Crato cumpriu. Crato implodiu
Santana Castilho
Em 17 anos de exames nacionais, dos 39 que já leva a democracia, o país nunca tinha assistido a tamanho desastre. A segunda-feira passada marca o dia em que um ministro teimoso, incompetente e irresponsável, implodiu a cave infecta em que transformou o ministério da Educação. A credibilidade foi pulverizada. O rigor substituído pela batota. A seriedade submersa por sujidade humana. Viu-se de tudo. Efectivação de provas na ausência de professores do secretariado de exames, com o correlato incumprimento dos procedimentos obrigatórios, que lhes competiriam. Vigilantes desconhecedores dos normativos processuais para exercerem a função. Vigilantes do 1º ciclo do ensino básico atarantados, sem saber que fazer. Examinandos que indicaram a professores, calcule-se, que nunca tinham vigiado exames, procedimentos de rotina. Exames realizados sem professores suplentes e sem professores coadjuvantes. Exames vigiados por professores que leccionaram a disciplina em exame. Ausência de controlo sobre a existência de parentesco entre examinandos e vigilantes. Critérios díspares e arbitrários para escolher os que entraram e os que ficaram de fora. Salas invadidas pelos “excluídos” e interrupção das provas que os “admitidos” prestavam. Tumultos que obrigaram à intervenção da polícia. Desacatos ruidosos em lugar do silêncio prescrito. Sigilo grosseiramente quebrado, com o uso descontrolado de telefones e outros meios de comunicação eletrónica. Alunos aglomerados em refeitórios. Provas iniciadas depois do tempo regulamentar.
O que acabo de sumariar não é exaustivo. Aconteceu em escolas com nome e foi-me testemunhado por professores devidamente identificados. Para além da gravidade dos acontecimentos na Escola Secundária Sá de Miranda, em Braga, Alves Martins, em Viseu, e Mário Sacramento, em Aveiro, referidos na imprensa, muitos outros poderiam ser nomeados. No agrupamento Tomás Ribeiro, de Tondela, onde estava previsto funcionarem 10 salas, os exames foram iniciados, a horas, em 4. Mas, 20 minutos depois, por sortilégio directivo, acrescentaram-se mais duas salas. Na Escola Secundária Dr. Solano de Abreu, em Abrantes, houve reuniões de avaliação coincidentes com a realização do exame. Os professores presentes em reuniões, que acabaram por não se realizar, foram mobilizados, no momento, para o serviço dos exames. Quem acedeu ficou ubíquo: assinou a presença na reunião e no serviço de exames.
Ou Crato tem uma réstia de juízo e anula o exame, com o fundamento evidente da violação das normas mínimas que garantem a seriedade e a equidade exigíveis, ou isto termina nos tribunais administrativos. A coisa é um acto académico. Mas o abastardamento da coisa transforma-a num caso de tribunais. Não faltará quem a eles recorra. Porque décimas da coisa determinam o sentido de vidas.
O Júri Nacional de Exames, que se prestou a cobrir a cobardia política de Crato, não se pode esconder, agora, atrás do mandante. Não há cobardia técnica. Mas há responsabilidade técnica. O Júri Nacional de Exames tem que falar. Já devia ter falado. O País está à espera.
A Inspecção-Geral da Educação e Ciência tem que falar. Há responsabilidades, muitas, a apurar. O País está a ficar impaciente.
Crato errou em cascata. Deu como adquirida a definição de serviços mínimos, mas o colégio arbitral não viu jurisprudência onde ele, imprudente, a decretou. Arrogante, fechou a porta que o colégio abriu, sugerindo a mudança do exame para 20. Forçou a realização de um exame sem ter garantidas as condições mínimas exigíveis. Criou um problema duplamente iníquo: de um lado ficou com 55.000 alunos, potenciais reclamantes ganhadores, porque foram submetidos a um exame onde todas as regras foram desrespeitadas; do outro tem 22.000 alunos discriminados, porque não puderam realizar um exame a que tinham direito. Com as normas que pariu, ridicularizou o que sempre sacralizou: uma reunião de avaliação é inviabilizada pela falta de um professor; mas um exame nacional pode realizar-se na ausência de 100.000. Aventureiro, quis esmagar os sindicatos, mas terminou desazado. Se não violou formalmente a lei da greve, o que é discutível, esclareceu-nos a todos, o que é relevante, sobre o conceito em que a tem. Cego, não percebeu que, de cada vez que falava, mais professores aderiam à greve. Incauto, não se deu conta de que as coisas mudaram para os lados da UGT. Demagogo, convidou portugueses mal-amados no seu país, quantos com recalcamentos que Freud explicaria, a derramaram veneno sobre uma classe profissional que deviam estimar. Irresponsável, declarou guerra, e foi abatido. Crato substituiu Relvas. É agora o fardo que o Governo, nas vascas da morte, vai carregar até que Portas marque o velório. Ter ontem Crato nas televisões, de lucidez colapsada, ladeado por dois ajudantes constrangidos em fácies de cangalheiros, não pode ser o fim burlesco da palhaçada.
Público, 19 de Junho de 2013