quinta-feira, 26 de outubro de 2023

"Ser professor, hoje, não é uma vocação; é uma perversão."


Custa a crer que a carreira menos atrativa do país possa ser a de professor, especialmente nos dias de hoje, em que os alunos cada vez estudam mais. Segundo a Organização para o Crescimento e Desenvolvimento Económico (OCDE), o ensino superior em Portugal "está a tornar-se tão comum como o ensino secundário ou o ensino pós-secundário não superior entre as pessoas com idades compreendidas entre os 25 e os 34 anos". É inegável por isso a importância dos ensinos Básico e Secundário (de qualidade) na formação destas novas gerações - e ter professores desiludidos com a profissão compromete este pilar de sustentação.

Os resultados da última Consulta Nacional online a docentes dos Ensinos Básico e Secundário, promovida pela Federação Nacional de Educadores (FNE) junto de 2138 profissionais, revelam que 95% dos professores dizem ter expectativas de carreira pouco ou nada atrativas. Comparando com o ano passado, há mais professores descontentes com a remuneração (97,1% este ano, face aos 96,7% do ano passado), queixando-se que não está ao nível do desempenho de funções. A degradação da profissão, aos olhos de quem a pratica, é notória e preocupante. E não falamos apenas da questão salarial que, uma vez mais pegando nos dados mais recente da OCDE, entre 2015 e 2022, a média dos salários reais dos professores do Secundário caiu 1%, contrariando os 4% de crescimento médio dos países da organização. É também preocupante o futuro da profissão, atendendo à urgente necessidade de renovação. Só entre janeiro e setembro deste ano, passaram à reforma 2207 docentes, um número que deverá chegar aos 3500 no final do ano, segundo notícias recentes com base na análise de dados da Caixa Geral de Aposentações. Ora, se o número de professores que passaram à reforma em 2020 foi de 155 e em 2019 de 128, assim se vê a preocupante aceleração.

Este ano, parece ter havido um sinal positivo com o aumento do número de alunos que escolheram em primeiro lugar cursos universitários que dão acesso à carreira docente. Mas ainda é cedo para tirar ilações quanto ao seu futuro, atendendo a um presente que os professores dizem ser pouco risonho. No mesmo inquérito da FNE, 84,1% dos educadores e professores inquiridos (menos 2,3% do que no ano passado) não aconselham os jovens a seguir a profissão. Uma pesada e frustrante constatação destes profissionais, que se espera que sejam uma fonte de inspiração das novas gerações, dentro da sala de aulas e fora, numa sociedade que valoriza o ensino.
Bruno Contreiras Mateus 
Subdiretor do Diário de Notícias

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