terça-feira, 26 de setembro de 2023

Com estas políticas é difícil aliciar jovens e menos jovens para abraçar a carreira docente

Ainda sobre a falta de professores


No início dos últimos anos letivos, um assunto tem ocupado as manchetes dos jornais e a abertura dos noticiários de estações de rádio e canais de televisão: a falta de professores. Também neste espaço, tem sido matéria de reflexão. Apesar de o seu efeito se fazer sentir de forma desigual no país, com graves efeitos na equidade e igualdade de oportunidades que a Escola Pública deve prover, no momento em que estamos, é difícil não regressar a este tema.A falta de professores anunciava-se há muitos anos, muito mais de dez. Várias organizações ligadas à Educação foram alertando para o que o futuro traria, se nada fosse feito, mas nada ou muito pouco foi feito. Pode até dizer-se que, em muitos aspetos, a situação se agravou. Os professores tiveram a sua carreira “congelada” por muitos anos, a profissão foi sendo desvalorizada socialmente e as condições de vida, principalmente nas grandes cidades, tornaram-se difíceis, se não impossíveis, de serem comportadas por quem inicia o exercício desta profissão.

Enquanto isto, e apesar de tudo isto, os professores portugueses foram fazendo crescer e melhorar a escola pública, contribuindo decisivamente para que a formação dos nossos alunos fosse atingindo um nível, de tal forma elevado, que os guindou para os lugares cimeiros dos estudos internacionais e os tornou motivo de admiração por essa Europa fora. Portugal passou a exportar mão-de-obra altamente especializada, com elevado nível de competências e com a qualidade da sua formação reconhecida.
Entretanto, surge a pandemia e os professores portugueses enfrentaram o desafio de dar resposta a um confinamento inédito, com ensino a distância, apesar da escassez de formação e recursos para tal. Também após a pandemia, lhes foi colocado o repto de recuperar as aprendizagens dos alunos, perdidas nesses anos.

A todos os desafios, os professores portugueses deram resposta à altura. Apesar disso, nada melhorou quanto ao reconhecimento social, às condições de trabalho e à carreira docente. Mesmo o “descongelamento” da carreira provocou muitas situações de injustiça.

A profissão docente é, atualmente, pouco apelativa, com bloqueios que dificultam uma progressão na carreira que seja estimulante. Está “armadilhada” com quotas e vagas que impedem o acesso ao topo da carreira a uma grande parte dos docentes.
Ao contrário do que se quer transmitir, esta carreira não valoriza o desempenho, antes penaliza muitos docentes de elevado mérito que desmoralizam com o retorno negativo que lhes é dado pelo esforço que dedicam à profissão e aos seus alunos.

Não será muito difícil encontrar professores com mais de 30 anos de carreira, a aproximar-se da idade de aposentação, situados, ainda, a meio da carreira docente, com um vencimento líquido pouco acima de 300€ superior ao que se vence no início da carreira. Isto significa que os muitos professores nestas circunstâncias tiveram uma valorização de cerca de 10€ por cada ano de carreira.
Estes docentes têm uma perspetiva de progressão na carreira muito reduzida e sentem ter trabalhado uma vida inteira para acabar com uma reforma bem abaixo do que esperavam quando começaram a trabalhar. Esta realidade não seria motivadora para nenhuma carreira e explica muita da insatisfação e sentido de injustiça que motiva os professores portugueses para as diferentes formas de luta que têm vindo a assumir.

Com este enquadramento da profissão, é difícil aliciar jovens e menos jovens para abraçar esta carreira. Não nos podemos esquecer que todos os potenciais futuros professores já passaram pelo sistema educativo. Sabem bem o que é exigido a um professor, a exposição e o desgaste a que a docência obriga, as condições e o volume de trabalho com que lidam e o que recebem em troca.
Para reverter o caminho para a erosão da profissão, urge tomar medidas: rever e valorizar a carreira e o estatuto remuneratório, desbloquear a progressão na carreira, alterar o sistema de avaliação de desempenho docente e os seus efeitos na carreira e melhorar as condições de trabalho dos professores e das escolas.
Urgente seria retomar conversações para a recuperação do tempo de serviço, pela qual se trava uma das mais intensas lutas laborais de que há memória no nosso país.
Jorge Saleiro - Diário do Minho
Diretor do Agrupamento de Escolas de Barcelos

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