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quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Leituras: Morte e Democracia de José Gil

Morte e Democracia é um livro do filósofo José Gil que, atravessando diversas fronteiras políticas, culturais e das ciências humanas, procura indagar as relações que a morte e o desejo de imortalidade estabelecem com o poder político e procura também contribuir para a reformulação da ideia de democracia. 

"A morte traça uma fronteira-limite do pensamento. Para lá dela, nada há a experienciar ou a pensar. Fractura radical, deixa-nos à beira de um impensável abismo. Para o transpor, inventámos a transcendência e a imortalidade. E com elas surgiram as teocracias, as realezas mágicas e os regimes políticos que criaram as maiores desigualdades e injustiças. A democracia nasceu destituindo a transcendência religiosa do seu estatuto fundador da ordem política. E a imanência trará consigo, em princípio, uma possibilidade de igualdade e de justiça. Porque não deixam as democracias modernas de abrir aporta aos poderes autocráticos neofascistas? Certos resíduos da antiga transcendência parecem permanecer nas estruturas jurídico-políticas e nos mínimos gestos da cidadania democrática."

As democracias liberais chegaram a uma espécie de limite e nunca, como hoje, se sentiu tanto a necessidade de repensar e reformular concretamente o sistema democrático.”

A opinião de Santana Castilho


É grande a perplexidade que me assola quando vejo deputados, sobre cujos ombros pesa a responsabilidade soberana de legislar com justiça e verdade, servirem-se de estratagemas para produzirem leis que podem obrigar a escola a mentir sobre a realidade e a formatar na falsidade o intelecto dos seus alunos. Refiro-me à mentira inserta na lei recentemente aprovada, segundo a qual há um sexo atribuído à nascença, mentira que sustenta toda a construção fantasiosa de medidas administrativas a tomar pelas escolas, supostamente para proteger o direito à autodeterminação da identidade de género dos seus alunos.
Entendamo-nos, senhores deputados proponentes de tal aberração! Todos sabemos que o sexo não é atribuído, seja por quem for. Todos sabemos que o sexo é definido pela biologia, segundo leis naturais a que os humanos não escapam. Não confundam ideologia de género com a realidade mais objectiva com que lidamos desde sempre: o sexo com que nascemos é natural, não atribuído.
É danosa a confusão, que esta lei facilita e promove, entre disforia de género e ideologia de género. A psicologia do desenvolvimento há muito que nos ensinou como as crianças e os adolescentes, nos momentos mais críticos da sua formação, são permeáveis às propagandas poderosas e insistentes, como é o caso da que tem permitido o crescimento da ideologia de género. Sabendo isto, a pergunta de partida que se impõe é esta: queremos entregar os nossos jovens a experiências de mudança de sexo, retalhando corpos e afundando-os em bloqueadores de puberdade e banhos hormonais, de que poderão arrepender-se mais tarde?
Na ânsia doentia de combater uma discriminação que não é evidente, esta lei acabará por gerar desrespeito pela privacidade de crianças e jovens com disforia de género, já que, podendo até retirar os pais da equação, institui e pretende envolver toda a comunidade escolar num vil mecanismo de vigilância e delacção, impróprio de uma sociedade civilizada.
Dito isto, reconheço que não são as verdades biológicas que devem presidir, dogmaticamente, à abordagem complexa de temas de orientação sexual ou de identidade de género. Longe de mim não aceitar o direito de um adulto a mudar de sexo. Mas essa decisão só deve pertencer ao próprio, desde que tenha atingido uma idade legalmente identificável com maturidade fisiológica, moral e psíquica.
Terão os problemas relacionados com a identidade de género nas escolas portuguesas dimensão que justifique a precipitação do PS para aprovar uma lei sobre o tema, no último dia de funções plenas do Governo? A terem relevância, serão esses problemas mais impactantes na vida escolar das crianças e dos jovens do que o enorme volume de aulas perdidas por falta de professores ou do que a análise das causas da derrocada nas aprendizagens, que o PISA 2022 e o resultado das provas de aferição puseram a nu? Terão os proponentes da lei acompanhado a evolução do debate e das medidas correctoras tomadas por países pioneiros na abordagem do tema, logo que percepcionaram os equívocos em que incorreram? Eis alguns, que nos devem pedir reflexão: a Suécia, pioneira nos direitos LGBTQ e primeiro país do mundo a autorizar a transição legal de género, em 1972, começou a restringir a terapia hormonal de afirmação de género para menores, alegando preocupações sobre os seus efeitos secundários a longo prazo. Em Dezembro de 2022, limitou as mastectomias para adolescentes que queriam fazer a transição para um ambiente de investigação, invocando a necessidade de “cautela”. (EuroNews, 16/2/23); o chamado protocolo holandês, há uma década considerado como a abordagem padrão para cuidar de crianças e adolescentes com disforia de género, recorrendo a medicamentos que bloqueiam a puberdade natural, a hormonas sexuais cruzadas e a cirurgias, foi considerado, por cientistas e responsáveis de saúde pública da Finlândia, Suécia, França, Noruega e Reino Unido, como podendo fazer mais mal do que bem. (The Atlantic, 28/4/23).
A concluir, e porque a lei produziu também doutrina e suscitou apaixonada discussão pública sobre balneários e urinóis, espero que o Presidente da República e o Tribunal Constitucional descarreguem rápido o autoclismo. Para que as crianças possam ser crianças e os pais tenham papel cimeiro no seu processo de crescimento.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

A opinião de Santana Castilho - PISA 2022: os factos e o responsável


Em síntese, eis os factos e o responsável por esta derrocada sem precedentes.
Testados 6793 alunos de 224 escolas portuguesas, o PISA 2022 confrontou-nos com os piores resultados desde 2006. Portugal foi protagonista de um grave retrocesso na aprendizagem dos seus alunos, caindo em todos os domínios considerados. Os alunos portugueses com 15 anos de idade pioraram os resultados a Leitura, Ciências e Matemática, relativamente a anteriores avaliações. A percentagem de bons alunos diminuiu e a de maus alunos aumentou.
Portugal integra a lista dos 19 países que baixaram mais de 20 pontos a Matemática, referindo-se o tombo tanto a alunos carenciados como a estudantes de classes privilegiadas. Os nossos alunos obtiveram 472 pontos a Matemática, ou seja, menos 14,6 pontos por comparação com 2012 e menos 20,6 pontos relativamente a 2018. Três em cada dez não demonstraram conhecimentos rudimentares a Matemática, não chegando sequer ao nível dois, numa escala de seis níveis. Apenas 7% atingiram os níveis mais elevados da escala classificativa (5 e 6) a Matemática.
Em Leitura, os resultados médios também pioraram: os nossos alunos obtiveram 477 pontos, o que representa uma descida de 12,8 pontos face a 2012 e de 15,2 pontos em relação a 2018. Apenas 5% conseguiram obter um nível 5 ou 6.
Em Ciências, chegaram aos 484 pontos, menos 7,3 pontos do que em 2012 e 2018. Apenas 5% tiveram desempenhos muito bons (nível 5 e 6).
Se olharmos para a evolução dos resultados do PISA até 2015, vemos Portugal sempre a crescer. Faz pois todo o sentido analisar o que nos aconteceu a partir desse ano para que se tivesse invertido tão drasticamente esse ciclo positivo. Nesse ano, João Costa assumiu funções de secretário de Estado e os resultados não mais pararam de descer, como consequência das suas políticas bizantinas de destruição da escola pública: esvaziamento curricular, com programas revogados e substituídos por indigentes aprendizagens essenciais; nefastas políticas de flexibilidade curricular e pseudo-inclusão; abolição de avaliações rigorosas, internas e externas, e sucesso imposto, com passagens de ano praticamente obrigatórias; numa palavra, toda uma ideologia de cordel, de que os delírios Ubuntu, MAIA e quejandos são exemplos caricatos.
A polémica sobre as vantagens e desvantagens da realização de exames, com carácter universal, é velha e verifica-se em todos os sistemas de ensino. Mas a verdade é que são abundantes os estudos sérios que concluem que a sua abolição e substituição por provas sem consequências para alunos, professores e escolas, aquilo que João Costa fez, gera desresponsabilização generalizada e termina sempre com a degradação acentuada dos resultados escolares.
E não nos venha João Costa com a história da pandemia, porque a trajetória descendente das aprendizagens dos nossos alunos a partir de 2015 não está apenas documentada em sede de PISA. O mesmo se retira dos relatórios TIMSS 2019 (Matemática e Ciência) e PIRLS 2021 (Leitura).
Em vez de reconhecer os erros, João Costa optou agora por um discurso insidioso de pura propaganda educacional, onde brilha esta pérola: a falta de cabimento orçamental foi sempre o fundamento a que recorreu para negar a recuperação integral do tempo de serviço dos professores. Mas em recente entrevista à Renascença, disse que, com Pedro Nuno Santos, será possível satisfazer tal reivindicação, que considerou “justa e legítima“. Estamos falados sobre o carácter político falso, demagogo e hipócrita do declarante.
Os oito anos do ministério de João Costa foram de verdadeira cegueira ideológica. Foram oito anos a promover devaneios, indecifráveis pelo senso comum, a mirabolantes inovações educacionais.
João Costa não tem como fugir às suas responsabilidades. E devia perceber que aquilo que têm em comum os sistemas educativos do Japão, Coreia do Sul, Singapura, Taiwan, Hong Kong e Macau é integrarem sociedades que têm um profundo respeito pelos professores e pela sua autoridade e exigem aos alunos, na escola, rigor, trabalho e disciplina. Tudo valores que João Costa e seguidores destruíram.
Seria importante que na campanha política para a eleição de 10 de Março todos os partidos dissessem que valores estão preparados para defender, antes de a escola pública perder definitivamente o seu ancestral significado.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Das enormes responsabilidades políticas de João Costa

Sobre os resultados do Pisa: cheguem-se à frente s.f.f.
José Eduardo Lemos 

O ministro da Educação, João Costa, exerce funções políticas no ministério há oito anos. Primeiro, como secretário de Estado e, mais recentemente, como ministro da Educação. Durante estes anos, foi ele que deu a cara por muitas das medidas tomadas, nomeadamente as que dizem respeito ao currículo, a sua menina-dos-olhos, à autonomia e flexibilidade e à “escola inclusiva”. Ninguém duvidará, nem o próprio, das enormes responsabilidades que João Costa teve na política educativa dos últimos oito anos. 

Qualquer análise séria aos resultados escolares dos alunos em provas internacionais, como os obtidos recentemente no PISA 2022, para além dos efeitos globais da pandemia, terá de ponderar o efeito em Portugal das medidas que este ministro implementou nos últimos anos.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

O festim pidesco de um governo morto, ilustrado pelos casos apontados por Santana Castilho


1. Por entre os temas que dominam os noticiários, passou de fininho uma sinistra proposta do Governo (Proposta de Lei n.º 89/XV), que pretendia, entre outras coisas e de sorrelfa, criminalizar o pensamento, a palavra livre e a opinião que expressasse críticas sobre convicções políticas ou ideológicas alheias.
A proposta, entretanto abandonada, tem relevância para lá do que tentou. Com efeito, foi mais uma manifestação da continuada conduta desrespeitadora de direitos constitucionais, por parte de António Costa.
Sim, porque foi ele que, em plena gestão da pandemia, assumindo a Constituição da República Portuguesa (CRP) como um estorvo, que não como a referência que devia respeitar e cumprir, teve o topete de dizer que se faria o que ele decidisse, dissesse a CRP o que dissesse.
Sim, porque foi sob sua égide, como secretário-geral do PS, que foi ensaiado um conúbio com o PSD para promover uma revisão constitucional que visava suprimir o direito à liberdade, consignado no Artº 27º da CRP, para que os cidadãos pudessem ser detidos sem ordem judicial, para que a livre circulação pudesse ser proibida sem necessidade de decretar o estado de emergência e para que o Estado pudesse devassar as comunicações privadas, com a mesma ligeireza com que a PIDE devassava o correio.
Sim, porque António Costa ficará para a posteridade como o primeiro-ministro que mais vezes recorreu a mecanismos de excepção para impedir greves e permitiu os maiores atropelos ao seu exercício, de que são exemplos as discutíveis requisições civis de enfermeiros e professores, polícias a baterem à porta de motoristas de viaturas de transporte de matérias perigosas e polícia de choque usada para intimidar grevistas e proteger fura-greves, no caso dos estivadores.
Por outro lado, a proposta em análise apresentou-se simplesmente coerente com o festim pidesco de um governo morto, bem ilustrado pelos casos que se seguem.
2. A directora do Agrupamento de Escolas Júlio Dinis, em Gondomar, foi acusada de violação dos deveres de imparcialidade e lealdade porque, na sede do agrupamento que dirige, um grupo de docentes afixou uma tarja onde se lê “Estamos a dar a aula mais importante das nossas vidas”. Ao que consta, a “nota de culpa” propõe agora a sanção de suspensão, que implica a perda de salário, e a perda de mandato.
Não há o delito de opinião no ordenamento jurídico vigente, muito menos admitido no conceito de Estado de Direito Democrático, expresso no Artº 2º da CRP. Portanto, só a hipocrisia de quem manda e a coluna vertebral gelatinosa de quem obedece explica este grosseiro atropelo ao Artº 37º da CRP, que institui o direito à liberdade de expressão e informação, exercido pela comunidade de docentes do Agrupamento de Escolas Júlio Dinis.
Neste caso, não assistimos apenas à submissão da Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC) aos desígnios políticos da casta que se apossou do Ministério da Educação (ME) e à sua utilização para exercer um execrável controlo ideológico sobre tudo e todos. Assistimos, também, ao resvalar das intervenções da IGEC, outrora respeitável e independente, para metodologias de cariz pidesco.
3. Como é sabido, o poder judicial já havia declarado ilegais os serviços mínimos impostos para dias de aulas e para as avaliações finais dos 5.º, 6.º, 7.º, 8.º e 10.º anos. Agora, conhecemos um novo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), que declarou ilegais os serviços mínimos impostos à greve às avaliações dos anos com provas finais ou exames (9.º, 11.º e 12.º anos). Depois desta exposição do ME como vulgar fora de lei na matéria, ficaria bem uma palavra de contrição. Mas das consciências cavernosas dos governantes só nos chegou um cobarde silêncio.
4. Num belo lance de grosseira demagogia, um comunicado do ME deu-nos a conhecer que a Direção-Geral da Educação (DGE) passou a ter um conselho consultivo de alunos, que participarão nas reuniões mensais de dirigentes daquele órgão, podendo, entre outras atribuições, discutir propostas no âmbito da competência da DGE. Entendamo-nos, ministro João Costa: quem poderia opinar neste contexto são os professores, não alunos em processo de formação e crescimento. Enxergue-se, ministro João Costa! Mesmo a demagogia tem limites!

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

As políticas governamentais tem visado limitar a ação e a desvalorizar as organizações sindicais

O grevismo, doença infantil do sindicalismo

No período final da ditadura, à medida que o nosso país se afundava numa crise cada vez mais grave, as movimentações laborais tiveram um enorme desenvolvimento, com sectores de trabalhadores ligados à estrutura clandestina do PCP, de trabalhadores católicos e de outros sectores de opinião democrática a estabelecerem plataformas de convergência e de articulação operacional que conduziram primeiro à conquista de diversas direções dos sindicatos únicos corporativos autorizados pelo regime então vigente e depois à constituição da Intersindical Nacional, em outubro de 1970.

A partir de 1974, com a restauração da democracia e da liberdade, apesar das vicissitudes históricas que se conhecem, a atividade sindical constitui-se, na grande maioria das situações, como um espaço de convivência entre diferentes sectores de opinião política, valorizando os “denominadores comuns” na elaboração de propostas reivindicativas em defesa dos interesses dos trabalhadores e contribuindo em aspetos decisivos para a consolidação do próprio regime democrático.

Durante décadas, foi desenvolvida uma cultura sindical de elevado sentido ético e de grande responsabilidade política.

A greve foi sempre definida como a “última arma dos trabalhadores”, colocando-se a tónica em esgotar primeiro a via da negociação e de outras formas de luta intermédia.

A generalidade das organizações sindicais esteve sempre sujeita a vários tipos de pressões, de chantagens e de campanhas para desacreditar as suas intervenções, submetendo muitos dirigentes sindicais a perseguições revoltantes.

As organizações sindicais têm demonstrado em múltiplos países que são entidades imprescindíveis na caracterização daquilo que deve ser um Estado democrático.

O neoliberalismo, na sua ofensiva predadora das políticas sociais e da própria democracia, definiu as organizações sindicais como o primeiro inimigo a abater e isso verificou-se logo na Grã-Bretanha com a destruição do então poderoso sindicato dos mineiros pelo governo de Thatcher.

As políticas governamentais na grande maioria dos países europeus tem visado limitar a ação das organizações sindicais, restringir a contratação coletiva a aspetos quase residuais e boicotar qualquer política de diálogo e de negociação.

Este comportamento ideológico tem conduzido à desvalorização do papel político, social e económico dos sindicatos e à consequente criação de condições para o aparecimento de estruturas populistas cujos objetivos da contestação pela contestação têm contribuído para um agravamento das condições de vida de um número crescente de trabalhadores, ao empurrarem os processos de luta para “becos sem saída” e ao difundirem conceitos de “política de terra queimada”.

No nosso país, essa situação de fragmentação sindical em alguns sectores profissionais tem determinado, como era inevitável, um enfraquecimento da capacidade reivindicativa dos trabalhadores.

O atual governo tem prosseguido essa ofensiva antissindical e tem contribuído para essa fragmentação em sectores profissionais tão sensíveis como enfermeiros e professores.

Se julga que enfraquecendo a representação sindical dos trabalhadores está a facilitar a aplicação das suas medidas governamentais, aquilo a que vimos assistindo é precisamente ao reforço das posições de organizações de extrema-direita com sectores da população cada vez mais descrentes em tudo o que são instituições do regime democrático como os partidos e os sindicatos.

Simultaneamente, uma grande parte dos dirigentes sindicais, sentindo-se impotentes para contrariar essa ofensiva e sem conseguirem definir uma plataforma programática global de desenvolvimento da intervenção sindical adequada aos novos tempos adversos refugiam-se em posições cada vez sectárias e de enquistamento político.

Temendo cair em situações armadilhadas e de perda de associados, recusam quaisquer acordos e adotam a perspetiva negocial do “tudo ou nada”.

Esta perspetiva, de acordo com a experiência acumulada, conduziu sempre ao fracasso e acaba por criar dúvidas sobre a utilidade dos sindicatos.

A greve passou a ser encarada como a primeira arma dos trabalhadores e as tarefas de organização e envolvimento dos trabalhadores nos locais de trabalho foram substituídas por convocatórias frequentes de manifestações.

A impaciência “pequeno burguesa de fachada socialista” acabou por ditar a adoção de medidas imediatistas e impulsivas desinseridas de uma abordagem transformadora da realidade político-laboral.

Importantes meios sindicais, desarmados ideologicamente e sem conseguirem construir marcos orientadores da sua intervenção ficam paralisados em posições de “nenhuns compromissos” e em conceções de vanguardismo que os desligam dos universos de trabalhadores.

Os perigos que assolam a Europa, e que já têm afloramentos no nosso país, com o crescimento da extrema-direita necessitam de sindicatos fortes como bastiões de defesa da democracia e de mobilização cívica dos trabalhadores.

A greve tem de voltar a ser a “última arma dos trabalhadores” e tem de deixar de ser banalizada, porque isso conduz ao seu desprestígio, à perda da sua capacidade mobilizadora e à desvalorização da sua utilidade como importante e muitas vezes decisiva forma de luta, como se tem visto, de forma preocupante, a nível dos médicos.

A greve não pode estar inserida em calendários de oportunidade política de agendas partidárias escondidas, porque isso conduz à corrosão do poder aglutinador e insubstituível das organizações sindicais.

Se a democracia não se constrói sem democratas, o sindicalismo não se revigora desligado do mundo laboral e à revelia das aspirações concretas dos trabalhadores em cada momento concreto.
Mário Jorge - Médico

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Mais uma crónica demolidora de Santana Castilho


1. A Sonae tomou a iniciativa de discutir o impacto da tecnologia na educação, criando um tal Innovators Forum 23, cuja primeira edição aconteceu a 8 de Novembro, com dois oradores principais: David Kellermann, professor da Universidade de Nova Gales do Sul, que criou a chamada “sala de aulas mais avançada do mundo” (vá lá alguém perceber a validade do presunçoso epíteto) e o indiano Sugata Mitra, cientista de computação, cujo método de aprendizagem salvador assenta na ideia mirífica de que, porque as crianças são naturalmente curiosas, apenas precisam de um computador e acesso à Internet, para que aprendam. A estas sumidades internacionais juntaram-se sumidades nacionais da mesma linha de pensamento: José Pacheco, fundador da Escola da Ponte e criador da Open Learning School e os empresários Tim Vieira, da Brave Generation Academy e João Magalhães, da Academia de Código.

Pérolas proclamatórias principais: “O sistema de ensino está completamente fora do prazo de validade” (Sugata Mitra); “Não é possível medir o saber” (Sugata Mitra); "A sala de aula é algo maquiavélico" (José Pacheco).

Obrigado sumidades! No preciso momento em que os professores procuram a justiça a que têm direito, os vossos indicadores apontaram-nos como responsáveis por todos os males da escola. Humildemente vos digo que a vossa dissimulada entropia, a coberto de interesses outros, que não os da educação das massas, é simplesmente perigosa e preocupante.
 
Gostava de vos ver lidar com 83.431 alunos portugueses com necessidades educativas especiais e 143.688 alunos estrangeiros inscritos nas escolas públicas, que apenas falam as suas línguas maternas (nalgumas escolas coexistem mais de meia centena de línguas diferentes).

Por que razão instituições economicamente poderosas, cuja actividade está nos antípodas da Educação, dão tanto palco a gurus, que fazem carreira a dizer mal da escola pública, a única a que os pobres podem ter acesso?

2. Porque escolhi invocar grotescos, registo o segundo. João Costa, o mais desastrado e incompetente ministro da Educação desde que tenho memória, foi eleito presidente do Comité de Políticas Educativas da OCDE, órgão responsável por coordenar toda a sua atividade no sector da educação e contribuir para a definição das políticas públicas.
 
Recorde-se a propósito que, em Maio de 2022, no 2.º Encontro Nacional de Autonomia e Flexibilidade Curricular, uma patusca Amapola Alama, especialista da UNESCO, afirmou, pasme-se, que o nosso sistema educativo era “o Rolls-Royce dos sistemas de educação”. Parece assim natural que o motorista do Rolls-Royce, militante mercantilista e neoliberal, tenha sido eleito para o cargo em análise.

3. A embrulhada política que domina o país tem a forma de um pantanoso e fétido lodaçal e a substância de um verdadeiro desastre de mentiras, irresponsabilidades, traições e comportamentos indecorosos, em que são actores os mais altos representantes do Estado. Com efeito, temos: Costa a desmentir Marcelo e Marcelo a desmentir Costa; uma magistratura incapaz e liberta de qualquer controlo democrático, bem mais interessada em caçar políticos que em gerir a justiça; um inquérito do Ministério Público que originou a demissão do primeiro-ministro e um juiz de instrução que, escassos dias volvidos, garantiu não haver no processo indícios de corrupção ou de prevaricação; um primeiro-ministro demitido de um Governo que devia ser de gestão mas que ainda está com poderes plenos, porque o Presidente da República interpreta a seu modo a Constituição; escassa informação séria e abundante mediação de boa parte da imprensa e televisões sustentada por agendas nauseantes, que destratam a cada passo a inteligência dos leitores e espectadores.

A sombra deste polvo gigante, que asfixia a democracia e dentro do qual o sentido de Estado foi substituído pela arte manhosa de se servir do Estado, permite-me especular sobre um eventual terceiro acontecimento escabroso: e se António Costa, manipulador inato e decano do ardil político, simplesmente aproveitou o fatídico parágrafo de Lucília Gago para escapar ao atoleiro em que mergulhou o Governo, outorgando-se, do mesmo passo e habilmente, o estatuto de vítima da justiça, que regressará ilibada, daqui a pouco, para novos lances de apropriação do poder?

domingo, 19 de novembro de 2023

Os trabalhadores da Administração Pública continuam a perder poder de compra

Professores e Educadores com perdas de 15,6% entre 2011 e 2023

Neste estudo com o título “OS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO PUBLICA CONTINUAM A PERDER PODER DE COMPRA, VARIANDO MUITO DE CATEGORIA PROFISSIONAL, SENDO OS MEDICOS UMA DAS MAIS PENALIZADAS, O NÚMERO FICTICIO DE MÉDICOS NO SNS UTILIZADO NA PROPAGANDA DO GOVERNO, E A SOBREEXPLORAÇÃO DOS MÉDICOS DURANTE O INTERNATO" utilizando dados divulgados pela Direção Geral da Administração e Emprego Público (DGAEP) em 14/11/2023 do 3º Trim.2023, com dados do nº de trabalhadores e de remunerações e ganhos médios por categorias profissionais calculo, em primeiro lugar, a perda de poder compra das remunerações e ganhos, que inclui tudo o que o trabalhador recebe) ilíquidos, ou seja, antes de sofrer os descontos (IRS, CGA/SS, ADSE/ADM/SAD), e conclui que se verificou mesmos nestas uma perda efetiva (-3,9% e -6,9%). Mas são nas remunerações base medias líquidas que a perda de poder compra foi muito mais elevada (em média -11,7%), variando muito de categoria para categoria profissional, atingindo em relação aos médicos, uma das categorias profissionais mais penalizadas, -23,4%.

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Modernizar a matriz curricular da escolaridade obrigatória - Carlos Ceia

Não acredito que algum Governo próximo queira mexer na matriz curricular da nossa escolaridade obrigatória. Contudo, continuo a acreditar que se impunha uma profunda reforma, sobretudo no Ensino Básico e nos grupos de recrutamento bidisciplinares.

As questões que me preocupam e que partilho com quem quiser ajudar-me a reflectir com soluções que ajudem a melhorar e a modernizar a matriz curricular da escolaridade obrigatória são estas:

1. Como reestruturar a matriz no seu todo, com 3 ciclos do Ensino Básico (EB) e um 1 Ensino Secundário (ES), sabendo que é um modelo profundamente desactualizado e que já não encontra paralelismo em parte alguma do mundo (ver os quadros do espaço europeu no documento na ligação destacada)?  https://op.europa.eu/.../2b9800c8-4aa3-11ed-92ed...

2. Não seria mais sensato ter apenas 2 ciclos de escolaridade: anos 1 a 6 + anos 7 a 12, como acontece na maior parte dos países na Europa e no mundo? Ou, no máximo, apenas 3 ciclos: 1-6; 7-9; 10-12?

3. Como equilibrar as horas lectivas semanais das principais disciplinas, sabendo que algumas disciplinas nucleares possuem hoje apenas uma carga de 90m semanais?

4. Como resolver o caso já dramático dos grupos de Biologia e Geologia e Física e Química, para os quais não há praticamente licenciaturas que permitam a formação bidisciplinar a nível de mestrado de ensino? O que fazer quando sabemos que estes professores dos grupos 510 e 520 não conseguem, na prática, fazer um horário completo se os grupos se autonomizarem e, ao mesmo tempo, as universidades não vão criar licenciaturas bidisciplinares em áreas científicas que se autonomizaram há muito tempo e têm, cada uma isoladamente, a sua própria actividade investigativa independente? (A continuar a situação actual, faltarão professores nestes grupos de forma crónica e sem solução à vista.)

5. Como encaixar o Inglês nos 4 primeiros anos de escolaridade, a exemplo de quase todas as matrizes curriculares dos principais países europeus?

6. No 2º ciclo, ou na zona de escolaridade 5-6, as disciplinas não deviam ter grupos monodisciplinares? Que sentido faz, por exemplo, ter Português em 3 grupos (200, 210 e 220), com a inevitável confusão que é organizar a formação de professores nesta área?

7. Qual o lugar da Cidadania e Desenvolvimento nas matrizes curriculares? Faz mais sentido que exista como saber transversal que deve estar inscrito em diferentes conteúdos programáticos de disciplinas nucleares ou como disciplina autónoma com carga lectiva própria em todo o EB? Não se podia transferir esta carga lectiva para as disciplinas nucleares que foram reduzidas a 90m semanais?

8. Faz sentido, por exemplo, que nos 2.º e 3.º ciclos o processo de reatribuição dos tempos lectivos da área curricular de Ciências Sociais e Humanas implique a diminuição da carga lectiva das disciplinas de História e Geografia para se poder acolher a CD?

Reimaginar a Escola na era da Inteligência Artificial

Na chamada Era da Inteligência Artificial, a proposta a ser discutida é reimaginar a escola hoje e estabelecer imediatamente os caminhos de sua mudança, para que se construa um futuro também específico e coletivamente elaborado, que tenha como fundamentos a justiça social e o bem comum.

A mudança do paradigma do ensino rumo ao paradigma da aprendizagem pede a reformulação dos problemas e soluções modelares relacionados à ação da escola, para que as realizações científicas reconhecidas estejam alinhadas às demandas da Sociedade da Informação. 
Incluem-se nessa revolução científica os professores, gestores, equipes administrativas, políticos e tecnocratas formuladores de políticas públicas, pesquisadores, formadores de docentes, estudantes e demais comunidades comprometidas com o locus educacional. 
 Em tempos de convergência digital, as pessoas aprendem, de formas diferentes, a onipresença das telas no cotidiano; e a atenção crescente dada aos conteúdos e interações, que aquelas proporcionam, mudam a maneira como o cérebro percebe e processa a informação
Nesse contexto, é plausível imaginar que o advento da internet, das redes sociais, dos games e as mudanças na indústria do entretenimento, geradas pela convergência digital, impactem o aprender, tanto com efeitos positivos quanto negativos. Todas essas tecnologias passam a ser diretamente transformadas com a chegada da Inteligência Artificial Generativa.

quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Oito ideias maquiavélicas postas em marcha no ataque à profissionalidade docente

Carlos Almeida - Observador 

"O erro está em pensar que o devir é tecnológico e o passado é antropocentrista, secundarizando o papel do professor. Nada mais errado por parte das “iluminárias” do ME, deslumbradas com digi-modas.
...
É a realidade que se passa hoje na Escola Pública e a verdade que atormenta professores e educadores. A escola-arena consubstancia-se em Portugal no início do século XXI, a partir de 2005/2006, facto confirmado pelo próprio Primeiro-Ministro, Dr. António Costa, que em declarações à Sic Notícias, em 2015, afirmou: “os professores foram vítimas de uma guerra injusta decretada num conselho de ministros de que fiz parte em 2006.”
...
Está validada a guerra, em forma de guerrilha institucional permanente com o professorado, tendo como grandes vítimas, além dos docentes, os alunos, a Escola Pública, a qualidade do sistema educativo, da sofrívilidade à mediocridade do ensino-aprendizagem. Ora de forma sub-reptícia, ora de forma explícita, o verdugo e o chicote político fere incessantemente os professores, numa tormenta persecutória que é já “assédio moral laboral”.
...
Vivemos o estranhamento da negatividade negacionista da centralidade do professor no sistema educativo. Uma descentralidade premeditada e paulatinamente implantada pelo Estado, cujo objectivo político é minar a autoridade do professor, ao disseminar, diluir o poder e arbítrio, controle e mando docente. Foi morrendo o direito legal de decisão e de se fazer obedecer. Acabada está a autoridade do professor. Afirmado está o poder político autocrático de cultura anti-escola, anti-professor e anti-educação.
...
Politicamente falando, analisados os factos com visão histórica, concluímos da premeditação, planeamento, consciente má-fé, método e rigor, assertividade cirúrgica e escolhas minuciosas dos ataques às vertentes vitais da profissionalidade docente. Falamos do octograma do mal. No sentido das oito ideias maquiavélicas postas em marcha: desmantelamento do Estatuto da Carreira Docente (ECD); “quadridentis” ataque à carreira, avaliação-progressão, digito-burocracia, administração e gestão escolar; detonar a autoridade e respeitabilidade docente; cianetamento do clima de escola e toxicidade-relações humanas; negação e menosprezo pela proposição, negociação e concertação."

terça-feira, 31 de outubro de 2023

Para ler ou ouvir em podcast em mais um DOC SIPE

Paulo Guinote
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O problema maior é que, com especialistas académicos e decisores políticos que se deixam aprisionar por estes interesses ou oportunismos, um diagnóstico rigoroso não é possível, pelo que é bastante improvável que qualquer tratamento recomendado seja o adequado.

A Educação Pública está doente, mas quem tem a missão de a tratar tem outro tipo de agenda, muito distante de qualquer serviço público ou do tão falado “interesse dos alunos”. Infelizmente, os principais prejudicados pela falta de prevenção, pelo diagnóstico errado e pelos tratamentos ineficazes são esses mesmos “alunos” e a imagem progressivamente degradada de um dos pilares de um Estado que se queria Social.

quinta-feira, 26 de outubro de 2023

"Ser professor, hoje, não é uma vocação; é uma perversão."


Custa a crer que a carreira menos atrativa do país possa ser a de professor, especialmente nos dias de hoje, em que os alunos cada vez estudam mais. Segundo a Organização para o Crescimento e Desenvolvimento Económico (OCDE), o ensino superior em Portugal "está a tornar-se tão comum como o ensino secundário ou o ensino pós-secundário não superior entre as pessoas com idades compreendidas entre os 25 e os 34 anos". É inegável por isso a importância dos ensinos Básico e Secundário (de qualidade) na formação destas novas gerações - e ter professores desiludidos com a profissão compromete este pilar de sustentação.

Os resultados da última Consulta Nacional online a docentes dos Ensinos Básico e Secundário, promovida pela Federação Nacional de Educadores (FNE) junto de 2138 profissionais, revelam que 95% dos professores dizem ter expectativas de carreira pouco ou nada atrativas. Comparando com o ano passado, há mais professores descontentes com a remuneração (97,1% este ano, face aos 96,7% do ano passado), queixando-se que não está ao nível do desempenho de funções. A degradação da profissão, aos olhos de quem a pratica, é notória e preocupante. E não falamos apenas da questão salarial que, uma vez mais pegando nos dados mais recente da OCDE, entre 2015 e 2022, a média dos salários reais dos professores do Secundário caiu 1%, contrariando os 4% de crescimento médio dos países da organização. É também preocupante o futuro da profissão, atendendo à urgente necessidade de renovação. Só entre janeiro e setembro deste ano, passaram à reforma 2207 docentes, um número que deverá chegar aos 3500 no final do ano, segundo notícias recentes com base na análise de dados da Caixa Geral de Aposentações. Ora, se o número de professores que passaram à reforma em 2020 foi de 155 e em 2019 de 128, assim se vê a preocupante aceleração.

Este ano, parece ter havido um sinal positivo com o aumento do número de alunos que escolheram em primeiro lugar cursos universitários que dão acesso à carreira docente. Mas ainda é cedo para tirar ilações quanto ao seu futuro, atendendo a um presente que os professores dizem ser pouco risonho. No mesmo inquérito da FNE, 84,1% dos educadores e professores inquiridos (menos 2,3% do que no ano passado) não aconselham os jovens a seguir a profissão. Uma pesada e frustrante constatação destes profissionais, que se espera que sejam uma fonte de inspiração das novas gerações, dentro da sala de aulas e fora, numa sociedade que valoriza o ensino.
Bruno Contreiras Mateus 
Subdiretor do Diário de Notícias

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Santana Castilho comenta a ausência da Educação no Orçamento do Estado


Um orçamento de Estado não se pode circunscrever à gestão das finanças públicas, na perspectiva única de que as despesas não podem superar as receitas. Particularmente num país onde: antes de prestações sociais, 40% dos cidadãos vivem em risco de pobreza; cerca de 50% das empresas não pagam IRC, por apresentarem sistematicamente resultados negativos; 90% do IRC arrecadado provem apenas de 20% das empresas em actividade; 90% da receita de IRS é paga apenas por um milhão e 200 mil contribuintes, de uma população activa de 5 milhões e 222 mil portugueses. São indicadores macroeconómicos que põem a nu que o problema de António Costa, em oito anos de governo, não é a gestão das finanças públicas. É não saber governar, não ter qualquer pensamento estratégico de criação de riqueza, nem ter promovido nenhuma reforma estrutural que altere o quadro descrito. Com este pano de fundo, a irrelevância que o OE 2024 dispensa à Educação é bem o espelho da incompetência do PS para promover o investimento público de que Portugal carece.
Quando a 10 do corrente fez a apresentação pública do OE 2024, Fernando Medina à Educação disse nada. Surpreendente a omissão de Medina? Sim, face à profunda crise em que um sector vital para o desenvolvimento do país vive há anos. Natural, face ao vazio relativo a medidas inadiáveis e relevantes que caracteriza o OE 2024 para a Educação.
O crescimento do valor orçamentado para 2024, comparado com o do estimado para 2023, é de 5,7%. Mas sendo de 5,3% a inflacção prevista pelo próprio Governo até ao final do ano, o crescimento real será de 0,4%. Por outro lado, não podemos deixar de verificar que a relação do valor orçamentado com o nosso Produto Interno Bruto (PIB) volta a cair. Com efeito, quando António Costa chegou ao Governo em 2015, a despesa em Educação, em percentagem do PIB, cifrava-se nos 5,1%. Em 2016 caiu para 4,8%, em 2017 para 4,6%, em 2018 para 4,4%, em 2019 subiu uma décima (4,5%), em 2020 subiu duas décimas (4,7%), para voltar a baixar para 4,6% em 2021 (Fontes/Entidades: INE e PORDATA, última actualização de 22/9/23).
Entretanto, as organizações internacionais que se pronunciam sobre o desejável peso da Educação na despesa pública dos estados recomendam que esse peso seja da ordem dos 6% do PIB.
Olhemos então para o caso português. O valor do PIB em 2022 (já oficialmente determinado) foi 242,3 mil milhões de euros. Se se confirmarem as previsões do Governo (crescimento de 2,2% em 2023 e 1,5% em 2024), teremos em 2024 um PIB ligeiramente superior a 254 mil milhões de euros e, consequentemente, apenas 2,9% desse PIB consignados ao Ensino Básico e Secundário. Se lhe somarmos as restantes despesas previstas para os outros níveis de ensino, ficaremos próximo de 4,3%, valor bem distante dos 6% internacionalmente recomendados e que traduz nova queda na série estatística que caracteriza os governos de António Costa.
Às constatações supra, factuais, é incontornável somar o discurso político que as determina, a saber: as inverdades propaladas por António Costa para sustentar a sua intransigência obsessiva na recusa da recuperação faseada do tempo de serviço dos professores (ver meu artigo de 11/10/23), solução defendida pelo próprio Presidente da República, por toda a Oposição, da esquerda à direita, e por relevantes militantes do PS, o último dos quais Pedro Nuno Santos; o recente chumbo no Parlamento (4/10/23) de todos os projetos que visavam valorizar a profissão docente; o obsceno aumento das despesas do Ministério da Educação (56,2 milhões de euros que, comparados com os 4,2 milhões de 2023, significam um acréscimo de 1237%) para pagar estudos, pareceres e consultadorias aos prosélitos de João Costa, nomeadamente do tipo dos “artistas” que recentemente concluíram, pasme-se, que o encerramento das escolas durante a pandemia gerou uma melhoria espontânea na aprendizagem dos alunos.
Tudo visto, a conclusão é clara: o orçamento para a Educação limita-se à mera gestão corrente, sem qualquer rasgo de intervenção nas múltiplas vertentes carentes de investimento; as matérias mais importantes e decisivas para a educação dos portugueses estão fora do OE 2024.
(Negrito nosso)

sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Os professores do 1º Ciclo do Ensino Básico

Parece-nos pertinente, para melhor entender o que foi e ainda é ser professor do 1.º CEB, em Portugal, assentar esta comunicação em palavras âncora: Passado, Identidade, Reconhecimento, Organização, Tempo, Currículo, Equidade, Desafios e Esperança.


ESPERANÇA. Esperança no futuro: nos professores, nos decisores, nos pensadores… Esperança que estas reflexões mais longe! Esperança que a resiliência dos professores do 1.º CEB permaneça intacta e, que, em cada setembro, se renove o brilho no olhar de cada um e cada uma! Esperança de que estes Super Heróis não se cansem!
Miguel Borges

terça-feira, 17 de outubro de 2023

Resumindo e concluindo...

"Qualquer medida que vise resolver a escassez de professores, ficará sempre condicionada às políticas de fundo que tornem mais atrativa a carreira e o exercício da profissão docente."

quarta-feira, 11 de outubro de 2023

A opinião de Santana Castilho sobre as falsidades e delírios de António Costa

Discurso para iludir ingénuos e inação como forma de governar

Na voragem das notícias, acontecimentos graves caem no esquecimento e passam sem a intervenção dos primeiros responsáveis da cadeia de comando e sem as consequências que a ética mínima imporia.
1. A directora do Agrupamento de Escolas Júlio Dinis, de Gondomar, estará a ser vítima de um processo disciplinar porque na sede do agrupamento foi colocada uma tarja preta em que se pode ler: “Estamos a dar a aula mais importante das nossas vidas”. Em comunicado, os professores e educadoras do agrupamento assumiram a responsabilidade colectiva por uma iniciativa que conceberam, pagaram e executaram, tendo a diretora, e bem, apenas autorizado.
Eis, mais uma vez, a hipocrisia bafienta do ministro da Educação e do primeiro-ministro trazida à luz do dia. No preciso ano em que se iniciam as comemorações dos 50 anos da liberdade que Abril nos trouxe, a consciência dos dois ficou tranquila perante um flagrante atropelo ao artigo 37º da Constituição da República Portuguesa que, em quatro eloquentes parágrafos, fixa o direito à liberdade de expressão e informação, que a comunidade de docentes em apreço exerceu.
Do mesmo passo, é penoso assistir à continuada degradação da Inspeção-Geral da Educação e Ciência, cada vez mais lesta em exercícios censórios, de perseguição aos poucos directores que recusam ser simples lacaios políticos desta perniciosa maioria absoluta.
2. Por dever de ofício, ouvi o que António Costa disse sobre os professores na longa entrevista que deu à CNN: um exemplar discurso para iludir ingénuos e uma antologia de inverdades para mascarar a inação que caracteriza a sua forma de governar.
António Costa voltou à cassete segundo a qual a recuperação do tempo de serviço dos professores é insustentável para o país, por razões de natureza financeira e de equidade relativamente aos restantes funcionários públicos.
São muitas as demonstrações de que o argumento financeiro é falso. António Costa disse, em Março deste ano, que quando o ministro da Educação fala é ele que estava a falar. Logo a seguir afirmou que a recuperação do tempo de serviço dos professores custaria 1300 milhões ao ano, ao mesmo tempo que o ministro da Educação afirmava que as contas estavam ainda a ser feitas. À legítima pergunta sobre em qual Costa deveríamos acreditar respondeu, dias volvidos, o Ministério das Finanças, dizendo que a recuperação custava 331 milhões, valor idêntico àquele a que chegou um criterioso estudo promovido pela Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE). Para além do fundamentado desmentido dos delírios de António Costa, esse estudo demonstrou ainda que, se a recuperação fosse agora feita, a massa salarial cresceria 3,6% nos próximos três anos e baixaria 7,3% nos sete anos seguintes, sendo os custos da recuperação integral do tempo de serviço totalmente absorvidos no final da década. É isto (10% do preço das piruetas sem critério que António Costa deu na TAP) que é insustentável para o país?
Quanto à equidade, fala de quê, António Costa, quando na própria entrevista tem o topete de anunciar, consoante modelos diferenciados de funcionamento dos centros de saúde, aumentos de salários para médicos de 12,7%, 33%, 60% ou mesmo 66%? Ou de 33% para os que aceitem a dedicação plena nos hospitais?
Fala dos politicamente muito convenientes aumentos dos magistrados e juízes, de 2019?
Fala da generalidade das outras carreiras, em que o tempo de serviço, convertido em pontos, já foi reposto? Ou insiste na mentira descarada de haver igualdade de recuperação de tempo de serviço entre os professores e as demais carreiras, que recuperaram 70% de 10 anos, enquanto os professores recuperaram 70% de quatro anos?
Fala da recuperação de todo o tempo de serviço aos enfermeiros? Ou acha que há equidade entre os professores do continente e os dos Açores e da Madeira?
De acordo com a retórica elogiosa do primeiro-ministro, o Governo foi magnânimo com os professores, oferecendo-lhes um “acelerador” de carreiras. Faltou-lhe citar os detalhes, que a ANDE já denunciou: os efeitos da medida são de tal modo diluídos no tempo que, mais de 3000 docentes só os sentirão nos anos de 2031, 2032 e 2033; apenas em 2025 se atingirá metade dos docentes abrangidos pela medida, sendo que os promovidos nessa altura terão, em média, cerca de 61 anos.

sábado, 30 de setembro de 2023

O desinvestimento na Educação agravou-se e continua a descer

Neste estudo com o título “NO ÚLTIMO ANO PORTUGAL CRIOU PRINCIPALMENTE EMPREGO PARA TRABALHADORES COM O ENSINO BÁSICO, PORTANTO DE BAIXAS QUALIFICAÇÕES E BAIXOS SALÁRIOS, E DESTRUIU EMPREGO DE TRABALHADORES COM O ENSINO SUPERIOR. O GOVERNO DESINVESTE NA EDUCAÇÃO APESAR DA SITUAÇÃO GRAVE DESTA E DO ATRASO CRESCENTE DO PAÍS” utilizando dados do INE, do Eurostat e da DGAEP, mostro que no último ano (2ºT-2022/2ºT-2023) verificou-se um crescimento elevado de emprego para trabalhadores com o ensino básico, portanto de baixas qualificações e baixos salários (+171300), enquanto o emprego de trabalhadores com o ensino superior diminuiu significativamente (-128000) Mostro também que em Portugal verifica-se um claro desinvestimento na Educação, pois a despesa com educação por habitante no nosso país tem diminuído em percentagem quando comparado com a despesa por habitante na U.E. e na Zona Euro (em 2014, 67,7% da despesa por habitante na U.E. e, em 2021, apenas 60,9% da média da U.E.) . Também mostro, utilizando os dados referentes a remunerações base médias mensais brutas divulgadas pela DGAEP que, em 2 anos (2022 e 2023), verificou-se uma quebra significativa no poder de compra das remunerações líquidas dos professores (as dos professores do ensino básico e secundário sofreu uma redução de -13%) o que está a causar uma forte desmotivação e revolta, agravando ainda mais a crise da Educação e do país

terça-feira, 26 de setembro de 2023

Com estas políticas é difícil aliciar jovens e menos jovens para abraçar a carreira docente

Ainda sobre a falta de professores


No início dos últimos anos letivos, um assunto tem ocupado as manchetes dos jornais e a abertura dos noticiários de estações de rádio e canais de televisão: a falta de professores. Também neste espaço, tem sido matéria de reflexão. Apesar de o seu efeito se fazer sentir de forma desigual no país, com graves efeitos na equidade e igualdade de oportunidades que a Escola Pública deve prover, no momento em que estamos, é difícil não regressar a este tema.A falta de professores anunciava-se há muitos anos, muito mais de dez. Várias organizações ligadas à Educação foram alertando para o que o futuro traria, se nada fosse feito, mas nada ou muito pouco foi feito. Pode até dizer-se que, em muitos aspetos, a situação se agravou. Os professores tiveram a sua carreira “congelada” por muitos anos, a profissão foi sendo desvalorizada socialmente e as condições de vida, principalmente nas grandes cidades, tornaram-se difíceis, se não impossíveis, de serem comportadas por quem inicia o exercício desta profissão.

Enquanto isto, e apesar de tudo isto, os professores portugueses foram fazendo crescer e melhorar a escola pública, contribuindo decisivamente para que a formação dos nossos alunos fosse atingindo um nível, de tal forma elevado, que os guindou para os lugares cimeiros dos estudos internacionais e os tornou motivo de admiração por essa Europa fora. Portugal passou a exportar mão-de-obra altamente especializada, com elevado nível de competências e com a qualidade da sua formação reconhecida.
Entretanto, surge a pandemia e os professores portugueses enfrentaram o desafio de dar resposta a um confinamento inédito, com ensino a distância, apesar da escassez de formação e recursos para tal. Também após a pandemia, lhes foi colocado o repto de recuperar as aprendizagens dos alunos, perdidas nesses anos.

A todos os desafios, os professores portugueses deram resposta à altura. Apesar disso, nada melhorou quanto ao reconhecimento social, às condições de trabalho e à carreira docente. Mesmo o “descongelamento” da carreira provocou muitas situações de injustiça.

A profissão docente é, atualmente, pouco apelativa, com bloqueios que dificultam uma progressão na carreira que seja estimulante. Está “armadilhada” com quotas e vagas que impedem o acesso ao topo da carreira a uma grande parte dos docentes.
Ao contrário do que se quer transmitir, esta carreira não valoriza o desempenho, antes penaliza muitos docentes de elevado mérito que desmoralizam com o retorno negativo que lhes é dado pelo esforço que dedicam à profissão e aos seus alunos.

Não será muito difícil encontrar professores com mais de 30 anos de carreira, a aproximar-se da idade de aposentação, situados, ainda, a meio da carreira docente, com um vencimento líquido pouco acima de 300€ superior ao que se vence no início da carreira. Isto significa que os muitos professores nestas circunstâncias tiveram uma valorização de cerca de 10€ por cada ano de carreira.
Estes docentes têm uma perspetiva de progressão na carreira muito reduzida e sentem ter trabalhado uma vida inteira para acabar com uma reforma bem abaixo do que esperavam quando começaram a trabalhar. Esta realidade não seria motivadora para nenhuma carreira e explica muita da insatisfação e sentido de injustiça que motiva os professores portugueses para as diferentes formas de luta que têm vindo a assumir.

Com este enquadramento da profissão, é difícil aliciar jovens e menos jovens para abraçar esta carreira. Não nos podemos esquecer que todos os potenciais futuros professores já passaram pelo sistema educativo. Sabem bem o que é exigido a um professor, a exposição e o desgaste a que a docência obriga, as condições e o volume de trabalho com que lidam e o que recebem em troca.
Para reverter o caminho para a erosão da profissão, urge tomar medidas: rever e valorizar a carreira e o estatuto remuneratório, desbloquear a progressão na carreira, alterar o sistema de avaliação de desempenho docente e os seus efeitos na carreira e melhorar as condições de trabalho dos professores e das escolas.
Urgente seria retomar conversações para a recuperação do tempo de serviço, pela qual se trava uma das mais intensas lutas laborais de que há memória no nosso país.
Jorge Saleiro - Diário do Minho
Diretor do Agrupamento de Escolas de Barcelos

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Se ignorarmos os outros desafios que os docentes enfrentam não resolveremos os problemas da profissão


Faltam professores: quase 40% dos docentes vão reformar-se até 2030, e a substituição geracional tem-se revelado um desafio.
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A evidência empírica é claríssima a demonstrar que os professores são o elemento mais importante das escolas para melhorar os resultados dos alunos, sobretudo os de contextos socioeconómicos desfavorecidos.
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Apesar de não serem uma solução mágica para todos os males, os incentivos financeiros serão uma resposta importante e necessária, pelo menos a médio e curto prazo. Contudo, na história do rei Midas, o seu desejo revelou-se desastroso quando, ao aperceber-se de que até a comida em que tocava se transformava em ouro, passou fome. De igual forma, se ignorarmos os outros desafios que os professores enfrentam, não é apenas com um toque de Midas que resolvemos os problemas desta profissão e, assim, o futuro do nosso país.