A escola pública vive numa espécie de parque temático de desconcerto, desagregação e declínio. Não lhe bastava já ter de remar penosamente contra a apologia do prazer imediato, do consumo supérfluo, da extravagância e do efémero, que caracterizam uma sociedade moralmente demissionária e ensandecida. À complexidade das razões económicas, sociais, morais e outras, que estão na origem de um modelo de convivência violenta e indisciplinada na comunidade escolar, juntou-se agora uma crescente e inqualificável incapacidade das respectivas autoridades para reagirem à brutalidade criminosa que tomou de assalto o último reduto de pudor comportamental entre alunos.
O que aconteceu só pode provocar náuseas a qualquer humano minimamente civilizado: em Vimioso, nas instalações da escola que frequenta, uma criança de 11 anos foi sodomizada com o cabo de uma vassoura. Como se a barbárie fosse ainda pouca, o presidente da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Vimioso, António Santos, revelou à CNN Portugal que um dos agressores é irmão da vítima.
Do mesmo passo, José Manuel Alves Ventura, que denunciou o caso e é presidente da Junta de Freguesia de Vimioso, referiu-se a um ambiente “de terror e de encobrimento” e a um clima “de medo” entre os mais jovens.
Os factos, de que foram abjectos protagonistas/agressores oito alunos com idades entre os 13 e os 16 anos, ocorreram a 19 de Janeiro. Mas só chegaram às mãos da Polícia Judiciária a 23, tendo a vítima sido encaminhada para o Instituto de Medicina Legal, no Porto, para realização de perícias, no dia seguinte.
“Este grupo de alunos mais velhos sente que é impune e ninguém lhes põe travão. Não obedecem aos pais, nem aos professores”, denunciou ainda José Ventura.
Estas tristes circunstâncias justificam, infelizmente, que retome ideias anteriormente abordadas nesta coluna, uma vez que, por vias e com motivações diversas (algumas perversas), continuam a impor-nos um conceito pedagógico que associa a defesa da disciplina a pulsões autoritárias de quem não consegue afirmar-se por outros meios (supostamente paradisíacos). Sejamos claros: se uma vertente nuclear da educação for (e é) tornar o ser moralmente responsável pelos seus actos, perante a sua consciência e perante os outros, resulta evidente que não o podemos deixar entregue à sua natureza instintiva. Temos, isso sim, de o orientar num processo que o leve a admitir que a sua liberdade tem limites e que a entrada na sociedade supõe a aceitação de um conjunto de normas e de regras (disciplina) a que terá de obedecer. Assim sendo, o acto de educar supõe uma vertente disciplinar, que não dispensa a coerção necessária para substituir instintos (animais) por virtudes (humanas).
Não entender isto tornou-se politicamente correcto, mas denunciar isto vale o risco de ser queimado na fogueira inquisitória dos “pedabobos”. A autonomia que sempre tenho defendido para as escolas não serve se for entregue a (ir)responsáveis que escondem que a indisciplina é o maior problema das instituições que dirigem.
Dir-se-ia que a indisciplina se normalizou, assumindo-se como coisa inevitável. Dir-se-ia que a obsessão pelos cuidados a prestar às crianças e aos adolescentes obliterou a obrigação de os responsabilizar. É tempo de os responsáveis encararem a dureza da realidade que negam: a manifestação da crueldade de muitos pré-adolescentes e adolescentes, vinda da incompetência ou da demissão parental, não pode ser aceite na escola com os panos quentes da pedagogia romântica. Muito menos com as artes demagogicamente inclusivas, branqueadoras e flexíveis, dos tempos que correm.
Erram os que identificam disciplina com repressão, sem lhe reconhecer a capacidade transformadora de um ser bruto num ser social, ética e culturalmente válido.