«Desde o início dos anos 1980 que a regulação da ética na
política portuguesa tem sido um processo incremental,
mas fragmentado, e com uma postura de “dois pesos e duas
medidas” por parte dos atores políticos. Por um lado, estes
atores exercem pressão para que haja mais regulação,
fiscalização e cumprimento das normas adotadas. Por outro,
resistem à adoção de quaisquer medidas legais que possam
interferir ou até limitar os seus interesses, e descartam
qualquer responsabilidade por legislação e mecanismos de
supervisão mal desenhados. Os alçapões legislativos e as
instituições inócuas neste domínio são uma constante, mas
a culpa tende a “morrer solteira”.
...
A Entidade para a Transparência (criada em 2019) é um órgão independente que funcionará sob os auspícios do Tribunal Constitucional, responsável pela avaliação e fiscalização da declaração de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e impedimentos. As suas funções são essencialmente de cariz administrativo e não vão além do tipo de verificação formal anteriormente praticado. No momento em que escrevemos, setembro de 2022, a Entidade de Transparência ainda não está operacional, tendo alimentado uma discussão estéril sobre a sua localização e composição.
Foi também adotada a Lei n.º 78/2019 de 2 de setembro, que estabelece regras transversais às nomeações para os gabinetes de apoio aos titulares de cargos políticos, dirigentes da administração pública e gestores públicos (vulgo “lei antinepotismo”) após a divulgação de uma profusão de laços familiares em vários gabinetes ministeriais, atingindo até 50 indivíduos e 20 famílias, entre ministros e funcionários. As novas regras estabelecem que é vedado aos membros do governo nomear parentes até ao quarto grau da linha colateral do titular do cargo, ou seja, primos. Contudo, à exceção de um caso, que levou à demissão imediata dos atores envolvidos, as polémicas nomeações não foram feitas por um familiar, mas por colegas. Em casos de nepotismo cruzado, a nova lei não tem qualquer aplicabilidade. Na verdade, a aprovação de tais dispositivos legais pode ter sortido um efeito contrário, ou seja, o de legitimar uma prática contrária aos padrões de ética exigidos pela opinião pública, como aliás fica claro no julgamento que os cidadãos fazem do cenário de nepotismo no inquérito realizado no âmbito deste estudo.»