“Criar condições para que eles [professores] continuem a querer estar na escola, para que possam aceitar, enfim, horas extraordinárias, neste caso, até se resolver o problema, para se tentar que alguns não se aposentem de imediato e deem tempo a que alguns jovens façam o curso.”
(Professor Manuel Pereira – Associação Nacional de Dirigentes Escolares, 8 de setembro de 2023, in “Jornal da 1” - SIC)
Quando, pura e simplesmente, me tinha habituado a que os professores tivessem cuidado nas opiniões, dei por mim a falar do sentido destas palavras… de vocábulos que podem ser uma arma carregada. Acredito que estas tenham sido ditas sem má-intenção, mas a imprudência de, irrefletidamente, as deixar sair da boca, poderá ter um efeito devastador.
Após o brutal aumento da duração da carreira docente, enquanto os professores, saturados desta vida de instabilidade, muito pacientemente aguardam a aposentação dos seus colegas para, finalmente, poderem vincular ou encontrar horário perto das suas famílias, aparecem estes oráculos anunciando a possibilidade de se incentivar os mais velhos a prolongarem o seu tempo de serviço, não pensando que isso possa implicar o adiamento até à eternidade da possibilidade dos seus colegas aspirarem ter uma vaga perto de casa.
Sendo sabido que os professores foram vítimas de quase dez anos de aumento na idade da reforma (e mais anos no caso dos professores do 1º CEB) e que tanto têm lutado para que a profissão seja reconhecida como sendo de desgaste rápido – para que se reduza a idade da jubilação –, vem este colega lançar um convite encriptado ao governo para que seduza os professores, que assim o entendam, a poderem trabalhar mais anos para além da idade da aposentação, ficando a noção de que até se poderia prolongar a carreira, que os docentes aguentavam.
Como se este disparate não fosse suficiente, ainda defende que se criem condições de incentivo para os mais velhos continuarem por mais alguns anos, sabendo-se que, naturalmente, passaria por uma compensação financeira (parece ainda não ter reparado que muitos são os professores que nem sequer aguentam chegar à idade da reforma). Ora, para os mais novos (numa profissão com uma média acima dos 50 anos de idade) mal pagos e com a perspetiva de nunca poderem alcançar o topo da carreira, a solução encontrada não passaria pela valorização salarial destes profissionais; a resposta encontrada recaia na atribuição de mais vencimento a professores que em grande parte, no topo ou muito perto do auge da carreira, adiassem a aposentação, criando ainda maiores desigualdades. Argumenta-se que não há dinheiro para atribuir ajudas de custo para deslocações ou estadia longe de casa para os professores mais novos, mas para pagar um incentivo extra para os professores menos mal pagos dentro da classe, já haveria verba?!
Protestamos por estarmos assoberbados de trabalho, mas, com este discurso, damos a entender que já estaríamos abertos à atribuição de horas extraordinárias. Um contrassenso que na prática iria recair sobre colegas normalmente colocados perto de casa, deixando, uma vez mais, a solução óbvia do problema arrumada na gaveta.
Evidentemente que, tudo isto, em nada tornaria mais fácil a possibilidade de abertura de vagas para quem, há décadas, tem vindo a arrastar a sua existência pelas estradas do país.
Como é possível que não se veja que a única solução para resolver a falta de professores é tornar a profissão mais atrativa!? Valorizá-la salarialmente, perspetivar uma carreira mais curta e menos desgastante com progressão sem quotas nem vagas, conferir-lhe maior estabilidade profissional, menor carga de trabalho e menos burocracia e aumentar a segurança e respeito pelos seus profissionais.
A falta de professores poderia ser facilmente colmatada se, à imagem do que acontece noutras profissões do estado, aos professores lhes fossem concedidas ajudas de custo para alojamento e deslocações, acima de certa distância do domicílio. Nada mais justo para a mais itinerante e instável profissão da função pública. Com isto, acabava-se de vez com a falta de professores em certas zonas e tornava-se mais sustentável (para não dizer “suportável”) ser-se professor em Portugal.
Em vez de defender melhores condições de trabalho para os que estão atualmente no ensino, criando condições aliciantes para atrair mais jovens para a profissão e evitar que muitos a abandonem, surgem estas ideias descabidas que iriam redundar na criação de mais disparidades dentro da classe e dificuldades para os mais novos. Não defende intransigentemente o ataque à causa do problema, prefere, por ora, aceitar um analgésico para o camuflar.
Andam professores exaustos, durante 3 ou 4 décadas em viagens, não vendo chegar o dia de conseguirem uma vaga perto do seu lar – que permita terminar com esse tormento – e aparecem estas propostas propícias a que essas vagas acabem por nunca chegar.
Se, nos tenros anos de estudante, a qualquer um de nós nos tivessem dito que teríamos de andar toda uma vida vinculados longe do domicílio ou a trabalhar longe de casa, alguém acredita que algum de nós teria optado por este ofício?! Quando ingressámos na profissão, a perspetiva era a de que, ao fim de alguns anos, conseguíssemos a estabilidade de podermos trabalhar na nossa área de residência.
Pois, só não consegue ver que esta instabilidade é um dos principais motivos que afasta a maioria dos jovens desta carreira, quem sempre esteve bem na sua vida profissional ou não vivenciou o drama pessoal de quem se viu arrastado para um prolongado cativeiro em lugares e estradas onde ficou sepultado para o resto da vida.
Perante esta situação, a classe política deveria dar com os costados no banco dos réus e responder por uma das maiores calamidades que irá hipotecar o futuro do país. Políticos que, há décadas, foram alertados de que iria haver falta de professores – o que exigiria ações para tornar a profissão atrativa –, não só não providenciaram medidas para evitar o surgimento deste cataclisma, como criaram uma situação ainda mais difícil para os docentes, degradando tanto as suas condições profissionais que afastaram futuros candidatos à profissão. Mas nenhum deles alguma vez irá responder perante a justiça, enquanto se dispuserem a continuar a conceder aumentos salariais e ajudas de custo imorais aos juízes, num país pobre atolado em baixos salários.
Mas, em todo o caso, já me começa a ser difícil ter condescendência pelo excesso de professores que representam mal a classe e que, muitas vezes, quando abrem a boca em público, falam mais do que deveriam.
Nós professores, conduzidos como uma manada, somos muitas vezes levados para pastagens estéreis por gente desorientada ou com interesses pessoais, sindicais ou políticos que nada têm a ver com o interesse comum. Uns e outros têm prestado um péssimo serviço à classe. Estes desvios daquilo que são as principais lutas, reivindicações, exigências e direitos dos professores, só causam ruído e desestabilizam ainda mais as suas vidas, afastando as soluções que todos anseiam e merecem.
(Negrito e sublinhado nosso)
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