Paulo Guinote revela, em entrevista ao Panorama, a falta de motivação da classe docente devido às constantes mudanças no sistema de ensino, bem como aborda os problemas com a colocação de professores, devido à “alteração de regras sem publicitação, já com o concurso de mobilidade interna em decurso”.
#RegressoÀsAulas: Professores vivem “estado de cansaço perante as mudanças sucessivas”
Panorama (P): Longe das grandes polémicas de outros anos, a colocação de professores volta a estar no topo da agenda neste arranque do ano lectivo. Este é um tema que será sempre recorrente nesta altura? De que lado está a capacidade de resolução, no Estado ou nos professores? Ou na cooperação entra ambos?
Paulo Guinote (PG): Este ano há uma situação grave na colocação de professores, a qual resultou da alteração de regras sem publicitação, já com o concurso de mobilidade interna em decurso. Ao contrário do previsto na legislação e aviso de abertura, o Ministério da Educação (ME) – alegando ser sob conselho de algumas associações sindicais e de professores contratados – apenas procedeu ao provimento de horários completos, desrespeitando as suas próprias normas. Este tema é recorrente porque de há perto de uma década para cá, o ME decidiu introduzir mecanismos desreguladores no concurso “nacional” que, associados ao congelamento na carreira e a procedimentos de vinculação extraordinária, conduziu a alguma confusão nas próprias listagens ordenadas dos professores a concurso. Isto só se resolve quando o ME tiver a coragem de mandar ordenar os professores de forma unificada, numa lista que obedeça à graduação profissional, sem distorções.
Este ano é o projecto de Autonomia e Flexibilidade que pretende recuperar medidas de há cerca de 20 anos, apresentando-as como novas (…)
P: Da rede de contactos que tem, dos seus colegas, de si próprio, qual é o estado de espírito da classe docente neste momento e à partida para mais um ano lectivo?
PG: É um estado de cansaço perante as mudanças sucessivas, introduzidas todos os anos, a mais de um nível. Este ano é o projecto de Autonomia e Flexibilidade que pretende recuperar medidas de há cerca de 20 anos, apresentando-as como novas, sem ter em consideração as razões porque falhou a primeira tentativa de implementar este tipo de medidas. Os professores que estão em exercício há 25, 30 e 35 anos já assistiram a demasiadas “inovações” e a governantes em trânsito que pretendem deixar o seu nome associado e políticas e reformas “estruturantes”, transformando o sistema educativo numa manta de retalhos. Isto provoca desânimo e uma vontade de “deixar andar” porque para o ano será outra coisa.
Na área da Educação nunca deveria ter existido uma procedimento “extraordinário” de vinculação, mas sim uma integração “ordinária” nos quadros das escolas e agrupamentos (…)
P: Que balanço faz do programa de integração dos precários do Estado na área da educação, tendo em conta as características especiais deste sector?
PG: Na área da Educação nunca deveria ter existido uma procedimento “extraordinário” de vinculação, mas sim uma integração “ordinária” nos quadros das escolas e agrupamentos dos professores que fazem efectivamente falta para o seu funcionamento, sem se estar todos os anos a fazer acertos ou a usar os “quadros de zona pedagógica”, na sua actual versão, como uma espécie de antecâmara para os professores andarem a circular por escolas numa área geográfica enorme, contrariando o que se afirma sobre a necessidade de “estabilidade”.
P: A questão dos técnicos especializados tem sido também um dos problemas para gerir durante esta mudança de ano lectivo. Estes técnicos devem beneficiar de um regime especial que lhes permita acompanhar os casos a longo prazo?
PG: Esses técnicos deveriam ter uma carreira específica ou, em alternativa, ter contratos plurianuais que lhes permitissem desenvolver projectos com alguma continuidade. O que se anda a fazer é algo que mistura a instabilidade dos procedimentos formais com os “esquemas” informais que algumas escolas e agrupamentos usam para recrutar e manter quem lhes interessa.
As coisas estão calmas entre os “agentes” que se apresentam como “representantes” dos professores e famílias e o Ministério da Educação.
P: Apesar destas questões, a estabilidade parece ser a palavra de ordem no arranque deste ano lectivo. As coisas estão efectivamente mais calmas em todos os agentes do ensino, no básico e secundário?
PG: As coisas estão calmas entre os “agentes” que se apresentam como “representantes” dos professores e famílias e o Ministério da Educação. Existe uma espécie de pacto no sentido de não se alimentarem contestações muito intensas ou de se criarem conflitos encarados como “desnecessários” no actual contexto político-partidário, ao contrário de outros tempos em que se hiperbolizava qualquer questão. O que outrora era motivo de alarme – por parte dos sindicatos, por exemplo – é agora apresentado de forma muito mais leve e com uma postura muito mais “construtiva”, mesmo quando não é esse o sentimento de grande parte dos professores. Ao mesmo tempo, todo um conjunto de organizações que surgem como “parceiros” do ME (da CONFAP à ANDAEP) parecem ter sido mobilizadas para uma colaboração com quase tudo o que é anunciado, da flexibilidade curricular à manutenção das políticas de gestão escolar, passando pelo chamado “Perfil do Aluno”.
O que falta entre nós é uma noção de equilíbrio, sentido de Estado e a humildade de alguns governantes entenderem que os seus cargos devem ser em prol do interesse público (…)
P: O sistema de ensino passa por um período de estabilidade que permite pensar em reformas estruturais, ou por outro está ainda à procura de estabilidade que lhe permita depois partir para essas reformas?
PG: A evolução dos sistemas de ensino é uma constante, mesmo quando não se legislam reformas a um ritmo anual, como entre nós. Há 25 anos que assisto ao anúncio de políticas educativas “para o século XXI” com o argumento de que as escolas vivem num mundo ultrapassado, o que não é verdade. Há algo que permanece na instituição escolar (como em outras, como os hospitais, tribunais, polícia), porque é essa a sua lógica intrínseca (uma relação entre professores e alunos em torno da transmissão de um cânone de conhecimentos que vai evoluindo) e algo que muda, porque é essa a natureza do progresso tecnológico (como seja o crescente recurso a meios digitais). O que falta entre nós é uma noção de equilíbrio, sentido de Estado e a humildade de alguns governantes entenderem que os seus cargos devem ser em prol do interesse público e não da promoção de vaidades pessoais.