profissional. Deveria ser esta a verdadeira luz do conhecimento que a todos guia, mas em vez disso o professor dentro da caverna é uma estatueta sem significado. O legislador, quando faz as leis que regulamentam o edifício da educação, apenas vê o professor como uma sombra inerte; ele é incapaz de ver qualquer outra forma para além da imagem reflectida do professor. O legislador legisla para um mundo de sombras e esquece o lado humano e prático da vida que anima as sombras. O legislador assume que a caverna do professor é um mundo de ignorância, de sombras sem consciência de que são mais que sombras. Ele sabe que as sombras acabarão por gostar de viver nessa ignorância e que não quererão mudar por elas próprias a sua condição. Por isso legisla sem oposição. Só arrastado à força para fora da caverna, o professor reagirá contra o Legislador e as leis que o separam do mundo das ideias sensatas. Há sombras que conseguem fugir da caverna e opor-se ao Legislador, mas este possui um poder único, mesmo que temporário, mas único e com a mesma força que se atribui a luz que vem do sol. A educação das sombras é um processo lento e doloroso, mas apenas do ponto de vista das próprias sombras, a quem de nada serve alcançar a consciência disso mesmo. Sempre que o Legislador apresenta uma lei como verdade, o professor dentro da caverna não tem outra saída que não seja a de a aceitar como luz que vem do Sol exterior. A luz que está dentro dele nunca é pretexto para a sua salvação. A educação do professor devia ser sinónimo de liberdade, porque significaria que se tinha afastado de vez do mundo das sombras. Mas o lado negro da caverna dominará sempre enquanto houver Legisladores sem escrúpulos, que colocam a força da lei à frente da força da razão. É sempre por meio da força, da dominação e da opressão que o Legislador consegue fazer aplicar as suas leis. Nenhum professor consegue fugir da aplicação desse poder, por isso muitos não têm outra saída que não seja a conformidade. A verdade sobre a educação do professor nunca é a verdade nascida da vontade do professor, que é sempre tido por um ignorante natural; essa verdade é sempre resultado da vontade política do Legislador. Diz o filósofo: “Educação não é o que alguns apregoam que ela é … introduzir ciência numa alma em que ela não existe, como se introduzissem a vista em olhos cegos.” (República, 518b-c), mas é assim que o Legislador actua: ele quer, pela força irredutível, impor a sua ciência ao professor prisioneiro na sua própria caverna. A arte de motivar para aprender a ser professor é o oposto que o Legislador faz, é precisamente a virtude que lhe falta e que, por pudor político, jamais quererá para si. O Legislador nunca imagina que podem existir mais ideias para além das ideias que ele próprio transforma em lei. Para ele, as suas ideias são a verdadeira realidade. Ele não sofre, porque nunca concluirá que não pode ser um Legislador omnipotente, porque sabe que, enquanto estiver na condição de Legislador, nunca passará de poderoso a impotente. O Legislador nunca se coloca no lugar do humano, por isso podemos concluir que é ele que está verdadeiramente dentro da caverna, embora na vida prática, o mundo em que assim se vive seja um mundo povoado apenas de sombras tristes.”
Carlos Ceia

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