Dirigentes escolares querem ter voz activa no processo de transferência de competências para as autarquias na área da Educação.
O Conselho das Escolas quer intervir formalmente na discussão sobre a chamada municipalização do ensino e vai "de imediato" enviar ao ministro da Educação uma tomada de posição que reflicta o teor do debate nacional realizado nesta segunda-feira, em Santarém.
José Eduardo Lemos, presidente do Conselho das Escolas, disse, no final de um debate que contou com a participação de cerca de 400 pessoas, de sindicatos, associações de escolas, direcções de agrupamentos, professores, técnicos municipais e autarcas, ter "percebido bem os sinais" de que a escola tem que intervir formalmente num processo que o Ministério da Educação está a promover apenas com os municípios.
Para o debate "Municipalização: Que Caminho para a Escola?", o Conselho das Escolas convidou o presidente da Câmara Municipal de Óbidos, Humberto Marques, um dos municípios que tem vindo a negociar a integração no projecto-piloto para transferência de competências na área da educação, e os catedráticos Licínio Lima, da Universidade do Minho, e António Sampaio da Nóvoa, reitor honorário da Universidade de Lisboa.
Licínio Lima alertou para o facto de as escolas e os agrupamentos não estarem a ter voz activa num processo que, alertou, não corresponde a uma verdadeira descentralização mas sim a uma mera "delegação de competências" em que os municípios se tornam "meros executores subordinados", subvertendo o princípio da autonomia do Poder Local.
Licínio Lima alertou para a natureza do contrato em negociação, que no seu entender obedece a uma "teoria contratualista" que privilegia valores instrumentais como a eficácia e a eficiência e não valores "substantivos" como a democracia e abre a porta a "quem fornece pelo melhor preço".
Sampaio da Nóvoa apontou o exemplo "assustador" do que se passou com a municipalização do ensino no Brasil, em que tudo foi concessionado a privados existindo atualmente uma estrutura "em que os municípios não contam para nada".
O antigo reitor da Universidade de Lisboa frisou que o assunto é "demasiado importante para ser tratado sem ampla discussão", lamentando a forma "confusa, atabalhoada", como o processo tem sido conduzido "em final de legislatura, como se houvesse pressa em deixar compromissos que podem influenciar o futuro".
Sampaio da Nóvoa deixou algumas questões em relação ao Programa Aproximar Educação -- Descentralização de Competências na Área da Educação/Contrato de Educação e Formação Municipal, nomeadamente quanto ao papel dos professores, à autonomia das escolas e ao espaço público da educação.
No seu entendimento, a ausência de referências ao professor no documento "deixa antever mais dificuldades e mais burocracia" ao invés da sua valorização, a passagem de funções para os municípios irá reduzir a autonomia das escolas e deixa de fora a comunidade, que deveria estar envolvida nos processos de decisão.
"É preciso pensar em órgãos locais que dêem coerência a estes processos de decisão", afirmou, na linha do que Licínio Lima vem defendendo, de criação de Conselhos Locais de Educação, nos quais o município participa mas não domina como acontece nos atuais Conselhos Municipais de Educação.
Humberto Marques assegurou que a sua perspectiva é a de envolvimento da comunidade local no processo de decisão, afirmando que os agrupamentos dos municípios que têm vindo a negociar com o Governo têm participado na discussão.
José Eduardo Lemos disse que o ministro da Educação, Nuno Crato, foi convidado a abrir ou fechar o debate hoje realizado em Santarém, mas "nem comunicou que não viria".
Público, 21/01/2015
(Negrito e sublinhado nossos)