João Ruivo - Ensino Magazine
A Escola sofreu, ao longo das últimas décadas, transformações profundas. Mas não é menos verdade que esta instituição educativa continua a padecer de evidências que nos permitem catalogá-la (ainda!) como demasiado racional, burocrática, socialmente desajustada e impregnada de estereótipos administrativos e academicistas.
Em consequência, instalou-se no mundo interior dos docentes um efeito cuja perversão ainda está por medir: pese embora tudo o que aconteça na realidade diária das escolas, os professores estão convencidos de que a sua profissionalidade e a sua qualidade de trabalho dependerá, mais que tudo, das suas competências "operacionais", que os conduzem à aplicação de técnicas rigorosas, através das quais conseguirão "produzir" a aprendizagem dos seus alunos.
E disso há inúmeras provas, mesmo para os mais cépticos. Desde logo, todos abominam os "receituários", todavia quase sempre vivem dependentes dessa normatividade, que proporciona uma grande área de conforto, e grande parte dos conhecimentos que guiam a acção docente. Depois, toda uma literatura especializada nos empurra para muita elucrubação dos "tradutores-especialistas", aqueles que acreditam na voz especializada, enquanto intermediário insubstituível entre a origem científica do conhecimento e a correcta interpretação e divulgação das normas pedagógicas.
Finalmente, todos sabemos que as narrativas do politicamente correcto alteraram o discurso e as linguagens. Porém, o "processo de cretinização técnico-burocrático" do trabalho docente permanece, no substancial, inalterável. Resultado: a lucidez demasiado disciplinar e especializada conduz, invariavelmente, à cegueira no que respeita à apreciação do global, do geral e da diferença.
Neste processo evolutivo, é certo que a ciência substituiu a religião quanto à construção do discurso pedagógico. Todavia, novas formas de misticismo afloraram sempre que, no terreno institucional, se procedeu à aceitação dos poderes, aliados aos saberes, como meios únicos de legitimação de uns e dos outros.
Para que a Escola entre numa via de transformação positiva, revela-se essencial aceitar alguns desafios. Desde logo, importa nivelar o estatuto da "pedagogia oficial" com o do "conhecimento prático" dos docentes. Depois, exige-se o rápido reconhecimento da maioridade dos profissionais do ensino. Reconhecimento que propicie a conquista da autonomia para pensar o próprio pensamento, autonomia para reflectir sobre o conhecimento elaborado, autonomia para construir novo pensamento com base no conhecimento e na maturação da própria acção docente.
No fundo, encontramo-nos perante um desafio, lançado aos "práticos", para que conquistem, dentro das escolas, todas as possibilidades que lhes permitam a elaboração de conhecimento, através do qual sustentem e teorizem essa mesma prática.
É que a separação entre pensamento e acção, implica que a educação não seja mais uma preparação para agir. Implica a aceitação de dois ensinos distintos: um especulativo, o outro prático, um fornecendo o espírito e o outro a letra, um o método, o outro os resultados. E tudo isto nos empurra para o sublinhar de uma das maiores contradições que nos podem ser imputadas a nós, educadores: a incapacidade para integrar na nossa prática quotidiana, de um modo coerente, o que pensamos e o que fazemos.