Uma última proposta em jeito de utopia
Imagine-se uma "cidade-escola": o centro vital é o cidadão ou a cidadã, na sua essência, seja ele um bebé acabado de nascer ou um idoso no terminus da sua existência. Aprender a aprender, aprender a viver juntos, aprender a ser solidário e aprender a ser, são os pilares (à maneira de Delors, 1996) da organização desta cidade. Todas as instituições se tornaram educativas, porque o papel das instituições escolares é de tal forma abrangente que não há qualquer cidadão que não se sinta envolvido nelas. Tornaram-se escolas abertas, onde todos circulam com o maior respeito e se entre-ajudam no sentido de garantir a concretização das finalidades das mesmas.
Assim, na creche, que acolhe as crianças dos 0 aos 3 anos, de paredes cheias de janelas que imprimem uma luminosidade alegre ao seu interior, trabalham alguns pais como voluntários. Mas não só: os idosos do centro de dia anexo colaboram regularmente nas actividades cantando uma canção ou contando uma história, confeccionando um bolo com as crianças mais velhas ou, simplesmente, embalando as que precisam de colo. Algumas crianças da escola de 2º ciclo mais próxima deslocam-se à hora de almoço à creche, ajudando a dar refeições mais individualizadas aos pequeninos e, na hora do recreio, os meninos do jardim de infância anexo trazem para o espaço de recreio exterior (amplamente ajardinado e cultivado pelas próprias crianças) aqueles que podem andar. Como a creche não tem lugares disponíveis para todas as crianças da comunidade, um grupo de amas recebe as outras crianças no respectivo domicílio, sob a supervisão de educadores de infância, e deslocam-se regularmente à "creche-mãe" para participarem nas actividades e receberem formação.
O jardim de infância, que se encontra no edifício ao lado, apenas separado pelo jardim, recebe as crianças dos 3 aos 6 anos, distribuídas em grupos heterogéneos: é intencionalizada a heterogeneidade a nível de idades, sexo, estatuto sócio-económico ou origem cultural, de modo a assegurar uma convivência democráticas entre as crianças. A luminosidade do espaço-creche estende-se ao jardim de infância. Obras de grandes pintores afixadas nas paredes (Vieira da Silva, Amadeu de Sousa Cardoso, Miró ou Paul Klee, por exemplo) "condicionam" o olhar das crianças e induzem diferentes formas de fazer pintura. Os pais entram e colaboram, estando especialmente responsabilizados pela organização das refeições ou pelos prolongamentos de horários, com o apoio da directora da instituição. Regularmente, equipas de dois alunos do secundário vêm ao jardim de infância (e à escola do 1º ciclo) animar actividades de ciências. Os jovens de uma escola profissional de música também animam actividades para os mais pequenos. Uma vez por semana, as crianças de 5 anos deslocam-se à escola de 1º ciclo do outro lado da rua e participam em actividades conjuntas, apresentando os seus projectos e submetendo-os à discussão dos colegas mais velhos. Os meninos do jardim de infância deslocam-se com regularidade ao lar da 3ª idade e aí ouvem e contam histórias, ou fazem jogos e dramatizações em conjunto com os idosos. No jardim de infância predominam as áreas destinadas ao jogo simbólico, às expressões e ao domínio de outras linguagens (escrita e leitura, matemática, estudo do meio físico e social) ainda que, desde as primeiras idades, as crianças sejam estimuladas a trabalhar em computadores, fazendo jogos ou criando as suas primeiras experiências com a escrita, trabalhando por projectos e desenvolvendo pesquisas.
A escola do 1º ciclo parece uma colmeia, tal a actividade que emana das suas quatro paredes. Salas igualmente luminosas, pejadas de trabalhos feitos pelas crianças, todas organizadas em áreas de trabalho, onde os alunos se entre-ajudam. Na área central da escola, uma biblioteca. Tal como no jardim de infância, os livros circulam entre a escola e a casa, mas são também um recurso precioso para a elaboração dos projectos e para diferentes pesquisas, não esquecendo muitos outros recursos existentes na comunidade. Diariamente, depois do almoço, as crianças lêem um livro, deitadas ou sentadas descontraidamente, em silêncio, enquanto o professor apoia os alunos com dificuldades na leitura, ou lê em voz alta para todos. As refeições, são um momento importante de vida e de encontro e há um grande cuidado em cuidar do ambiente e da beleza dos pratos que são servidos. Quando os professores terminam as suas actividades, os alunos transitam para as estruturas de tempos livres. Mas, desta vez, os grupos tornam-se ainda mais heterogéneos, abrindo-se às crianças do jardim de infância e da escola do 2º ciclo. O grupo de teatro local, a escola profissional de música, a polícia, os bombeiros, o equipamento gimno-desportivo, o atelier de artistas plásticos, o museu ou a biblioteca central, oferecem actividades variadas e as crianças deslocam-se em espaços culturais bem diferentes das salas de actividade ou de aula.
A escola do 2º ciclo funciona no mesmo edifício da escola do 1º ciclo e não é muito diferente desta. A organização com professores mais especializados não impede a criança de ter 2 professores de referência, um para a área das "Letras", outro das "Ciências". Estes professores são coadjuvados por professores de outras especialidades, nomeadamente as artes ou a educação física, sendo que o professor titular de turma faz a gestão do currículo, de modo a não compartimentar saberes. Os alunos também trabalham em projectos e é frequente ver-se alunos do 2º ciclo deslocarem-se ao jardim de infância para colaborarem em projectos dos mais pequenos. Ou, mesmo, deslocarem-se à escola do 3º ciclo e do ensino secundário para apresentarem aos mais velhos os resultados de alguns dos seus trabalhos de pesquisa. Os desportos organizados e as actividades artísticas (nomeadamente a aprendizagem de um instrumento de música) ocupam grande parte dos fins de tarde.
As estruturas locais de educação especial intervêm de imediato logo que é detectada uma dificuldade numa criança. Não a retirando do seu contexto, organizam uma série de apoios diversificados de modo a intervir atempadamente, não permitindo que a criança acumule dificuldades.
Em todos os edifícios, os professores e educadores têm salas e gabinetes de trabalho próprios, estruturas de secretariado, condições para permanecer na escola a preparar as suas aulas, recebendo alunos ou pais individualmente, e trabalhando em equipa com os colegas. As escolas funcionam em "rede" mediante um eficiente serviço de informática, tendo os pais acesso, on-line, às questões que lhes dizem respeito.
À noite, alguns destes espaços são ocupados com actividades diversificadas de educação de adultos, nomeadamente informática, desporto, círculos de leitura e encontro com escritores ou artistas. Escusado será dizer que as estruturas escolares estão intimamente ligadas às estruturas de saúde, de cultura e lazer e aos serviços sociais.
Ao descrever esta "escola do futuro" lembro um conhecido livro dos anos 70 intitulado "História de uma Ilha onde as Crianças Construíram uma Escola Nova" (1975, Grupo "io e gli altri"). Será esta uma visão utópica? Posso dizer que sim, mas entendo tratar-se de um "futuro viável" (Toffler, 1970). Corresponde a uma organização educativa que potencia sinergias e articula recursos. Pressupõe uma escola que se ocupe da criança como "um todo" e não de um conjunto de serviços que fragmentam a vida das crianças em blocos desconectados. David Halpin descreve o papel da utopia como "facilitando um pensamento fresco sobre o futuro, mais do que providenciar descrições detalhadas da mudança" (2003, p. 39). Diversos países estão a procurar equilibrar uma perspectiva do "aqui e agora" no que toca à infância com uma visão da criança como "adulto-em-devir", como "portadora do futuro" no presente, como sujeito de direitos e de responsabilidades, pequeno cidadão/cidadã de parte inteira.
Será assim tão difícil trabalhar para esta visão?
Teresa Vasconcelos (pp. 93-96)