Paulo Guinote - Público
Sigo com natural interesse o assunto educação, participando ocasionalmente em alguns debates que surgem em público sobre temas educativos, alguns dos quais geram assinalável polémica e queixas de personalidades diversas sobre a imensa necessidade de se atingir um consenso em torno da Educação, no sentido de estabelecer um “pacto educativo” que ultrapasse as clivagens político-partidárias e transcenda as mudanças de governos.
Discordo dessa perspectiva porque, apesar de alguma intensidade retórica em torno de um ou dois temas mais sensíveis para a agenda mediática e para algumas sensibilidades pedagógicas (é o caso da avaliação dos alunos, como o foi o da avaliação dos professores), considero que tal “pacto educativo” existe há pelo menos uns 15 anos em torno de um projecto comum aos partidos que têm gerido a pasta da Educação (PS e PSD, a que se acrescentou o CDS em algumas secretarias de Estado) e que é o de uma Educação pública low cost, na mesma lógica das empresas que operam em algumas áreas da economia e que é a de prestar um serviço básico aos utentes pelo menor preço possível.
Nesse contexto, muitas das polémicas mais acesas a que assistimos não passam de variações em torno do “como fazer” e não do sentido ou objectivo final das políticas desenvolvidas — no que se inclui a questão da avaliação dos alunos e do insucesso ou abandono escolar que, quase sempre, desagua numa declaração do género “o insucesso escolar em Portugal custa x [escolher um número na ordem das centenas] milhões de euros”. Quando se debate qualquer “reforma do currículo”, fazem-se as contas à sua tradução em custos orçamentais e não em ganhos de qualidade para os alunos, assim como recentemente o debate sobre a redução do número de alunos por turma acabou por centrar-se no seu impacto financeiro e não na melhoria do ambiente e do trabalho em sala de aula. Ocasionalmente, no processo do debate evocam--se argumentos de ordem pedagógica, mas, quando é necessário o argumento definitivo, aparece a “conta”. O “interesse dos alunos” cede quase sempre a valores mais elevados (que neste caso serão os mais baixos por cabeça e por hora).
Esta lógica foi reforçada nos últimos anos com o pretexto da “crise” e da “austeridade”, quantas vezes na versão popularucha do “não há dinheiro”. Pretexto que parece só funcionar em relação aos serviços públicos e raramente a outras problemáticas, pois nunca ouvimos dizer “não há dinheiro” para salvar [preencher com nome de banco privado]. Lembro-me de poucas políticas verdadeiramente “despesistas”, sendo que algumas delas foram de muito duvidosa natureza, com a Parque Escolar à cabeça e o seu modelo de escolas de primeira para alguns e os outros que esperem enquanto o tecto do pavilhão cai ou os estores se regeneram a si mesmos.
Mas voltemos ao que considero ser o enorme pacto educativo que marca — no seu essencial e nos seus silêncios, nas suas acções e omissões — já um punhado de governos de diversas configurações político-parlamentares e que mede o seu sucesso pela forma como diminui custos médios por aluno ou a despesa global com a Educação. Comecemos pela rede escolar. A sua radical redução, em especial no 1.º ciclo, assim como a concentração de escolas em mega-agrupamentos disformes para a dimensão do nosso país, foi ditada mesmo pelo “interesse dos alunos”? Ou por máquinas de calcular médias de custos de funcionamento? E o modelo único de gestão escolar não serviu quase só para cortar encargos com as equipas directivas colegiais e impor hierarquias? E o pseudomodelo de avaliação do desempenho docente não foi, para além da reformulação e congelamento da carreira dos professores, uma forma mais ou menos engenhosa para conter custos? Já ouvimos alguém com responsabilidades governativas discordar destas opções? Quantas vezes deparamos com afirmações a criticar a “forma como as coisas foram feitas” e não a sua essência, desde o fecho de escolas à gestão do currículo de tesoura em punho?
O tema mais recente é o da redução dos alunos por turma, medida que tem mais do que evidentes vantagens na individualização do ensino, na diminuição da indisciplina e na melhoria do ambiente em sala de aula. Mas... argumenta-se que é uma medida cara (já desisti de discutir os valores, a realidade estatística é demasiado plástica para mim) e que isso pode ser substituído pela “formação” ou (palavra actualmente no top de utilizações por políticos e especialistas educacionais) “capacitação” dos professores para a gestão de salas de aula mais numerosas. Diz-se que não está provado que turmas menores possam garantir “mais sucesso” e que é caro e que não há dinheiro. Ficamos, então, com uma Educação de marca branca, movida a gasóleo simples, sem aditivos, mas com os mesmos impostos de sempre ou mesmo mais.
A Educação low cost é o grande pacto educativo nacional para o século XXI, unindo todos aqueles que defendem a existência de serviços públicos esqueléticos com lógicas de “racionalidade financeira”, proporcionados apenas aos que neles ainda confiam ou que deles não podem escapar, apenas variando os ritmos e matizes da implementação das medidas.
(Negrito nosso)