Santana Castilho - Público
Como pode uma doutora em direito (Alexandra Leitão) rastejar de fininho sob uma lei, como se ela não existisse.
António Costa disse, no lançamento da empreitada de requalificação do troço entre Penacova e Lagoa Azul, que ao fazer obra no IP3 “estamos a decidir não fazer evoluções nas carreiras ou vencimentos”. Deixou, assim, bem claro que o dinheiro para as estradas origina a falta de dinheiro para as carreiras e salários e que o não reconhecimento de todo o tempo de serviço prestado pelos professores não é uma questão de dinheiro mas, outrossim, uma questão de prioridades.
A adesão inicial dos professores de esquerda ao vazio do programa político do PS para a Educação ficou a dever-se às chagas que o “ajustamento” deixou e à habilidade de António Costa para se entender com o PCP e com o BE. Agora que esse entendimento abana (se não acabou já), António Costa reduziu o PS ao que sempre foram os figurões incompetentes que propôs para a educação. O significado político da retórica pelintra do IP3 ilustrou-o bem. Dizendo o que disse, António Costa deixou implícito que a negociação que hoje vai recomeçar não pode ser mais que a repetição da coreografia do costume, para tentar desmobilizar uma greve que dura há cinco semanas, com uma eficácia que surpreendeu.
Com efeito, os textos das cartas trocadas entre os sindicatos e o ministério, como preâmbulo do tango (para usar a metáfora do próprio ministro) que a partir de hoje vão dançar, enlaçados num faz de conta de desfecho já escrito (a plataforma mortinha por suspender a greve e uma vez mais sair de cena sem resultados, quando a hora era de cerrar fileiras e dizer não, e o ministério decretando previamente quem comanda o baile) são confrangedores: o dos sindicatos por mendigar a retomada de uma negociação que o ministério interrompeu quando chantageou; o do ministério por começar logo (ponto 1 da missiva) com a perfídia de sempre. Com efeito, como pode uma doutora em Direito (Alexandra Leitão) rastejar de fininho sob uma lei, como se ela não existisse, que separou a carreira geral dos funcionários públicos das carreiras especiais dos militares, polícias, magistrados, médicos, enfermeiros e professores, ou um doutor em Bioquímica (Tiago Brandão Rodrigues) afirmar que 70% de 10 é igual a 70% de 4?
Foi com este pano negro de fundo que a avaliação dos alunos, legalmente definida em termos circunstanciais precisos, enquanto decisão colegial de um conselho de turma, foi substituída por um expediente escabroso, ilegalmente determinado num lance golpista, impróprio de um estado de direito. Foi com este pano negro de fundo que a reflexão e a ponderação pedagógicas deram lugar a simples números, onde 50% mais um dos professores, arregimentados não importa com que critério, foram coagidos a fazer o que os pequenos chefes da choldra ministerial determinaram. Definitivamente, só apetece dizer-lhes, com José de Almada Negreiros, que são “uma resma de charlatães e de vendidos, que só podem parir abaixo de zero”!
Esta leitura, válida para as políticas de Educação, assentes em romarias, foguetório, burocracia sem fim, precarização e medidas desgarradas e ocasionais, será igualmente feita para a economia quando a denominada sociedade civil emergir da falácia que a propaganda bem orquestrada lhe vendeu. Como é possível falarmos de milagre económico quando no cotejo europeu a nossa economia é a quarta a contar do fim, em termos de crescimento? Que milagre económico é esse, quando as estatísticas europeias mostram que o nível de vida dos portugueses está em regressão há 15 anos e que o rendimento per capita português em 2018 é 78% do europeu, quando era 84% em 1999?
A falência dos partidos tradicionais em Espanha, Itália França e Grécia e as vocações autoritárias nascentes na Polónia, Hungria e República Checa deviam levar António Costa a confiar menos na vaca voadora da sua alegre casinha.
Até às eleições de 2019, espero que os eleitores percebam que o establishment político que a “geringonça” gerou, pese embora tímidas melhorias pontuais, foi criado a partir de “realidades” ficcionadas. “Realidades” manhosamente construídas à margem do que é importante, que nos fizeram aceitar uma nova servidão, apenas menos triste.