1. A educação sempre foi uma área da governação fértil em polémicas e debates intensos, o que é natural. Muitos deles, penso eu, com origem na alteração cíclica das políticas educativas, que ocorre a cada mudança de governante.
Desde 2004, sem necessidade de qualquer pacto de regime, começou a afirmar-se uma linha de política educativa constante, centrada na melhoria dos resultados escolares e na redução do abandono, que se manteve até 2016, mesmo com ministros da Educação de diferentes quadrantes políticos.
Estes objetivos ocuparam o centro da agenda educativa e do discurso político durante anos. As Escolas tinham a perceção interiorizada de quais as metas que deveriam perseguir; entendiam o que delas pretendia, não só o poder político, como a sociedade portuguesa. A melhoria das taxas de sucesso (progressão de ano e conclusão de ciclo) e a redução das taxas de abandono escolar foram duas metas, de fácil enunciação e escrutínio, que iluminaram o caminho percorrido pelas Escolas e concentraram muitos dos esforços dos professores e do sistema educativo.
Durante esses 12 anos, foram implementadas medidas para apoiar as Escolas nessa missão, de que destaco o Plano da Matemática, o Plano Nacional da Leitura, o alargamento dos Territórios Educativos de Intervenção Prioritária, a assinatura de Contratos de Autonomia e a disponibilização de crédito de horas para apoio e para desenvolvimento de projetos. Todas estas medidas e projetos tiveram como pano de fundo a melhoria das taxas de sucesso escolar e a redução das taxas de desistência e abandono escolar.
E, objetivamente, viram-se melhorias em todos os indicadores estatísticos de sucesso escolar e nos resultados obtidos pelos alunos nas provas internacionais, como sejam o PISA (leitura, matemática e ciências), o TIMSS (matemática e ciências) e o PIRLS (leitura).
O caminho não era plano, tinha muitos obstáculos, mas estava iluminado...
2. Atualmente, vemos que os resultados escolares não constam da agenda educativa, nem da agenda mediática, tendo desaparecido completamente do discurso político, como se queimassem a boca de quem se atravesse a verbalizá-los.
Os desafios que se lançam hoje às Escolas e que se tornarão, inclusive, objeto central da avaliação externa, são a “flexibilidade curricular”, a “inclusão”, as “aprendizagens essenciais” (ainda há bem pouco tempo, “significativas”), a “avaliação formativa”, “os projetos”... Enfim, as Escolas são confrontadas hoje com objetivos de natureza diferente daqueles que perseguiram durante anos. E a tendência será para se alinharem por estes novos objetivos, de caráter holístico, é certo, mas de discutível escrutínio e tangibilidade.
O processo de ajustamento a este “novo paradigma” educativo refletir-se-á, do meu ponto de vista, negativamente no quotidiano escolar pois, não apenas obrigará as Escolas a alterar, uma vez mais, os projetos educativos, os regulamentos internos, os critérios de avaliação e dezenas de procedimentos, em extenuantes trabalhos de Sísifo, como também afetará a perceção e o discernimento dos professores na distinção entre o que é essencial e acessório no seu trabalho.
Temo que os professores, mesmo aqueles que foram seduzidos por estes novos desafios teóricos que se lançam às Escolas e à profissão, não demorarão muito a perceber que perderam a bússola em mar alto. Perceberão, também, que o que lhes falta em meios e recursos para materializar os novos projetos e metodologias sobeja em formulários, reuniões e burocracia. Perceberão, ainda, que a substituição de objetivos claros e mensuráveis por objetivos intangíveis e demasiado flexíveis é o primeiro passo para se desviarem do caminho que leva os alunos ao sucesso escolar.
Em resultado de tudo isto, temo que os alunos – afinal, aqueles para quem trabalhamos – nem terão mais facilitado o acesso ao sucesso no Ensino Superior, nem o acesso e sucesso no mercado de trabalho.
3. O sucesso escolar dos alunos deve ser a luz que ilumina o caminho a trilhar por uma Escola pública de massas e pelos seus profissionais. Nada os deveria distrair da missão de desenvolver nos alunos o gosto pelo saber e pela aprendizagem e tudo fazer para que todos concluam o percurso escolar no tempo devido, com os melhores resultados possíveis. Este deve ser o objetivo central da educação escolar.
Não se trata aqui de duvidar da bondade e de algumas mais valias resultantes da “flexibilidade”, dos “projetos” e da utilização de “novas” tecnologias e “novos” espaços de aprendizagem. Não se trata, tão-pouco, de colocar em causa a necessidade absoluta de termos uma Educação e uma Escola inclusivas.
O que pretendo colocar em causa é a apresentação destas novas “referências” educativas, como se de objetivos da educação escolar e das próprias Escolas se tratassem. Entendo que não deve ser assim. Estas referências constituem-se, apenas, como métodos, técnicas e medidas a aplicar num processo educativo que se quer de qualidade e inclusivo.
Temo que o alinhamento entre o atual discurso político em torno da Educação, por natureza apressado, e uma interessada agenda académica e socioprofissional se apresentem às Escolas como foguetes em dia de festa, distraindo-as do seu objetivo principal: o sucesso escolar.