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terça-feira, 19 de novembro de 2019

A promessa demagógica de um plano de não-retenções na opinião de Paulo Guinote

Paulo Guinote 

Tal como o mandato de 2015 começou com a eliminação demagógica das provas finais de 4.º e 6.º ano, o mandato de 2019 começa com a promessa demagógica de um plano de não-retenções que só fará sentido se, como culminar do processo, forem eliminadas as provas finais do 9.º ano.

As últimas semanas foram em grande parte ocupadas com preocupações quanto à eventual expansão em Portugal de forças políticas “radicais” com uma matriz “populista” e um discurso ”demagógico”, como se isso fosse uma enorme novidade entre nós. Li e ouvi muitas análises, de gente com belos pergaminhos na matéria, a definirem “demagogia” de um modo bastante simples, como uma forma de actuação política em que se fazem promessas que procuram agradar às massas populares, apelando à emoção e a uma adesão afectiva imediata. Em alguns casos, perante a evidência de tal “perigo” não ter conseguido atrair mais de 1-2% dos votos, adapta-se a definição a promessas destinadas a nichos específicos do eleitorado. O que não deixa de ser contraditório. Assim como se afasta da etimologia do termo que corresponde a algo como a arte ou técnica de conduzir o povo, sendo “demagogo” aquele que lidera as massas populares com a promessa de medidas que satisfarão as suas necessidades e aspirações.

Seja em que acepção for, nada é mais “demagógico” do que o manifesto eleitoral de qualquer partido dominante num sistema político, comprovando-se isso nas urnas, pois terá mais votos aquele que prometa mais e melhor. Aquele que apelar ao maior número, em especial se as promessas resultarem da identificação de “problemas” e, ainda melhor, se apontarem “culpados” e apresentarem “soluções” quase miraculosas na sua simplicidade.

A Educação é uma área onde esta luta política se instalou de modo insistente nas últimas décadas, a partir da identificação de “problemas” que urge combater, mesmo aqueles que parecem transitar de mandato em mandato sem solução satisfatória, quando os governantes de ontem são os mesmo de hoje.

As últimas semanas foram ricas numa investida demagógica mal disfarçada do actual governo em relação à questão das “retenções” (os conhecidos “chumbos”) no Ensino Básico. Aproveitando-se de recomendações do Conselho Nacional da Educação (que motivam entusiasmos ocasionais de forma selectiva) e usando a sua presidente como testa de ferro útil para defender a medida, enquanto se lançam números para a comunicação social sem fonte claramente identificável para depois ser possível negar qualquer responsabilidade, fez-se saber que há/haverá um “plano” para eliminar as retenções no Ensino Básico e que isso gerará muitos milhões de euros de poupanças para as Finanças Públicas.

Perante a reacção dos que temem uma Escola Pública de segunda linha, onde todos passariam de ano sem critério, o ministro surgiu a dizer que, afinal, o que se passa é que professores e escolas irão passar a “trabalhar mais com os alunos” no sentido de superar as suas dificuldades de aprendizagem. Isto dias depois de o secretário de Estado Costa ter afirmado que não existia ainda plano nenhum, anos depois de estar em implementação o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, assim como os Projectos-Piloto de Inovação Pedagógica e um dia depois de o próprio ministro ter apresentado o Includ-Ed, “projecto” que abrange 50 escolas.

Haverá algo mais demagógico do que fazer este tipo de promessa de “não-retenção”, falseando-se os números das poupanças (os alunos que não transitam são redistribuídos pelas turmas, não implicando necessariamente a formação de novas turmas e a contratação de mais professores), usando-se valores inflacionados e, o que acho mais grave, dando a entender que a responsabilidade das retenções existentes resulta do “menor” ou “pior” trabalho de escolas e professores? Porque é isto que resulta das afirmações do ministro, por muito que se negue o que é evidente.

Significa que as retenções são algo que não deve ser eliminado? Claro que não, pois elas têm vindo a diminuir de forma significativa, existindo há anos legislação nesse sentido e imensos “planos/projectos” ao longo dos anos para essa finalidade. Mas, tal como o mandato de 2015 começou com a eliminação demagógica das provas finais de 4.º e 6.º ano (substituindo-as por umas impensáveis provas de aferição a começarem logo no 2.º ano...), o mandato de 2019 começa com a promessa demagógica de um plano de não-retenções que só fará sentido se, como culminar do processo, forem eliminadas as provas finais do 9.º ano.

Há quem considere que estas são medidas maravilhosas, promotoras do “sucesso” e da “igualdade de oportunidades”. Mas é difícil não ver em todo este processo uma nova fase na erosão da Escola Pública como garantia de um serviço público de primeira qualidade com base na mais básica demagogia.

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