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quarta-feira, 7 de julho de 2021

O VAP - Valor Acrescentado do Professor na opinião de Santana Castilho

Santana Castilho 

Ocorreu-me a expressão mágica que abre o esconderijo de um tesouro na história de “Ali Babá e os Quarenta Ladrões”, ao ler o Público de 23 de Junho. “Melhores professores fariam desaparecer até dois terços das notas negativas”, era o sugestivo título de um texto de Samuel Silva, referindo que um estudo “mediu pela primeira vez o efeito que um professor tem no desempenho dos estudantes das escolas públicas”.

O recurso às metodologias e aos modelos agora usados não é novo, contrariamente ao que a leitura do texto possa sugerir. Cito, por outros, Hanushek, Eric A. 2011. Valuing Teachers: How Much is a Good Teacher Worth? Education Next, 11 (3): 40-45. Como não é nova a controvérsia científica que a sua aplicação tem suscitado, evidenciada pela literatura publicada sobre o tema. O que é novo é o desenvolvimento informático, que permite hoje manipular com facilidade enormes bancos de dados.

A variável crítica do ousado estudo é o denominado VAP (Valor Acrescentado do Professor), indicador que permitiria calcular o impacto de cada professor no resultado dos alunos. Este VAP, esclarece o texto em análise, “calcula-se medindo o desempenho de um aluno numa prova nacional antes de ter aulas com um determinado professor e novamente, numa outra prova nacional, após ter trabalhado com esse docente”, sendo que, continuava o texto, a “metodologia usada permite isolar os efeitos de outros factores que influenciam as aprendizagens, como a formação dos pais, o nível de rendimento familiar ou factores ligados à própria escola”.

A sofisticação da metodologia estatística usada e a dimensão dos dados tratados (1,7 milhões de classificações atribuídas a Português e Matemática, ao longo de uma década, em provas finais dos 4º, 6º e 9º anos, por mais de 40 mil professores), não chega para mascarar a parcialidade de uma análise que pretende isolar de outros impactos o impacto da qualidade dos professores nos resultados dos alunos, para concluir que, se uns melhoram e outros pioram, os responsáveis são … os professores. Com efeito, o estudo permite conclusões substantivas. Cito as mais “convenientes” aos pregadores de determinadas pedagogias: os maus resultados dos alunos devem-se a "piores professores"; “o professor mais determinante é o do ano do exame”; “manter um professor com a mesma turma ao longo de todo o ciclo de estudos não parece ter impacto nos resultados dos alunos”.

Lamento que ilustres investigadores tenham, assim, ferrado os professores antes de, pelo menos, terem medido, com um outro VAP qualquer, o impacto nos resultados provocado por políticas educativas desastrosas, pelas vergonhosas desigualdades sociais que persistem na nossa sociedade e pelas desumanas condições de trabalho, que infernizam a vida dos docentes. Alcandorar o professor a factor único determinante para a eficácia das aprendizagens é música celestial para determinados ouvidos, porque remete para o limbo da irrelevância tudo o que 47 anos de democracia decadente não mudou.

Que avaliação farão os autores do estudo sobre as métricas internacionais da OCDE, que evidenciam expressivos incrementos dos resultados médios dos alunos portugueses ao longo dos últimos anos, apesar de tantos professores “piores” existentes?

Que dizer sobre conclusões tão temerárias sobre a qualidade dos professores, construídas por um estudo que deixou fora da sua análise a maioria das disciplinas e a esmagadora maioria dos docentes em exercício?
Se substituirmos os melhores professores de Singapura pelos piores professores da Guiné e vice-versa, que acontecerá ao VAP de uns e de outros, e aos resultados dos alunos?

É preocupante a promoção da ideia de que o futuro se construirá com vantagem, substituindo as relações pedagógicas humanizantes pelo novo iluminismo das aprendizagens mediadas pelas tecnologias e pelas enviesadas correlações estatísticas, que chegam ao êxtase de apurar a qualidade de um professor pela simples aplicação de uma fórmula matemática.

Deixemos que as decisões se fundamentem mais nas ciências relevantes para a Educação (Neurociência, Psicologia Cognitiva e demais ciências humanas) e menos na Economia da Educação e na Estatística. Contribuamos para que as decisões sejam tomadas sem escorraçar da equação o simples senso comum e sem sugerir práticas inquisitoriais para os que discordam do mainstream.

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