O 1.º de maio é um dia de comemoração mundial
dos trabalhadores; de respeito e reconhecimento pela dignidade do trabalho, de
reflexão sobre os sonhos, aspirações e propósitos de vida da vida humana. Data
simbolicamente escolhida na sequência do «massacre de Chicago» nos EUA, em
1886, e do dia 1 de maio de 1891, manifestação de trabalhadores em França, da
qual resultou a morte de dez manifestantes. Representa a revolta contra as
dramáticas condições de vida e trabalho infra-humanas do operariado, e a luta
contra a exploração capitalista desumana do proletariado. Em Portugal, o 1.º de
maio foi comemorado logo no primeiro ano da sua realização internacional, em
1890.
A data do 1.º de maio é uma homenagem aos
trabalhadores e às lutas sindicais; os movimentos trabalhistas reivindicavam
melhores condições de trabalho nas fábricas, em consequência da revolução
industrial (de 1760 a 1850). Houve movimentos migratórios das populações rurais
para as cidades em busca de melhores condições de vida nas grandes urbes. A
manufactura foi sendo substituída pela maquinofactura; as oficinas deram lugar
às fábricas e o artesão especializado foi trocado pelo operário-trabalhador
indiferenciado sem quaisquer qualificações. A produção passou à escala
industrial e de exportação. Fecha-se o ciclo do mercantilismo e abre-se o ciclo
da industrialização.
Em Manchester, Inglaterra, nasceram os
primeiros sindicatos, as «Trade Unions» e as primeiras cooperativas entre
trabalhadores. Também Liverpool, em 1826, dá testemunho da revolução industrial,
da aplicação da máquina a vapor e da indústria têxtil, em curso. Não havia
quaisquer direitos do trabalho nem do operariado; os trabalhadores viviam em
condições miseráveis, amontoados em casas-barracas de madeira, em bairros
degradados, lama, doenças ocupacionais como a tuberculose, a anemia e a asma, coabitando
com ratos, pulgas, piolhos e outros, falta de higiene gritante, mão-de-obra
constituída por homens e em larga escala por mulheres e crianças, trabalho
feminino e infantil mais mal pago, as roupas-farrapos e os corpos escurecidos e
sujos, com as mãos e unhas encardidas, com horários de trabalho de 12, 14 e 16
horas diárias, comendo no local de trabalho e trabalhando ao mesmo tempo, injustiça
social, sem regalias sociais, sem regulação legal e numa permanente relação
tensa com o patronato explorador em vista à maximização capitalista dos lucros.
Pobreza e penúria, fome, alcoolismo, patriarcado
e violência doméstica, promiscuidade, prostituição, acidentes de trabalho
frequentes e membros estropiados, decepados, mutilação e mortes, troca de
operário ou criança-operária e o dramatismo do abandono sem quaisquer
consequências nem indemnizações, desumanização e naturalidade do trabalho
infantil (as crianças eram vistas como adultos em miniatura). Poluição das
águas e do ar e a paisagem das grandes chaminés industriais de alvenaria de
tijolo, vociferando fumos negros. Cidades como Londres, Paris e Nova York, as
mais desenvolvidas industrialmente à época, sofreram bastante com a poluição
industrial e as populações foram grandes vítimas, padecendo com doenças
respiratórias. Devido às condições de vida degradantes, às doenças e à
desnutrição, a esperança média de vida nos países europeus durante a revolução
industrial não ultrapassava os 35 a 40 anos de idade.
Friedrich Engels, «A Situação da Classe
Trabalhadora na Inglaterra», obra clássica do socialismo revolucionário,
escrita em 1845. Alemão, filho de um grande empresário têxtil de Manchester,
observando foi vendo a gravidade e as péssimas condições de vida do proletariado,
que de seu só tinha a sua prole (filhos que desde tenra idade, a partir dos
cinco anos de idade e em turnos de 12 horas e mais, como os adultos, recebendo
uma insignificância, começavam a trabalhar nas fábricas, minas, agricultura,
moviam carvão e subiam às perigosas máquinas de tecelagem, contribuindo para a
magra renda familiar; o trabalho infantil e as crianças eram muito úteis pela
pequenez dos seus membros e em chegar a
certas partes dos teares mecânicos – a educação de muitas crianças foi
substituída por um turno de trabalho), e em simultâneo foi verificando a
contrastante e luxuriante vida dos empresários-patrões. Engels deu início a uma
profunda reflexão sobre os direitos do operariado e à importância de uma
cultura sindical. Serviu de inspiração a Karl Marx (foram amigos), que escreveu
o panfleto «Manifesto Comunista» conjuntamente com Engels, em 1848, e «Das
Kapital», três volumes, entre 1867 e 1883. Na obra «O Capital», Marx reflecte
sobre a tríade: mercadoria, trabalho e valor, onde defende a tese da mais valia
e do valor acrescentado do trabalho operário – o valor de uso natural da
mercadoria e o valor de troca modificado da mercadoria.
Feita a sinopse, vamos ao desenvolvimento das
ideias-chave: das condições de trabalho do operariado à época da
industrialização, para podermos avaliar e ajuizar da evolução histórica até hoje;
do significado do 1.º de maio de 1886 nos Estados Unidos da América e do
«massacre de Chicago»; das comemorações do 1.º de maio em Portugal em 1890 e em
1974; do sentido, significado e significância da celebração do 1.º de maio
mundialmente.
Quanto às condições de trabalho, o dia de
trabalho começa ao amanhecer e termina com o cair da noite. Em França, a
jornada de trabalho era de 14 horas diárias e em Inglaterra havia dias de
trabalho de 16 horas laborais consecutivas (o dobro e mais de agora). Não havia
seguros nem higiene e segurança no trabalho; não havia reformas e havia semanas
de seis e sete dias de trabalho, sem qualquer descanso.
A disciplina e a vigilância de contramestres e
vigiadores nas fábricas eram apertadas; impedindo falhas e abrandamento da
atenção-concentração dos operários, aplicando multas e usando mesmo o chicote.
Atentemos agora nos testemunhos-extractos
chocantes do que era o trabalho nas fábricas de açúcar: «Eis os homens que
empurram nos carros de mão uma agoniante mistura de melaço e sangue. É o açúcar
bruto, tal como vem das raspadeiras de beterraba, misturado com sangue de boi,
(…) que deita um odor insuportável. Tudo isto é lançado numa imensa caldeira a
vapor que dissolve e purifica esta mistura».
(A Vida Operária em França, PELLOUTIER,
Fernand, 1900)
«Eis as raspadeiras do açúcar. Peça a uma delas
para lhe mostrar a mão. As unhas estão muito roídas: a extremidade do dedo
mostra um plano produzido pelo desgaste da carne (…). Algumas vezes, não será
um dedo que vedes, mas um coto sangrento que a operária cobre com um pano, não
tanto para sofrer menos, como para não sujar o açúcar que manipula. A infeliz
não tem sequer o recurso duma calosidade protectora. O açúcar raspa tudo (…)».
(A Revolução Industrial, RIOUX, Jean-Pierre,
1972)
A insalubridade-nocividade para a saúde humana
era de alarmante perigosidade, chocante quando medida pelos nossos padrões
actuais, com um ambiente fabril de salas cheias de fumarada nauseabunda e de
letal malignidade-perniciosidade respiratória, caso do ar sujo do carbeto de
ferro carbónico; mais, o carvão sendo composto de hidrocarbonetos, contém
enxofre.
Há testemunhos, à época, de crianças, mulheres
e homens que adormeciam de fadiga no local de trabalho, agarrados às máquinas;
a alternativa era morrer de fome e frio. A exploração patronal capitalista era
tal que, com o mesmo horário de trabalho, a mulher ganhava metade do salário de
um homem e uma criança com menos de seis anos ganhava apenas um quarto do
salário, sendo a mão-de-obra infantil a mais importante nas tarefas laborais de
reparação dos teares e na reparação de fios partidos.
Em 1833, oficialmente, o horário de trabalho
das crianças foi reduzido para as 48 horas semanais. Em 1844, pela primeira
vez, é estabelecida a semana de trabalho de 69 horas, com um limite máximo de
12 horas diárias. As ameaças, chantagem e atropelos laborais ao estabelecido
eram constantes, prevalecendo o interesse da economia sobre a necessidade, o
medo e o instinto de sobrevivência.
Falar do 1.º de maio, dia do trabalhador,
significa obrigatoriamente comentar o 1.º de maio de 1886, nos EUA e o
«massacre de Chicago». É um marco na história e memória da luta dos
trabalhadores e sindicatos; é o momento da grande reivindicação pela jornada
das 8 horas de trabalho diárias. Assentava no argumento de que o trabalhador,
para preservar a sua saúde física e mental, ser e sentir-se pessoa humana (e não
escravo), teria de dispor de 8 horas para dormir, de 8 horas para tomar as refeições
e conviver com a família e de 8 horas para trabalhar – é o octo-facto do dia
tripartido em três partes iguais de oito horas.
Este foi um ano em que o operariado norte
americano foi assolado e devastado pelo desemprego, o que incentivou
motivacionalmente os trabalhadores para a preparação da luta nas ruas,
divulgação no terreno e concretização de uma grande greve e histórica manifestação;
e assim aconteceu com 80000 trabalhadores a abandonarem o trabalho e a irem
para a manifestação. Com o governo a mobilizar mais de 1000 polícias para
vigiar e intimidar os trabalhadores. Como consequência e represália da
participação na manifestação muitos operários foram despedidos, caso dos líderes-cabecilhas
activistas. Os trabalhadores despedidos não desistem e no dia 2 de maio algumas
centenas realizam um comício em frente à fábrica que os tinha despedido. É
chamada novamente a polícia que investe sobre os trabalhadores e começa a bater
para os dispersar, provocando várias mortes e causando dezenas de feridos.
Os trabalhadores voltam à carga e é realizado
um segundo comício para protestar contra a brutalidade policial, com centenas
de operários vigiados e controlados pela polícia. Quando restavam cerca de 200
trabalhadores, eis que explodiu no meio dos polícias uma bomba matando um deles
e ferindo muitos outros. Foi o caos, com os polícias a dispararem sobre a
multidão em fuga, ficando as ruas cobertas de sangue, mortos e feridos.
Nos dias que se seguiram, centenas de
dirigentes e trabalhadores foram presos. Houve um mega-julgamento no mesmo ano
de 1886, tendo sido condenados à morte por enforcamento sete sindicalistas.
Alguns foram condenados a prisão perpétua e outros quatro dirigentes sindicais foram
executados a 11 de novembro de 1887, pelas 11.30 AM.
O mundo reagiu e mostrou a sua indignação pela
forma tão parcial, indigna, excessiva e severa como o tribunal (não) julgou,
injustiçou e aplicou as penas aos dirigentes sindicais, nas anómalas circunstâncias
por todos e de todos conhecidas. O governo
federal americano, acossado pelas críticas contundentes da opinião pública
nacional e internacional, mandou abrir um inquérito aos acontecimentos de
Chicago. O governo faz mea culpa, admite a inocência dos quatro
dirigentes enforcados e reconhece que o tribunal tinha cometido um erro
judicial gravíssimo, não tendo provas concludentes para a sentença proferida.
Era demasiado tarde, sendo reabilitados apenas três dirigentes. Quanto às
outras quatro vítimas, passaram a fazer parte da «História dos Mártires de
Chicago».
As comemorações do 1.º de maio em Portugal, em
1890, a manifestação em Lisboa reclamou do município «o estabelecimento das 8
horas diárias e a regulamentação do trabalho de menores». No Porto, a
comemoração aconteceu no Monte Aventino, atraindo milhares de trabalhadores.
O 1.º de maio de 1974, seis dias depois do 25
de Abril, foi a grande festa da liberdade, congregando trabalhadores, figuras
públicas e partidos políticos; data a partir da qual o 1.º de Maio, Dia do
Trabalhador, passou a ser feriado nacional, num misto de jornada de discursos-protesto,
de luta e de festa e confraternização dos trabalhadores portugueses. Com
celebrações a nível nacional, mas com locais históricos para as duas centrais
sindicais: a União Geral de Trabalhadores (UGT) em Belém e a CGTP-Intersindical
na Alameda, ambas em Lisboa.
De realçar o simbolismo mundial do 1.º de maio
em prestar homenagem a todos os
trabalhadores e particularmente àqueles que antes de nós deram a sua
vida lutando por condições de vida e trabalho dignas e pelo valor-respeito do
trabalho.
O caminho faz-se caminhando. Da luta contra o
medo, pela dignidade humana e direito ao trabalho, emprego e segurança jurídica
pelos direitos legais do trabalho; a luta pelo horário laboral; a luta pela
conjugação de trabalho, família e lazer; a luta pelo pão; a luta pelo bife; a
luta pelas férias; a luta pelo direito a ser pessoa.
Viva o 1.º de Maio!
Viva os Trabalhadores!
Carlos Almeida