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quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Burocracia na Organização Escolar – um inferno de desconfiança

"Não há possibilidade de verdadeira autonomia quando não há regras. A autonomia, como defendida por Santiago Guerra (2006), não se confunde com a ausência de regras, mas, sim, com a capacidade de cada profissional e de cada escola definir o seu próprio caminho dentro de um marco regulatório claro. A autonomia responsável implica liberdade para agir, assumindo a responsabilidade pelas decisões e ações, e estando pronto para prestar contas de forma transparente, sempre que necessário.

Para que a autonomia floresça, é crucial cultivar uma cultura de confiança mútua entre todos os atores da comunidade escolar. Sendo que isso só é possível quando todos sabem as regras. Como destacam Hargreaves (1998) e Fullan (2007), a confiança entre professores, direção e demais membros da equipa é essencial para a construção de um ambiente colaborativo, onde a troca de ideias, a aprendizagem mútua e a inovação pedagógica sejam incentivadas, mas, sem conhecer as regras, a desconfiança aumenta, tornando o ambiente escolar de uma toxicidade que “mata” a organização."

 Alberto Veronesi - CNN

domingo, 13 de outubro de 2024

Regresso às aulas: o que pode correr bem?

Paulo Guinote escreve sobre três fenómenos «maravilhosos» e «improváveis» que terão de acontecer nos próximos meses para que o ano letivo seja sinónimo de melhor Educação no país. 


É importante, pelo menos por agora, é possível que o discurso público em torno da Educação se liberte de chavões e espartilhos ideológicos e se concentre na análise dos fenómenos sociais que vivemos e que muitas das opiniões lançadas para o espaço mediático tenham algum fundamento empírico e não sejam a mera expressão de pré-conceitos alimentados por um qualquer tipo de fé ideológica ou interesse material nas possibilidades do mercado da Educação.

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Autonomia e Responsabilização - Paulo Guinote

Embora continue por fazer um balanço da eficácia deste modelo (Decreto-Lei 75/2008 e revisto pelo Decreto-Lei 137/2012)existem alguns indicadores que me permitem, numa leitura que assumo enviesada pela desafeição pelos modelos napoleónicos assentes na lógica da nomeação e da submissão hierárquica, considerar que nem tudo tem corrido bem. Sei que não é matéria consensual, mas sinto a tentação, acredito que simplista, de associar a cristalização deste modelo à evolução divergente entre os resultados dos alunos na avaliação interna das escolas e o desempenho que começou por estagnar e depois minguar nos testes internacionais.

Por isso, é tempo de rever a matéria, reconfigurando o modelo de gestão escolar de acordo com os próprios princípios enunciados pela própria tutela, nomeadamente:

A autonomia - deve ser reservado às organizações escolares o direito de optarem pelo modelo que consideram mais adequado para a sua gestão, nomeadamente a opção entre a via unipessoal, que atualmente é a única permitida, e a colegial, que existiu durante mais de três décadas. Esta possibilidade de escolha era permitida, por exemplo, com o Decreto-Lei 115-A/98) bem mais flexível nesta matéria.

A responsabilização - ao contrário do que é afirmado com frequência pelos apoiantes do modelo em vigor, não é a concentração de poderes e competências numa só pessoa que facilita a “responsabilização”, mesmo se essa é a solução mais simpática para a tutela, na tal lógica de subordinação hierárquica. Considero que é bem mais claro um modelo em que a escolha seja feita entre equipas cujos elementos têm uma responsabilidade funcional previamente definida, do que deixar tudo a uma pessoa que depois escolhe quem bem entende para o “ajudar”. Em paralelo, as próprias lideranças intermédias só ganham em ser escolhidas pelos pares e não nomeadas, pois só assim existe um real sentimento de partilha no processo de tomada de decisões.

Paulo Guinote - Diário de Notícias

domingo, 6 de outubro de 2024

Houve qualquer coisa de Ensaio sobre a cegueira no processo dos professores

Mais um excelente texto sobre o estado da nossa educação, da autoria do Paulo Prudêncio. Leitura a não perder!

"Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem", escreveu José Saramago na última página do Ensaio sobre a Cegueira. Pois bem, o longo processo que nos levou à falta estrutural de professores deu sinais de cegueira, de uma cegueira que, vendo, teimava em não querer ver. Agora, o grande desafio é ver o passado, reverter as mudanças que nos empurraram até aqui e seguir pelo universo das incertezas.

E se na Cegueira das bolhas política e mediática já ninguém vê como alarmista o discurso que via, há quase duas décadas, as consequências da desvalorização do estatuto socioeconómico dos professores e da desautorização do seu exercício, também ninguém se pode queixar de falta de tempo e de espaço legislativos. Nesse período, Portugal viveu com governos de maioria parlamentar.

Se os governos de José Sócrates (2005 e 2009) aplicaram "cegamente" os quatro eixos da "batalha entre todos" que adoeceu milhares de professores (carreira, farsa avaliativa, gestão autocrática e burocracia como inferno de desconfiança), o de Passos Coelho (2011) cortou "cegamente" (horários dos professores ao minuto e com mais turmas, mega-agrupamentos de escolas, cortes curriculares e mais alunos por turma) e provocou o maior "despedimento" colectivo em Portugal: 27.941 professores (Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência: de 141.452 em 2010/2011 para 113.511 em 2015/2016). Os governos de António Costa (2015, 2019 e 2022), os dois primeiros com o ministro da educação com mais anos na pasta nos 50 anos de democracia, nada viam das mudanças fatais, mas viam a não recuperação do tempo de serviço e "cegavam" com inutilidades informacionais e curriculares.

Mas, questionará o leitor, não houve diferenças nesse pacto "cego" de regime para a proletarização dos professores? Houve diferenças, claro que houve. Mas em indicadores tecnocráticos menos determinantes para a crise vigente: avaliação externa das aprendizagens, rankings de escolas e duas exorbitâncias curriculares com tiques dos totalitarismos do século XX: à direita o "ler, escrever e contar" e à esquerda os inúmeros projectos político-ideológicos não disciplinares mais reconhecidos do que o exercício lectivo.

Aliás, inscrever proletarização e século XX requer que se repita o óbvio: não se proletariza grupos numerosos sem a cumplicidade de nomenclaturas. E a cegueira na educação portuguesa ancorou-se numa casta subserviente com os superiores hierárquicos e, em regra, distante da sala de aula. Instalada no ministério e nas escolas, criou o infernal clima escolar enquanto anunciava excesso de trabalho e insubstitualidade. Essa tragédia atemorizou governantes menos preparados, com um lado cómico retratado na célebre sitcom britânica "Yes Minister" emitida também na RTP1.

Sair daqui, num tempo de aumento brutal das desigualdades educativas, é um gigantesco desafio para a sociedade. O imperativo constitucional do acesso ao ensino pressupõe a existência de professores e sabe-se que nesta década já não se formarão os necessários. Na verdade, haverá o risco de queda em visões simplistas que não distingam o intemporal do circunstancial.

É, por isso, fundamental que se conheçam os desesperos em debate no Ocidente: menos dias de aulas por semana, menos horas diárias na escola, turmas para 60 alunos, eliminação de disciplinas, certificação acelerada de professores, monodocência (modelo do 1º ciclo) para a totalidade do ensino não superior coadjuvada por máquinas e conteúdos digitais e, em negócios mais radicais, substituição literal de professores por máquinas.

Além disso, e para além de se apelar a professores com mais de 65 anos de idade ou a bolseiros de investigação, o caminho será cativar os que estão em funções, tentar recuperar os milhares de desistentes e concretizar programas de atractividade do exercício.

Mas não chega. É crucial oxigenar o clima escolar, mas sem as habituais alterações que deixam imutável o essencial que se identificou. Para que dentro de uns anos se vejam resultados positivos, exige-se que se reconheça a escola, essa notável invenção, como uma realidade social. A sua intemporalidade assenta num somatório de triângulos com dificuldades e complexidades crescentes: que cooperam, que nunca contendem entre si e que têm como vértices o professor, os seus alunos e os mediadores da relação: conhecimentos, destrezas, valores, atitudes e tecnologias. Assumi-lo é a melhor forma de enfrentar incertezas e nomenclaturas.

Acima de tudo, conclua-se que a cegueira abriu as portas à prevalência dos agentes do mal. Não há muitas formas mais óbvias para o descrever. Reverta-se com humildade. É um tempo grave e complexo, que convoca uma visão para além dos muros das escolas. Martin Wolf (2023:XIV), em a "A Crise do Capitalismo Democrático", ilumina o cenário: "Os seres humanos separam naturalmente as pessoas entre aquelas que pertencem à "sua" tribo e as de fora. Massacram alegremente estas últimas. Sempre fizeram isso. Nunca tomei a paz, a estabilidade ou a liberdade como garantidas, e considero insensatos os que assim o fazem." Aliás, o recente relatório Draghi eleva dois vocábulos essenciais à humanidade, à escola e ao futuro da Europa: comum e partilha.

A educação-escola ridicular

«A escola deve ser e tem de ser um espaço onde os alunos possam desenvolver um olhar crítico (e continuamos a carregar na palavra crítica, propositadamente) sobre a sociedade, reflectindo sobre as influências da cultura de massas (sendo o K-Pop mais uma importação apelativa que urge higienizar) e buscar, procurar o papel-missão de cada um, devidamente contextualizado. É vital para a escola pública moribunda, em agonia identitária e em modo de sobrevivência ridicular travestida, que haja uma inversão da política da escola-espectáculo, o regresso ao paradigma perdido da valorização do conhecimento profundo, o incentivo à análise crítica, ao pluripensamento, ao contraditório e oposto inverso, à dissonância cognitiva do duplo-duplipensar, à plurissignificação, e o combate à apatia e negatividade-superficialidade desfigurante da escola pública de qualidade. A abordagem não pode ser apenas e só ficar pela rama da memorização, visualizações-conexões e considerações básicas-menores; não, ao invés tem de se focar na centralidade do processo e do acto educativo consistente em adquirir competências críticas, pensamento analítico e criticante de alta performance na resolução de problemas – usar e aplicar a inteligência humana evolutiva do homo sapiens sapiens e a sua exponenciação máxima da criatividade. 

Nunca, jamais os alunos podem sair da escola sem um verdadeiro e genuíno entusiasmo por aprender e pela aprendizagem contínua ao longo das suas vidas.»

“Nunca subestimem um professor de uma escola pública. Nunca.”

Se o professor faz parte de um sistema em que existem organizações e práticas escolares bastante diferentes, o professor da escola pública internaliza ainda mais a função social que existe, quando trabalha numa escola que tem de aceitar qualquer aluno, não sendo erigidas quaisquer barreiras ou impostos critérios diferenciadores.

A ler no Público 

quinta-feira, 8 de agosto de 2024

A opinião de Maurício Brito sobre o acordo para a recuperação do tempo de serviço


Se há algo que nunca gostei de fazer é criticar colegas pelo trabalho que desempenham, sem ter passado
pelo cargo ou por algum semelhante. Talvez por isso (não para criticar, mas para aprender, ter conhecimento), ao longo destes quase 30 anos de professor, tenha feito questão de assumir todos os cargos que pude e que acreditava ter competências para os assumir. Desde diretor de turma, de grupo disciplinar, coordenador do desporto escolar, diretor de instalações, coordenador de CAD, responsável por grupo-equipa de desporto escolar, até à equipa de horários, conselho pedagógico (cargo inerente), conselho geral e, desde há dois anos, direção. Julgo que não me faltou nada. Com isso, não estou a dizer que as pessoas tenham a obrigação de fazer o mesmo ou que não tenham o direito de criticar, de forma alguma. Mas, admito que, talvez seja um defeito meu, gosto de passar pelas experiências para delas e de quem por elas passou, poder falar com substância e conhecimento.

O motivo pelo qual agora escrevo estas linhas poderá parecer estranho: o recente acordo entre o Ministério da Educação e alguns sindicatos de professores sobre a recuperação do tempo de serviço. Este acordo, que deveria ser um motivo de celebração, após quase seis anos de uma difícil luta, gerou diferentes visões e até algum descontentamento, por parte de alguns. Isso porque, embora tenha sido benéfico para a maioria dos professores em exercício, não contemplou todos os que, no activo ou não, estiveram congelados durante os 9 anos, 4 meses e 2 dias.

Ora, entender a complexidade de negociações desta natureza exige reconhecer algo fundamental: que nem todas as decisões podem agradar a todos. Na “arte” da negociação, especialmente em contextos institucionais, é vital compreender que a perfeição é rara. Daí a importância de buscarmos o equilíbrio, o meio-termo onde a maioria encontra benefício, mesmo que alguns, infelizmente, fiquem de fora. É uma lição difícil, mas essencial: saber ceder, entender que um bom acordo é aquele que, mesmo que imperfeito, beneficia a muitos mais do que aqueles que prejudica.

Por isso, julgo que criticar quem está no “comando”, seja ele qual for, sem compreender a totalidade do cenário em causa (realço), é injusto e revela uma certa inaptidão para o exercício de cargos de decisão. Assumir cargos desta natureza exige mais do que tempo e dedicação; requer também a coragem de tomar decisões difíceis e a resiliência para enfrentar as respectivas críticas. Isso para não falar no sacrifício de momentos de lazer e prazer pessoal, como a leitura, a prática de exercícios físicos e outros passatempos/hábitos, em prol do bem comum.

Portanto, antes de julgarmos os resultados de tais negociações, é importante considerar o esforço e o sacrifício envolvidos. Reconhecer o valor de um acordo que favorece a maioria é uma demonstração de maturidade e empatia. A verdadeira liderança não está em agradar a todos, mas em tomar decisões que beneficiem o coletivo, mesmo que isso signifique enfrentar a desaprovação de alguns.

Em resumo, a negociação eficaz exige equilíbrio, disposição para ceder e a sabedoria de reconhecer que um bom acordo é aquele que, embora não sendo perfeito, atende à maioria. E ocupar um cargo de decisão é uma tarefa que demanda não apenas trabalho árduo e dedicação, mas também a habilidade de lidar com críticas, frequentemente sacrificando o tempo que poderia ser dedicado a prazeres pessoais. A verdadeira liderança encontra-se na capacidade de servir o coletivo, buscando sempre o melhor para todos, mesmo sabendo que as decisões, raramente, são unanimemente aceitas.

Ah, e convém não esquecer: exercer cargos de responsabilidade é também saber que eles não devem ser perpetuados, dando lugar a outros, com visões diferentes e novas formas de actuar.

segunda-feira, 1 de julho de 2024

Projeto MAIA aumentou exponencialmente a "burrocracia" em muitas escolas

Bur(r)ocracia
Paulo Guinote - DN

Que a burocracia se torne uma “burrocracia”, na qual os procedimentos se tornam redundantes, as competências se duplicam e confundem, a circulação da informação fica bloqueada e não é atempadamente partilhada ou que os procedimentos se transformam em exercícios ineficazes de uma crueldade kafkiana, a lembrar “Os Doze Trabalhos de Astérix”.
...
Há poucos dias, na sequência de uma petição com mais de 13.000 assinaturas, o Parlamento desperdiçou a oportunidade de aprovar uma de quatro resoluções que recomendavam a suspensão ou cessação do projecto MAIA (Monitorização, Acompanhamento e Investigação em Avaliação Pedagógica) que aumentou exponencialmente a “burrocracia” em muitas escolas. Há cerca de um ano, quando um grupo de peticionários foi à Comissão de Educação da Assembleia da República, procurei demonstrar como este projeto esmaga o tempo que os docentes deveriam ter para trabalhar com os alunos, ocupando-o com um aparato de recolha de “evidências” que se traduz em centenas de descritores que fragmentam o ato pedagógico numa deriva positivista estéril, que nega aos alunos uma apreciação verdadeiramente integral e humanista do seu desempenho.
A ler no DN

quarta-feira, 19 de junho de 2024

Perda do poder de compra entre 2011 e 2024

Neste estudo com o título “ A VARIAÇÃO NA REMUNERAÇÃO BASE MENSAL ILIQUIDA DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO PUBLICA FOI MUITO DESIGUAL ENTRE 2011/2024, A PERDA DE PODER DE COMPRA FOI MAIOR NOS TRABALHADORES MAIS QUALIFICADOS, E OS TRABALHADORES VÃO RECEBER EM 2024 MENOS 1183 MILHÕES€ DO QUE RECEBERIAM SE TIVESSEM PELO MENOS MANTIDO O PODER DE COMPRA QUE TINHAM EM 2011” Eugénio Rosa analisa a variação da remuneração média mensal ilíquida e do ganho médio mensal ilíquido (antes dos descontos para a CGA/SS, ADSE e IRS) dos trabalhadores das Administrações Públicas (Central, Local, Regional) entre 2011 e 2024, assim como a evolução do seu poder de compra, mostrando que a variação quer na remuneração média quer no ganho médio foi muito desigual, variando muito de categoria para categoria profissional, assim como a perda de poder de compra também foi muito desigual sendo muito maior para os trabalhadores mais qualificados. A realidade não foi igual para todos os trabalhadores das Administrações Publicas. 
A analise feita torna clara por que razão a Função Pública deixou de ser atrativa para os trabalhadores mais qualificados e com maiores competências. Mostra que os trabalhadores das Administrações Públicas para terem em 2024 o mesmo poder de compra que tinham em 2011, teriam de receber em 2024 mais 1183 milhões do que vão receber, ou melhor, do que o governo tenciona pagar, e os médicos teriam de receber mais 253 milhões € (em média mais 525,5€ por mês). É desta forma também, sacrificando os trabalhadores e degradando os serviços públicos prestados à população, que os sucessivos governos têm reduzido o défice e a divida pública. Mostra também que o trabalho precário e mal pago tem aumentado na Administração Pública atingindo o seu máximo em março de 2024.

terça-feira, 28 de maio de 2024

Um acordo, três gerações de professores: os esquecidos, os entalados e os descongelados

Docentes e Governo chegaram a acordo para a recuperação do tempo de serviço da classe, que estava congelado desde os tempos da Troika. Neste texto, Paulo Guinote explica como a decisão foi recebida nas escolas os impactos das novas medidas em três gerações de professores: Os esquecidos, os entalados e os descongelados.

Paulo Guinote 
A ler no blogue da FFMS

sexta-feira, 24 de maio de 2024

A justiça não terá lugar enquanto todos (realço o todos) os professores não ressarcidos não virem uma solução encontrada


Um dos grandes (talvez o maior) problemas do acordo alcançado entre o MECI e as estruturas sindicais, prende-se com o facto de não ter sido acautelada uma forma de compensar os professores que já se encontram no 10° escalão (não "recebem" nada), os que se encontram no 9º (“recebem” mediante o ano em que se encontram no escalão) e os do 8º que se encontrem no último ano. Como já aqui frisei, a justiça da contabilização do tempo de serviço congelado, dos professores que sofreram com os congelamentos, apenas seria plena se todos, sem excepção, vissem o seu tempo reposto. Daí que o acordo peca, efectivamente, por essa falha. Mas será ela motivo para considerarmos que não foi assinado um “bom” acordo? Que pelo facto de não ser justo para todos, sem excepção, que não deveria ter sido assinado? Analisemos, por partes e diversos prismas, essas questões.

Em primeiro lugar, falemos das negociações. Tal como sugerido, e bem, pela Missão Escola Pública, tudo teria sido mais fácil se uma posição conjunta tivesse sido assumida inicialmente. Se essa “linha vermelha” tivesse sido apresentada por todos, sem excepção, desde o início. Não valerá a pena dissecar os (evidentes) motivos para as coisas não terem avançado dessa forma. Mas se não houve interesse em apresentar algo comum, a crítica de algumas estruturas à tomada de posições de outras apenas revela o elementar: que diferentes visões (e agendas) existiam. Este ponto, parecendo elementar, é importante para entendermos uma questão fundamental da nossa representação sindical: essas visões e agendas distintas sempre existiram. E se as diferentes visões são bem-vindas, já as agendas, principalmente as que nada têm a ver com os interesses da classe docente, nunca foram. Dito isto, deixo as seguintes perguntas para reflexão: seria preferível a não aceitação deste acordo, uma negociação suplementar e a eventual manutenção do mesmo por parte do MECI? Seria preferível não aceitar este acordo na negociação suplementar e voltar para as ruas e para as greves? Consideram que a esmagadora maioria dos docentes ficaria satisfeita com a não aceitação deste acordo e com o retorno à “luta”? Sigamos em frente.

Em segundo lugar, é conveniente entender algo que alguns parecem esquecer ou não entender: as famosas injustiças tiveram início a partir do momento em que os congelamentos começaram. Não, elas não iniciaram apenas com o fim do descongelamento, com a demora da decisão da devolução, com a devolução de apenas 2a9m18d, ou com o “acelerador”: elas começaram exactamente no dia em que colegas ficaram congelados em escalões mais altos e outros em escalões mais baixos. Como será evidente para qualquer um, quem (traços gerais) “congelou” num 9° escalão teria sempre uma reforma superior a de quem congelou no 8°, e assim sucessivamente. As injustiças neste processo, é importante realçar, são inúmeras, não se restringem às deste acordo e algumas são, desde há muito, impossíveis de resolver.

A título de exemplo: aquando da devolução dos 2a9m18d, iniciados em 2019, milhares de colegas que se encontravam nos 3° e 4° anos do 9° escalão não obtiveram a totalidade desse tempo reposto, exatamente por ingressarem no 10° escalão e não verem qualquer “reajuste” nas suas aposentadorias. É verdade que nessa altura não houve acordo, logo, o ónus dessa falha fica todo do lado do governo de então, mas trago este ponto para relembrar que estas injustiças de hoje não são novas e já afetaram alguns milhares de docentes num passado recente. Isso para não falar dos milhares de professores que se reformaram até 2018 (e mesmo 2019) e que não viram um único dia congelado reposto ou contabilizado para efeitos da sua reforma. E não, não estou com isto a querer dizer que, porque uns foram prejudicados, outros também podem ser: estou apenas a recordar que outras inúmeras injustiças já ocorreram, que outros colegas não foram ressarcidos, que o “nobody left behind” já há muito não impera, e que nada, nenhuma preocupação ou indignação viu (ou hoje vê) a luz do dia relativamente a todos esses colegas.

Dito isto, e esperando ter sido suficientemente claro: uma coisa é considerar que este acordo deveria ter sido assinado, devido à incomparável quantidade de professores ressarcidos relativamente aos restantes; outra, completamente diferente, é considerar que este acordo é imaculadamente justo e perfeito. Longe disso, considero que a justiça não terá lugar enquanto todos (realço o todos) os professores não ressarcidos não virem uma solução encontrada. Mas, por favor, não me peçam, após tantos anos de luta pela elementar justiça, para considerar mais justo não devolver nada a ninguém por causa de alguns do que devolver (quase) tudo à esmagadora maioria, exatamente aos que mais foram prejudicados.

Por algum motivo, e bem, quem chega a uma urgência de um acidente grave tem prioridade sobre quem chegou mais cedo de um menos grave. O que não podemos, de forma alguma, é aceitar que essa pessoa não seja atendida e que não vá para casa devidamente tratada. Por outras palavras: lutemos, agora que a esmagadora maioria será ressarcida, pelos que não viram a justiça ser feita. Mas por todos, sem excepção.

sexta-feira, 10 de maio de 2024

Inteligência artificial e aprendizagem criativa: preocupações, oportunidades e escolhas

Mitchel Resnick, professor do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), analisa como devemos considerar os sistemas de IA como uma nova categoria de recurso educacional, com suas próprias vantagens e limitações. 

À medida que novas tecnologias surgem na sociedade, precisamos decidir se e como integrá-las aos nossos ambientes de aprendizado. Isso aconteceu com os computadores pessoais, depois com a internet e agora com as tecnologias de IA (Inteligência Artificial) gerativa. Existem várias formas de incorporar essas tecnologias ao ensino e aprendizado, e essas escolhas são extremamente importantes, pois podem levar a resultados e implicações muito diferentes. Como devemos fazer essas escolhas? Acredito que precisamos decidir que tipo de aprendizado e educação queremos para nossas crianças, escolas e sociedade e, então, projetar novas tecnologias e aplicações que estejam alinhadas com nossos valores e visões educacionais. O que isso significa para a integração de novas tecnologias de IA gerativa, como o ChatGPT, em nossos ambientes de aprendizado?
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Artigo completo aqui

quinta-feira, 9 de maio de 2024

A verdade sacrificada por conveniências políticas

A insustentabilidade da mentira permanente
Maurício Brito 

Muitos milhares de professores já não verão a totalidade dos anos congelados restituídos, ou por já estarem no topo da carreira, ou por, entretanto, se terem aposentado.

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Estivemos, portanto, ao longo de vários anos, enfrentando uma crise profunda. Não a financeira, mas uma crise de valores onde a verdade é frequentemente sacrificada no altar das conveniências políticas. E aqueles que insistem, enquanto opinadores nos media, incompreensivelmente e passados tantos anos, em perpetuar essas e outras falácias, além de merecerem as respostas devidas, devem ter a noção de que estão a cometer graves injustiças, não apenas contra os professores, mas contra toda a sociedade, que merece e depende de decisões políticas fundamentadas na realidade e em opiniões isentas, e não em interesses obscuros ou desconhecidos. Apenas por meio de um debate aberto e transparente, poderemos cultivar um ambiente onde a justiça não apenas prevaleça, mas oriente a formulação de melhores e adequadas políticas públicas, atraindo os mais bem preparados para o exercício de tão dignas funções. Não há maior crise do que a da falta de valores. Nenhum défice é mais grave do que o moral. E não há pior insustentabilidade do que a da ausência de integridade. Mais do que nunca, a verdade deve ser a luz que guia a nossa sociedade, desmontando mentiras e assegurando que a democracia seja sustentada não apenas por palavras, mas por ações concretas e princípios inabaláveis.
Artigo completo no Público

quarta-feira, 1 de maio de 2024

A IA chegou às salas de aula. Onde entra o professor?

Mais e mais alunos usam o ChatGPT e apps afins para compor ensaios, resolver equações e até programar. Sem grandes directivas, cabe aos professores lidar com a nova realidade imposta pela IA.

Público

Novas ferramentas de inteligência artificial, como o ChatGPT, não têm de ser um bicho-de-sete-cabeças para as escolas, ainda que possam ser usadas para revelar “espécies” nunca antes vistas. Pelo menos é o que acontece na Escola Integrada da Boa Água, no concelho de Sesimbra, onde esta tecnologia já faz parte das lições.

HISTÓRIA CONCISA DO 1.º DE MAIO – DIA MUNDIAL DO TRABALHADOR

«O trabalho dignifica o Homem». (Max Weber)

O 1.º de maio é um dia de comemoração mundial dos trabalhadores; de respeito e reconhecimento pela dignidade do trabalho, de reflexão sobre os sonhos, aspirações e propósitos de vida da vida humana. Data simbolicamente escolhida na sequência do «massacre de Chicago» nos EUA, em 1886, e do dia 1 de maio de 1891, manifestação de trabalhadores em França, da qual resultou a morte de dez manifestantes. Representa a revolta contra as dramáticas condições de vida e trabalho infra-humanas do operariado, e a luta contra a exploração capitalista desumana do proletariado. Em Portugal, o 1.º de maio foi comemorado logo no primeiro ano da sua realização internacional, em 1890.
A data do 1.º de maio é uma homenagem aos trabalhadores e às lutas sindicais; os movimentos trabalhistas reivindicavam melhores condições de trabalho nas fábricas, em consequência da revolução industrial (de 1760 a 1850). Houve movimentos migratórios das populações rurais para as cidades em busca de melhores condições de vida nas grandes urbes. A manufactura foi sendo substituída pela maquinofactura; as oficinas deram lugar às fábricas e o artesão especializado foi trocado pelo operário-trabalhador indiferenciado sem quaisquer qualificações. A produção passou à escala industrial e de exportação. Fecha-se o ciclo do mercantilismo e abre-se o ciclo da industrialização.
Em Manchester, Inglaterra, nasceram os primeiros sindicatos, as «Trade Unions» e as primeiras cooperativas entre trabalhadores. Também Liverpool, em 1826, dá testemunho da revolução industrial, da aplicação da máquina a vapor e da indústria têxtil, em curso. Não havia quaisquer direitos do trabalho nem do operariado; os trabalhadores viviam em condições miseráveis, amontoados em casas-barracas de madeira, em bairros degradados, lama, doenças ocupacionais como a tuberculose, a anemia e a asma, coabitando com ratos, pulgas, piolhos e outros, falta de higiene gritante, mão-de-obra constituída por homens e em larga escala por mulheres e crianças, trabalho feminino e infantil mais mal pago, as roupas-farrapos e os corpos escurecidos e sujos, com as mãos e unhas encardidas, com horários de trabalho de 12, 14 e 16 horas diárias, comendo no local de trabalho e trabalhando ao mesmo tempo, injustiça social, sem regalias sociais, sem regulação legal e numa permanente relação tensa com o patronato explorador em vista à maximização capitalista dos lucros.
Pobreza e penúria, fome, alcoolismo, patriarcado e violência doméstica, promiscuidade, prostituição, acidentes de trabalho frequentes e membros estropiados, decepados, mutilação e mortes, troca de operário ou criança-operária e o dramatismo do abandono sem quaisquer consequências nem indemnizações, desumanização e naturalidade do trabalho infantil (as crianças eram vistas como adultos em miniatura). Poluição das águas e do ar e a paisagem das grandes chaminés industriais de alvenaria de tijolo, vociferando fumos negros. Cidades como Londres, Paris e Nova York, as mais desenvolvidas industrialmente à época, sofreram bastante com a poluição industrial e as populações foram grandes vítimas, padecendo com doenças respiratórias. Devido às condições de vida degradantes, às doenças e à desnutrição, a esperança média de vida nos países europeus durante a revolução industrial não ultrapassava os 35 a 40 anos de idade.
Friedrich Engels, «A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra», obra clássica do socialismo revolucionário, escrita em 1845. Alemão, filho de um grande empresário têxtil de Manchester, observando foi vendo a gravidade e as péssimas condições de vida do proletariado, que de seu só tinha a sua prole (filhos que desde tenra idade, a partir dos cinco anos de idade e em turnos de 12 horas e mais, como os adultos, recebendo uma insignificância, começavam a trabalhar nas fábricas, minas, agricultura, moviam carvão e subiam às perigosas máquinas de tecelagem, contribuindo para a magra renda familiar; o trabalho infantil e as crianças eram muito úteis pela pequenez dos seus  membros e em chegar a certas partes dos teares mecânicos – a educação de muitas crianças foi substituída por um turno de trabalho), e em simultâneo foi verificando a contrastante e luxuriante vida dos empresários-patrões. Engels deu início a uma profunda reflexão sobre os direitos do operariado e à importância de uma cultura sindical. Serviu de inspiração a Karl Marx (foram amigos), que escreveu o panfleto «Manifesto Comunista» conjuntamente com Engels, em 1848, e «Das Kapital», três volumes, entre 1867 e 1883. Na obra «O Capital», Marx reflecte sobre a tríade: mercadoria, trabalho e valor, onde defende a tese da mais valia e do valor acrescentado do trabalho operário – o valor de uso natural da mercadoria e o valor de troca modificado da mercadoria.
Feita a sinopse, vamos ao desenvolvimento das ideias-chave: das condições de trabalho do operariado à época da industrialização, para podermos avaliar e ajuizar da evolução histórica até hoje; do significado do 1.º de maio de 1886 nos Estados Unidos da América e do «massacre de Chicago»; das comemorações do 1.º de maio em Portugal em 1890 e em 1974; do sentido, significado e significância da celebração do 1.º de maio mundialmente.
Quanto às condições de trabalho, o dia de trabalho começa ao amanhecer e termina com o cair da noite. Em França, a jornada de trabalho era de 14 horas diárias e em Inglaterra havia dias de trabalho de 16 horas laborais consecutivas (o dobro e mais de agora). Não havia seguros nem higiene e segurança no trabalho; não havia reformas e havia semanas de seis e sete dias de trabalho, sem qualquer descanso.
A disciplina e a vigilância de contramestres e vigiadores nas fábricas eram apertadas; impedindo falhas e abrandamento da atenção-concentração dos operários, aplicando multas e usando mesmo o chicote.
Atentemos agora nos testemunhos-extractos chocantes do que era o trabalho nas fábricas de açúcar: «Eis os homens que empurram nos carros de mão uma agoniante mistura de melaço e sangue. É o açúcar bruto, tal como vem das raspadeiras de beterraba, misturado com sangue de boi, (…) que deita um odor insuportável. Tudo isto é lançado numa imensa caldeira a vapor que dissolve e purifica esta mistura».
(A Vida Operária em França, PELLOUTIER, Fernand, 1900)
«Eis as raspadeiras do açúcar. Peça a uma delas para lhe mostrar a mão. As unhas estão muito roídas: a extremidade do dedo mostra um plano produzido pelo desgaste da carne (…). Algumas vezes, não será um dedo que vedes, mas um coto sangrento que a operária cobre com um pano, não tanto para sofrer menos, como para não sujar o açúcar que manipula. A infeliz não tem sequer o recurso duma calosidade protectora. O açúcar raspa tudo (…)».
(A Revolução Industrial, RIOUX, Jean-Pierre, 1972)
A insalubridade-nocividade para a saúde humana era de alarmante perigosidade, chocante quando medida pelos nossos padrões actuais, com um ambiente fabril de salas cheias de fumarada nauseabunda e de letal malignidade-perniciosidade respiratória, caso do ar sujo do carbeto de ferro carbónico; mais, o carvão sendo composto de hidrocarbonetos, contém enxofre.
Há testemunhos, à época, de crianças, mulheres e homens que adormeciam de fadiga no local de trabalho, agarrados às máquinas; a alternativa era morrer de fome e frio. A exploração patronal capitalista era tal que, com o mesmo horário de trabalho, a mulher ganhava metade do salário de um homem e uma criança com menos de seis anos ganhava apenas um quarto do salário, sendo a mão-de-obra infantil a mais importante nas tarefas laborais de reparação dos teares e na reparação de fios partidos.
Em 1833, oficialmente, o horário de trabalho das crianças foi reduzido para as 48 horas semanais. Em 1844, pela primeira vez, é estabelecida a semana de trabalho de 69 horas, com um limite máximo de 12 horas diárias. As ameaças, chantagem e atropelos laborais ao estabelecido eram constantes, prevalecendo o interesse da economia sobre a necessidade, o medo e o instinto de sobrevivência.
Falar do 1.º de maio, dia do trabalhador, significa obrigatoriamente comentar o 1.º de maio de 1886, nos EUA e o «massacre de Chicago». É um marco na história e memória da luta dos trabalhadores e sindicatos; é o momento da grande reivindicação pela jornada das 8 horas de trabalho diárias. Assentava no argumento de que o trabalhador, para preservar a sua saúde física e mental,        ser e sentir-se pessoa humana (e não escravo), teria de dispor de 8 horas para dormir, de 8 horas para tomar as refeições e conviver com a família e de 8 horas para trabalhar – é o octo-facto do dia tripartido em três partes iguais de oito horas.
Este foi um ano em que o operariado norte americano foi assolado e devastado pelo desemprego, o que incentivou motivacionalmente os trabalhadores para a preparação da luta nas ruas, divulgação no terreno e concretização de uma grande greve e histórica manifestação; e assim aconteceu com 80000 trabalhadores a abandonarem o trabalho e a irem para a manifestação. Com o governo a mobilizar mais de 1000 polícias para vigiar e intimidar os trabalhadores. Como consequência e represália da participação na manifestação muitos operários foram despedidos, caso dos líderes-cabecilhas activistas. Os trabalhadores despedidos não desistem e no dia 2 de maio algumas centenas realizam um comício em frente à fábrica que os tinha despedido. É chamada novamente a polícia que investe sobre os trabalhadores e começa a bater para os dispersar, provocando várias mortes e causando dezenas de feridos.
Os trabalhadores voltam à carga e é realizado um segundo comício para protestar contra a brutalidade policial, com centenas de operários vigiados e controlados pela polícia. Quando restavam cerca de 200 trabalhadores, eis que explodiu no meio dos polícias uma bomba matando um deles e ferindo muitos outros. Foi o caos, com os polícias a dispararem sobre a multidão em fuga, ficando as ruas cobertas de sangue, mortos e feridos.
Nos dias que se seguiram, centenas de dirigentes e trabalhadores foram presos. Houve um mega-julgamento no mesmo ano de 1886, tendo sido condenados à morte por enforcamento sete sindicalistas. Alguns foram condenados a prisão perpétua e outros quatro dirigentes sindicais foram executados a 11 de novembro de 1887, pelas 11.30 AM.
O mundo reagiu e mostrou a sua indignação pela forma tão parcial, indigna, excessiva e severa como o tribunal (não) julgou, injustiçou e aplicou as penas aos dirigentes sindicais, nas anómalas circunstâncias por todos e de todos  conhecidas. O governo federal americano, acossado pelas críticas contundentes da opinião pública nacional e internacional, mandou abrir um inquérito aos acontecimentos de Chicago. O governo faz mea culpa, admite a inocência dos quatro dirigentes enforcados e reconhece que o tribunal tinha cometido um erro judicial gravíssimo, não tendo provas concludentes para a sentença proferida. Era demasiado tarde, sendo reabilitados apenas três dirigentes. Quanto às outras quatro vítimas, passaram a fazer parte da «História dos Mártires de Chicago».
As comemorações do 1.º de maio em Portugal, em 1890, a manifestação em Lisboa reclamou do município «o estabelecimento das 8 horas diárias e a regulamentação do trabalho de menores». No Porto, a comemoração aconteceu no Monte Aventino, atraindo milhares de trabalhadores.
O 1.º de maio de 1974, seis dias depois do 25 de Abril, foi a grande festa da liberdade, congregando trabalhadores, figuras públicas e partidos políticos; data a partir da qual o 1.º de Maio, Dia do Trabalhador, passou a ser feriado nacional, num misto de jornada de discursos-protesto, de luta e de festa e confraternização dos trabalhadores portugueses. Com celebrações a nível nacional, mas com locais históricos para as duas centrais sindicais: a União Geral de Trabalhadores (UGT) em Belém e a CGTP-Intersindical na Alameda, ambas em Lisboa.
De realçar o simbolismo mundial do 1.º de maio em prestar homenagem a todos os   trabalhadores e particularmente àqueles que antes de nós deram a sua vida lutando por condições de vida e trabalho dignas e pelo valor-respeito do trabalho.
O caminho faz-se caminhando. Da luta contra o medo, pela dignidade humana e direito ao trabalho, emprego e segurança jurídica pelos direitos legais do trabalho; a luta pelo horário laboral; a luta pela conjugação de trabalho, família e lazer; a luta pelo pão; a luta pelo bife; a luta pelas férias; a luta pelo direito a ser pessoa.

Viva o 1.º de Maio!
Viva os Trabalhadores!
Carlos Almeida

terça-feira, 23 de abril de 2024

OS 50 ANOS DE ABRIL E O OUTONO DA EDUCAÇÃO

«Um livro, uma caneta e um professor podem mudar o mundo».
(Malala Yousafzai)

O outono transporta consigo a nostalgia do tempo que foi e deixou de ser. A melancolia das folhas que caem, da vida que morrendo se foi, taciturnidade despida, misantropia e lamento; lamento para a vida voltar, renascida poesia (…)   

Cinquenta anos de abril; 50 abriladas do 25 de 74 e o cheiro, o cheiro inebriante dos cravos tavirenses, a esperança de uma nova vida com futuro, mas o cinzento outono, em tons sombrios e o negrume dissonante, teimando em matar a esperança da educação e da escola pública dos portugais do Portugal adiado.

Meio século e adensam-se os tons cinza das políticas educativas, do sistema educativo português, do falhanço da escola pública, do não ensino e da não aprendizagem. A primavera bucólica de abril contrastante com o outono do ecossistema escolar. E era para ser, deixando de ser, mas esperando acontecer voltar e ser.

O ministro da educação nacional seguinte a José Hermano Saraiva, José Veiga Simão, em discurso directo: «O marquês de Pombal não pode ser considerado um democrata e fez uma grande reforma educativa e uma grande reforma na universidade à qual os democratas prestam homenagem. É possível pensar que um homem com uma boa educação, o homem com maior cultura, é um homem mais livre e que a educação é motora de liberdade e de mudanças». (https://expresso.pt/sociedade, a reforma do ministro subversivo, entrevista de Veiga Simão a António Teodoro, 1996, publicada no livro Políticas da Educação em Discurso Directo, Isabel Leiria, 03 maio 2014)

Quando falamos de educação e escola pública em Portugal, nos últimos 50 anos, há o antes e o depois do dia 25 de abril de 1974. São 438312 horas de políticas educativas, de mudanças na educação, ensino, experimentalismo de projecto e engenharia laboratorial pedagógica, de nula assertividade nos últimos 8 anos. Octo tempo perdido do/no ecossistema educativo de ideário digital, laxismo facilitador, facilitista e negacionista da essência escolar, muito por culpa da anética ética republicana e socialista, de larga temporalidade maioritária na (des)governança do «eduquês» no último meio século aqui no rectângulo à beira-mar plantado, e em deterioração tutelar acelerada por ideologia ostracizante e desvalorizante dos professores e educadores, e da escola pública portuguesa nas últimas 70128 horas (correspondentes aos octo idos, num total de 2922 dias). 

A pioneira reforma de Veiga Simão (conhecida como a primeira lei de bases da educação em Portugal), ministro da educação nacional do Estado Novo e do marcelismo, foi precursora (do latim praecursor) da escola abrilista. Contextualizou o referencial do pré e do após 25 de 74. Foi uma reforma educacional significativa, em 1973, com matriz idiossincrática de «renovação na continuidade» da ala e pensamento mais liberal do regime, que teve como objectivo-mor a modernização do sistema educativo português. Modernizar, no sentido da democratização e massificação do ensino público, de índole igualitária (igualdade de oportunidades educacionais, independentemente da condição económica), gratuitidade, valorização do pensamento crítico e a promoção da meritocracia. Alargamento-passagem da escolaridade obrigatória e gratuita de 6 para 8 anos, dividida em dois ciclos, o primário e o preparatório. Veiga Simão deu o mote; houve o reforço da rede nacional de jardins de infância, institucionalização da educação pré-escolar (a partir dos 3 anos) mas inconseguimento da sua obrigatoriedade e gratuitidade; aposta na educação de adultos com baixas qualificações; equiparação do ensino técnico (visto erroneamente como de segunda) ao ensino liceal e possibilidade de acesso ao ensino superior; concretizando ainda o reforço da acção social para os alunos mais carenciados; combate ao abandono escolar e expansão do ensino superior; expansão do canal televisivo da tele-escola. Foi o ministro visionário do Ministério da Educação Nacional (MEN), muito à frente do seu tempo, chegando a propor a mudança de nome para Ministério da Educação e da Formação. Veiga Simão foi o ministro da educação «subversivo» que apontou o caminho à escola abrilista, herdeira e seguidora das suas ideias e princípios.

Quer a reforma Veiga Simão quer a sua sequencialidade, a escola abrilista, foram determinantes na transformação do sistema educativo português, de matriz mais inclusiva, participativa, voltada para o desenvolvimento integral da pessoa humana do indivíduo-aluno. A organização escola com mais abertura à sociedade civil, rumo ao sodalício mais democrático e progressista no Portugal pós abril; a reformação veiga-sima deixou marcas cujo eco se mantém até hoje.

No tempo pré como no tempo pós abrilista, o dilema do cenário educativo português, prende-se com o facto-desígnio esclarecido que Teodoro chamou de «despotismo iluminado», em que «o povo precisava de ser educado». (idem) 

Passamos a plasmar concisa e telegraficamente os grandes marcos e mudanças na educação, ensino e escola pública nos últimos cinquenta anos em Portugal; princípios orientadores, filosofia de pensamento, teorização e praticidade.

Décadas de 1970 e 1980; Veiga Simão e a sua cruzada pela educação (1970-1974), democratização, massificação, universalidade de acesso ao ensino básico e à escola pública gratuita, levando a uma maior diversidade societal no ambiente escolar; extinção do ensino técnico-profissional em 1975 e fusão com o ensino liceal (erro crasso o fecho das escolas técnicas-oficinais industriais e comerciais); criação e funcionamento do ensino secundário unificado de 1976 a 1981 (do 7.º ao 11.º ano – cursos geral e complementar). Reformulação do sistema educativo português (1979), estabelecendo a escolaridade obrigatória até aos 14 anos e transportes gratuitos para os alunos que vivam a mais de 3 ou 4 kms da escola nas áreas suburbanas. O 12.º ano surgiu em 1980.

Décadas de 1980 e 1990; de realçar a descentralização e a desconcentração do sistema educativo, com a transferência de competências da administração central para as autarquias locais, visando uma maior e crescente autonomia e envolvimento comunitário educativo local. Anos 80, em 1986, a introdução da escolaridade obrigatória de 9 anos, até aos 16 anos de idade, possibilitadora da conclusão do 9º ano de escolaridade. De realçar também a lei de bases do sistema educativo (LBSE) de 1986, que estabelece o quadro geral do sistema educativo nacional. Anos 90, as câmaras municipais a assumirem políticas educativas de assumpção e responsabilidade da educação pré-escolar e do primeiro ciclo do ensino básico (1999).

Décadas de 2000 e 2010; programa de generalização do ensino básico, lançado em 2005, com foco na promoção do sucesso escolar e oportunidades igualitárias dos alunos, com a oferta do inglês no 1º ciclo, mais a universalização e fornecimento de refeições escolares aos alunos do 1º ciclo do EB. Enfoque na qualidade e inovação, com a definição de objectivos ambiciosos para o sistema educativo e melhoria dos resultados escolares. Em 2005, o quadro europeu de qualificações (QEQ) estabeleceu uma estrutura comum, o reconhecimento de competências e promoveu a mobilidade. Em 2006/2007 foi introduzido o processo de Bolonha (não confundir com a génese em 1998 nem com a declaração em 1999), visando a reforma do ensino superior e a harmonização dos sistemas de ensino superior europeus. Em 2009, alargamento da escolaridade obrigatória até aos 18 anos de idade (maioridade), possibilitando a conclusão do 12º ano de escolaridade e nova tentativa de redução do abandono escolar. Em 2010 foi a vez do plano tecnológico para a educação e sociedade da informação, com a integração e impulsionamento das tecnologias digitais de informação e comunicação (TIC), equipamentos escolares informáticos, informatização maxi do sistema educativo e formação/formatação docente ad hoc.

Nas décadas de 2010 e 2020, o caminho foi no sentido dos desafios do mundo moderno-contemporâneo. Falamos de competências digitais para o seculo XXI, numa visão encurtada, reducionista e de deslumbre; foco sistémico na formação docente acelerada de capacitação digital educacional e passagem-ruptura em crescendo da escola analógica para a escola digital, de concepção e conceito neo-liberal, no âmbito da economia política do capitalismo ressurgido na tomada de decisão das políticas educativas; o princípio da equidade e inclusão, das aprendizagens nada-essenciais e ficção das medidas de sucesso escolar «travestido» e da escola desconectada do conhecimento científico e cultural profundis, com a escola pública em absoluto estado de degradação. A pandemia de Covid-19 e a implementação de plataformas e aplicações de ensino à distância (ensino remoto) e híbrido. Quanto ao ensino profissional, foram criados os Centros Qualifica, em 2016, em substituição dos antigos CNO (Centros Novas Oportunidades), tendo por missão o desenvolvimento e qualificação da população portuguesa adulta e completar a escolaridade ao nível do 4.º, 6.º, 9.º e 12.ºano, reconhecendo as suas experiências de vida através do processo RVCC (processo de reconhecimento, validação e certificação de competências).

Nas últimas cinco décadas, vários foram os momentos marcantes na evolução da educação e da escola pública portuguesa. Segue-se a abordagem tópica minimalista dos modelos de escola, pelos desafios, oportunidades e influência no sistema educativo português. Consuetudinaridade clássica, coexistência e transição da escola tradicional versus digital, e a sua evolução para a escola IA Gen.

A convencionalidade da metodologia de ensino tradicional (por objectivos, conteúdos e estratégias – taxonomia de Bloom), analógica, com o foco na sala de aula presencial e na transmissão do saber e linearidade do conhecimento, com centralina no professor, o clássico magister dixit.

Já a escola digital integra abusivamente as novas tecnologias no processo educativo, metodologia invertida com tutoria digital, com recurso recorrente a dispositivos electrónicos e dependência do computador. É a escola tecno-zoom.

Quanto à evolutiva escola IA Gen, representa uma nova abordagem educativa e integra a novidade de ponta da inteligência artificial no ensino e na aprendizagem. Simboliza a fusão no ensino e no acto educativo do elemento de carbono (humano) e do elemento de silício da IA (algoritmos, big data e inteligência generativa computacional tech – capacidade de produzir conteúdos pelas máquinas). Configura um processo inexorável, imparável e irreversível de desumanização da escola pública e perda do factor humano em ambiente escolar.

Neste lapso de tempo cinquentenário, a escola pública também tem vivenciado a chamada inovação, projectos, educação não formal, a (in)evolução dos curricula com novas disciplinas, competências transversais, métodos de avaliação diversificados e diferenciados. A ostracização lunática das humanidades – erro de palmatória. A intelectualidade do professor amordaçada.

No que concerne à autonomia escolar, é referente à capacidade das escolas e dos presidentes dos conselhos directivos e directores (foi mudando a designação e o organigrama do órgão de gestão) tomarem decisões ao nível da gestão pedagógica, administrativa e financeira; flexibilidade, adaptabilidade e especificidade consoante as comunidades educativas e o enraizamento da escola no meio.

Abril, do Estado Novo à democracia e à liberdade, da primavera da esperança ao outono das políticas educativas; da mais valia e paixão da educação ao desinvestimento na escola pública. E tudo abril trouxe: do sonho ao pesadelo, do planeamento ao destrambelhamento, da genialidade do ideário e doctrina à presente mediocridade política reinante, do «influencer» e falho prioritário   wokismo e ideologia de identidade de género a uma escola pública em modo de sobrevivência, professores em fuga e cenário capitalista neo-liberal no campus educare. Inversão e «outsourcing», consultadoria e (des)legitimação partidária desplanificada, sem estudo e delineação e muita, muita promiscuidade entre o poder político e o poder económico, em rasante aproximação a uma visão da educação-negócio e escola pública miniaturizada, política e intelectualmente atrofiada, minimizada, desautorizada por amadora insanidade ministerial, com cerca sanitária governamental decretada, para vergonha da democracia, da liberdade, de Salgueiro Maia e de abril soluçantes, tal o desencanto político.

Este texto ficaria incompleto sem a menção ao estatuto da carreira docente (ECD), com evolução ao longo do tempo (décadas). A fechar, a alusão às grandes lutas dos professores ao longo da história do Portugal democrático. O critério para ambas as referências é o elucidativo facto-registo único. Apresentar a factuosidade, em retrospectiva, seria longo e fastidioso. Deixamos respectivamente, para leituras em aprofundamento, os seguintes links da web com informação criptografada:

- https://www.ate.pt/estatuto-da-carreira-docente-desde-1990

-https://www.publico.pt/2019/03/23/sociedade/noticia/ja-anos-90-reclamava- tempo-servico-nao-negoceia-contase

Ao longo do tempo, o ECD sofreu várias alterações. Teve várias modificações e actualizações. Como nota introdutória sumária, referir que alguns dos decretos-lei que foram publicados, o foram no sentido de alterar, aditar ou revogar artigos do estatuto docente, passando a regular nos respectivos textos dos diplomas legais matérias referentes à profissão docente.

1990 – Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de abril; aprova o primeiro ECD, estatuto da carreira-função docente e disposições relativas à vida profissional docente, do recrutamento à cessação de funções. Versa sobre a carreira docente e a sua estrutura; remete no artigo 35.º para o DL n.º 409/89, de 18 de novembro, versando sobre a estrutura da carreira docente. ECD em abril de 1990.

Vem de longa data a luta do professorado pela contagem do tempo de serviço; desde os anos 90. «O tempo de serviço não se negoceia, conta-se». A mais icónica e icástica manifestação de professores, a maior de sempre em Portugal, foi a de 08 de março de 2008, com mais de 100 mil professores e educadores na rua, praticamente toda a classe docente mobilizada, gritando a plenos pulmões no Terreiro do Paço, plataforma sindical, em luta e revolta pelos direitos e profissionalidade docente até aos dias de hoje. Aquele que ficou na história como o período mais quente da luta, contestação e revolta dos professores, e afirmação categórica e inequívoca de consciência de classe. Consulado político socialista de José Sócrates & Maria de Lurdes Rodrigues, de má memória.
Disse.

Carlos Almeida

Nota: pelo desafio intelectual, complexidade, abrangência, trabalho ciclópico e pesquisa esgotante, critério-selecção e concisão deste artigo (cinco décadas em cinco páginas), em homenagem-hino dos professores e educadores de Portugal à educação e à escola pública no cinquentenário de abril, pressionado pelo simbolismo-tempo da data-publicação, pode acontecer haver uma ou outra gralha, ou referência que nos tenha passado, facto pelo qual peço desde já desculpa.
Obrigado.

terça-feira, 9 de abril de 2024

OS PROFESSORES E O NOVO GOVERNO DA AD – QUO VADIS?

 «A política sem risco é uma chatice, mas sem ética é uma vergonha».  (Francisco Sá Carneiro, político) 

«A pessoa é a medida e o fim de toda a actividade humana. E a política tem de estar ao serviço da sua inteira realização. Essa é a nova regra, o novo início, a nova meta». (Francisco Sá Carneiro, primeiro-ministro, tomada de posse, 1980) 

O texto que se segue é um artigo de opinião que vincula o nosso (singular plural majestático) meu pensamento, ideias, cidadania e intervenção, contraditório e liberdade de expressão. A crítica elucido-construtiva da experiência vincada enquanto professor e vivência sindical de longa data. É um contributo para aclarar e antelizar das prioridades de reivindicação, da negociação, da concertação e da tomada de decisão política no que à educação e escola pública concerne e aos professores e educadores portugueses respeita; facto político por realizar e vergonha de Estado por honrar. Juntos pela educação como prioridade e emergência nacional. «Quo vadis»!

quinta-feira, 4 de abril de 2024

Artigo de opinião de Carlos Calixto: O pedagogismo-didactismo da escola invertida.

«Tenha em mente que tudo que você aprende na escola é trabalho de muitas gerações (…); receba essa herança, honre-a, acrescente a ela e, um dia, fielmente, deposite-a nas mãos de seus filhos». (Albert Einstein)

É função da escola humanizar, ensinar às crianças e jovens estudantes o conhecimento, o caminho, como o mundo é, preparando os alunos para o amanhã que os espera e no qual vão ser decisores, enquanto futuros adultos em plenitude e exercício de uma cidadania responsável e interventiva.

A educação, o ensino, a aprendizagem e os valores transmitidos, partilhados e descobertos na escola, são a súmula do trabalho e parceria família-escola, casa-escola, governo-sistema educativo, professor-aluno. Para resultar, tem de haver o ambiente contextualizado do princípio colaborativo, senão falha, mesmo com professores «embriagados de amor» (Nildo Lage) pela arte de ensinar o património intelectual e o saber inter-geracional humano.

A escola invertida está nas antípodas da escola tradicional; inverte a dinâmica rotino-costumada da sala de aula, assumindo a premissa do trabalho motivacional pessoal, responsável e colaborativo do aluno. É uma inversão (i)lógica do modelo de aula, de metodologia activa, em que se passa do modelo tradicional de aula expositiva centrada no professor, para o modelo de sala de aula invertida, «flipped classroom», focada no educando, o que implica trabalho de casa dos alunos, com auto-aprendizagem de conteúdos e conceitos, sem acompanhamento do professor, recursos virtuais e salvatério da ferramenta de trabalho que é a tutoria digital. As dúvidas são tiradas nas aulas pelos docentes. Uma utopia teórico-pedagógica de disfunção prática provada, pela simples razão da não disponibilidade dos alunos para trabalhar, na actualidade presente, hoje.

Paradigma, filosofia e cânone de escola apenas explicado por um absoluto desfasamento da realidade escolar hoje, por parte das iluminárias do Ministério da Educação (ME) e desconhecimento ignaro ficcionado do público-alvo em dessintonia e negação hiperbolizante – os educandos.

Num modelo de escola a tempo inteiro, supor a veleidade de trabalho de casa acrescido com materiais, leituras, pesquisa e visionamento web, tutoria digital aprofundada, etc., é de comportamento sistémico néscio e imprudência política gritante. Mais o fantasiar depois na sala de aula de práticas e habilidades alternativas, apresentação (in)cumpridora dos trabalhos «caseiros» discentes, com debates, discussão e avaliação inter-pares, é no mínimo um exercício de ingenuidade, pensamento simplório, fé e milagre. Para mais com o grave problema da (não) inclusão educativa e do crescente número de alunos não lentes nem escreventes, frequentadores da escola-ensino básico obrigatório; com certificado de frequência e não com validação certificada de aproveitamento e competências. E não há motivação lúdica e on-line, jogos e gamificação, vídeo-aulas, webquests, quizzes e podcasts que o valha. Tendo como resultado o falhanço clamoroso deste tipo de ensino híbrido, em que o professor é um mediador da aprendizagem, aplicando dinâmicas, tirando dúvidas, estimulando o aluno à busca e descoberta, questionamento e mergulho no mundi scientia. Só que não resulta mesmo. Os resultados axio-humanos negativos e escolares reais do pedagogismo-didactismo da escola invertida, são uma infeliz realidade demonstrada à saciedade. É esta a triste realidade. Não o admitir é estar-viver em estado de negação.

A escola ao contrário, descurou a dimensão humana docente da educação e valorou-enveredou por um ensino esco-digital-tech desumanizado. Trocou a dialéctica humana (caminho entre as ideias – do grego dialektiké) pelo interface tecnológico humanóide. Abjurou a humanista díade dialéctica professor-aluno, em perda para a escola IA Gen. Permutou a re-humanização da escola tradicional natural, agora minimizada e minimalista, pela escola criptonizada do professor-algoritmo maximus. Donde, só poderia resultar toxicidade e desconexão, leia-se insucesso escolar real à vista de todos nós. É nefasta a ideia-filosofia errada da abordagem sistémica vigente do trabalho dos alunos e de uma escola sem esforço, de satisfação permanente, adaptação a vontades e felicidade hilariante. Ora, o paradigma de escola é o contrário de tudo isto. A escola é igual a trabalho, estudo, esforço e dedicação.

Para a posteridade, a talhe de foice, sublinhamos dois dos graves problemas que atormentam a escola pública invertida neste presente e difícil momentum: tendo a ver com o problema-modelo de aprendizagem, e com a felicidade permanente e em permanência dos alunos. A percentagem elevada da numerologia do pseudo-sucesso educativo milagreiro das iluminadas medidas de recuperação e suporte às aprendizagens, a nada cooperante, (in)activa e (es)forçada não dedicação estudantil à causa da aprendizagem escolar, finalizam na meta-felicidade do estrondoso sucesso burocrático-estatístico da escola-digi-tech IA Gen do consulado socialista. É que ninguém ensina quem obstaculiza nem quer aprender.

Ficam as seguintes citações que falam por si mesmas, para reflexão, introspecção, interiorização e decisão do poder político.

«Contrariamente a outros profissionais, o trabalho do professor depende da colaboração do aluno: “um cirurgião opera com o doente anestesiado e um advogado pode defender um cliente silencioso, mas o sucesso do professor depende da cooperação activa do aluno” (Labaree, 2000). Ninguém ensina quem não quer aprender. Em 1933, John Dewey sugeriu, numa comparação provocatória, que do mesmo modo que não é possível ser bom vendedor se não existir alguém que compre, também não é possível ser bom professor se não houver alguém que aprenda». (António Nóvoa, Espaços de educação, Tempos de formação, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, pp.237-263)

«A missão da escola não é fazer os alunos felizes, mas sim (…) dar-lhe instrumentos para a construção da sua própria felicidade, além de, como citava T. S. Eliott, fornecer-lhes os meios para ganharem honestamente a vida e equipá-los para desempenhar o seu papel como cidadãos plenos numa democracia. Para isso a escola deve desenvolver o necessário equipamento cognitivo e muscular as qualidades indispensáveis para estas tarefas, preparando-os assim para a luta do mundo. A minha tese é, pois muito simples: a escola fácil não cumpre a missão de preparar os alunos para a vida difícil» (João Lobo Antunes, 1944-2016, neurocirurgião, professor universitário, escritor)

A escola protótipo de padrão invertido, mais aumenta a frustração docente decorrente do facto avesso da tutela interverter o real papel, sentido e logicidade da escola, não deixando os professores serem profissionais e adulterando negativamente a ideia de uma pseudo-escola que (im)prepara para a vida. Na vida nem tudo são rosas; as rosas têm espinhos. As dificuldades e o difícil fazem parte da vida; e a escola, pela sua intrínseca natureza, não se coaduna com o fácil, as facilidades e o facilitismo – fazê-lo é o abastardamento de negá-la e matá-la.

Esta escola invertida do digital virtual e da inteligência artificial de atrofia cerebral e entropia neuronal e das sinapses – no sentido figurado da desordem, contingência acrítica e irreversibilidade de um processo rasante de pensamento, com ausência humana e sem naturalidade, ensina a pensar? E, aonde pára a dimensão cérebro-mental, de capital importância e principal tarefa do professor que é ensinar a cogitar e despertar os seus alunos para a reflexão e o questionamento? Em suma, a leccionação e a cumplicidade pessoal-dual para motivar e incutir no aluno a necessidade para o pensamento e raciocínio crítico, ler em papel, escrever manualmente, treino intelectivo e interacção humanizante.

A construção política da infelicidade e disfuncionalidade professoral e a crio-invenção da felicidade discente na escola invertida, contribuiu decisivamente para a fragilização e queda de uma escola pública que perdeu qualidade por culpa ministerial. A inversão negativa identitária da escola e desconstrutora da idiossincrasia docente, fere de morte o desempenho dos professores, com políticas e reformas educativas contrárias e ao arrepio das boas e eficientes práticas. «Negando» o recurso do professor a uma miríade de métodos e abordagens. E não, não está esgotado o modelo do professor emissor e do aluno receptor – é intemporal. E o sistema deixa o professor ser professor?! (…)

As ferramentas para a construção de uma «happy school», que eduque para a «science of happiness» da «non-flipped public school», só é possível com a postura de um ME ao lado e não contra os trabalhadores didactas que tutela. Não interferindo no modus operandi pedagógico-didáctico dos professores, trabalhadores profissionais especialistas de e em educação. 

«Escola é, sobretudo, gente, gente que trabalha, que estuda, que se alegra, se conhece, se estima». (Paulo Freire)

Carlos Calixto