Escola caviar
Acompanhar a actual ministra da Educação é o mesmo que entrar numa montanha russa emocional. Isabel Alçada consegue provocar risadas intermináveis e iras homéricas. Esta terça-feira, por exemplo, foi mesmo o ‘carrossel Alçada’. Ao almoço, engasguei-me a rir enquanto ouvia a nossa ministra numa cerimónia engomadinha: o tom afectado que Isabel Alçada colocava na palavra “carráiras” era delirante. Entre as gargalhadas, comecei a pensar em algumas perguntas ululantes: então ninguém faz uma rábula com esta ministra? Ou será que o tom afectado só tem graça quando o alvo da paródia é uma filha de um capitalista anafado, uma beata católica ou uma simples senhora da ‘direita social’? Se Alçada fosse uma ministra do CDS, já teríamos por aí um pagode com as “carráiras”?
Ao jantar, a risada deu lugar ao ranger de dentes. Uma amiga mostrou-me um vídeo onde podemos ver a Dr.ª Alçada a revelar um enjoativo paternalismo em relação aos alunos do ensino público e, pior, em relação aos pais e professores. Se colocassem um crucifixo atrás da ministra, aquele vídeo seria um peça vintage do Estado Novo. Enquanto consumia a minha neura, comecei a imaginar outro vídeo. Nesse vídeo redentor, alguém tinha a coragem de perguntar o seguinte à senhora ministra: caríssima, onde é que colocou os seus filhos e/ou netos a estudar? Na escola pública que tanto defende ou no Liceu Francês? E, depois, esta pergunta seria estendida ao primeiro-ministro: V. Exa. tem os seus filhos na idílica escola pública ou num pérfido colégio privado?
Meus amigos, o problema, obviamente, não está na colocação das crianças e dos adolescentes nos Liceus Franceses desta vida. O problema está, isso sim, na hipocrisia da esquerda caviar. De manhã, os nossos progressistas metem os seus filhotes no colégio privado (ou naqueles liceus públicos que, misteriosamente, estão sempre nas mãos da “gente de bem”), e, depois, à tarde, defendem a escola pública e cantam loas ao eduquês. Pior: estes progressistas-de-limusina atacam aqueles que querem dar aos mais pobres a possibilidade de colocaram os seus filhos nos colégios privados (ou naqueles liceus públicos que, não sei porquê, são sempre monopolizados pelos bem-nascidos). Na retórica, esta esquerda continua a defender o ensino ultra-centralizado e dominado pelo facilitismo, mas, na prática, reconhece as virtudes de um ensino descentralizado e sem contacto com o ministério do eduquês. No seu dia-a-dia doméstico, a esquerda caviar coloca os seus filhos nos colégios onde o rigor do “antigamente” ainda existe, mas, no seu dia-a-dia político, utiliza a escola pública para extirpar o “antigamente” dos hábitos dos mais pobres. Ou seja, as crias progressistas são educadas à moda antiga, mas os filhos do povão são ensinados de forma progressista. Bravo. Os resultados desta hipocrisia estão aí: Portugal é uma sociedade estática, aristocrática, sem mobilidade social. Por outras palavras, a esquerda caviar esticou a sociedade salazarista até ao interior desta sociedade – nominalmente – democrática.
Meus amigos, esta esquerda é a principal inimiga dos filhos dos mais pobres. Dezenas de amigos meus ‘perderam-se’, porque a escola das Dr.as Alçadas lhes destruiu o futuro logo à nascença. Mas, claro, não se pode falar disto. Porque o burro sou eu. Porque o “fascista” sou eu. Porque o “neoliberal” sou eu.
Henrique RaposoJornal Expresso18/09/2010