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quinta-feira, 2 de julho de 2015

As escolas raramente estiveram tão presas de movimentos.

Paulo Guinote - Público

Nuno Crato apresentou como uma das bandeiras do seu mandato, aquilo a que chamou a “implosão” do Ministério da Educação. De acordo com as suas declarações a esse respeito entendia-se que pretendia que o aparelho administrativo do seu ministério se aligeirasse e que a burocracia na relação com as escolas se reduzisse.

Subjacente ao seu desejo estava, em larga medida, uma visão partilhada com outr@s titulares da pasta acerca da “monstruosidade” e perversidade desse aparelho, que seriam contrárias à eficácia dos procedimentos e inimigas da liberdade de acção das escolas para resolver com celeridade os seus problemas.

Com o mandato a terminar é interessante fazer um balanço de tal pretensão e analisar se o que foi feito corresponde ao que se prometia e se conduziu a uma melhoria de funcionamento do “aparelho” do MEC e a uma maior liberdade das escolas.

Em termos práticos, a “implosão” prometida ficou restringida a uma redução dos quadros qualificados ao serviço do MEC, o que se integrou no esforço por reduzir a despesa com pessoal, nada tendo sido feito de relevante no sentido de desburocratizar os procedimentos que se tornaram ainda mais irracionais do que eram devido à opção por uma hiper-concentração dos centros de decisão e pelo desenvolvimento de novas cadeias de controlo de todos os actos de gestão nas escolas através de plataformas electrónicas de preenchimento obrigatório para os detalhes mais remotos do quotidiano escolar e a necessidade de autorizações hierárquicas para qualquer acto que fuja à mais pedestre normalidade.

Toda a retórica em favor da desburocratização e da descentralização dos procedimentos, não passou de uma falsidade repetida e desmentida decreto após decreto, portaria após portaria, circular após circular, continuando o MEC por se caracterizar por um torrencial delírio legislativo e regulamentador. Sendo isto agravado com a evidente perda de qualidade de muita dessa regulamentação, exactamente em virtude da saída de muitos dos quadros mais competentes que antes a produziam. Porque uma coisa é concordarmos ou não com o conteúdo de certos diplomas e outra é o que achamos da sua qualidade em termos técnicos.

Os efeitos perversos da famigerada “implosão” concretizada por Nuno Crato podem ser demonstrados, entre outros, em três áreas:

O desaparecimento de alguns organismos administrativos intermédios levou a que muitas decisões e disputas sobre a interpretação de diversos normativos ficassem dependentes em exclusivo de Lisboa. O que levou a uma morosidade extrema das respostas às escolas, ao desencontro dessas respostas entre vários serviços sem coordenação e ao puro e simples desrespeito de muitos prazos definidos no Código do Procedimento Administrativo para dar despacho, por exemplo, a meros recursos hierárquicos. De novo, uma coisa era criticar o nepotismo que campeava nesses órgãos intermédios e outra é considerar que eles devem ser completamente eliminados.

A falta de pessoal qualificado em áreas cruciais da administração educativa conduziu a situações de ruptura ou à demonstração pública de profunda incompetência, de que o exemplo maior foi a concepção e execução do concurso para colocação de professores no ano lectivo anterior e que motivou este ano, pelo que se lê na imprensa, a necessidade de contratação externa de serviços que antes eram assegurados a nível interno. Não é raro que as poupanças de curto prazo resultem em despesas posteriores maiores e neste ano de eleições o medo de novo fracasso na colocação de professores parece ter deixado a austeridade esquecida neste particular.

Em terceiro lugar, a redução de pessoal técnico qualificado para dar apoio a algumas decisões conduziu a uma situação em que o MEC se tornou presa fácil de grupos de pressão e de interesses externos que passaram a influenciar de modo directo o círculo restrito de decisores em matérias demasiado sensíveis e em que são notórias as cedências do poder político a esses grupos. Há decisões desconexas e casuísticas em termos curriculares, apresentadas quase como se fossem resultantes de estados de alma, que só se conseguem explicar pela incapacidade do MEC resistir à sedução de tais grupos de interesses.

E tudo isto se passa enquanto a burocracia e opacidade de alguns procedimentos permanecem praticamente inalteráveis se não mesmo mais incompreensíveis em tempos de exaltação “liberal”. As escolas raramente estiveram tão presas de movimentos e nunca a transparência esteve tão ameaçada pela dificuldade em controlar potenciais atropelos à legalidade graças ao anonimato digital e ao já clássico “foi um problema informático”.

Paulo Guinote - Público 2/07/2015
(Negrito nosso)

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