Paulo Guinote
Eu sei que as horas de trabalho dos professores estão pelas horas da amargura e que o Ministério da Educação e Ciência (MEC) já propõe pagamentos à peça a potenciais classificadores daquelas provas de avaliação a outros professores, se calhar com mais anos de serviço e com melhores avaliações de desempenho.
Mas não é isso que interessa agora, pelo que deixemos de parte essa proletarização crescente da classe docente, cada vez mais o bode expiatório da fúria de um grupo de políticos adequadamente mal formados e academicamente medíocres.
Concentremo-nos naquela linha de argumentação, tão ao gosto do tempo, que pretende apresentar a Educação como um negócio como outro qualquer, em que os alunos ou as suas famílias se devem encarar como clientes a satisfazer por escolas e professores que, por sua vez, devem ser remunerados e/ou recompensados de acordo com o grau de satisfação da clientela que servem.
Esta forma de pensar não me agrada, mesmo que possa ter uns resquícios de lógica.
Eu explico porquê, enquanto pai e encarregado de educação de uma petiza que frequenta a escola pública da sua área de residência por livre escolha dos seus progenitores, mas também enquanto professor que todos os dias dá aulas a educandos e filhos de outros pais e encarregados de educação.
Comecemos pela posição enquanto pai, enquanto potencial “cliente” que alguém quer ou deve seduzir, convencer, por forma a alimentar o seu negócio e vendo-se para isso na necessidade de “vender” o seu “produto” ou, na melhor das hipóteses, o seu “serviço” numa lógica mercantil. Confesso que não gosto de sistemas de vendas agressivas, daquelas em que oferecem tudo e mais alguma coisa, desde que o cliente não leia as letras miudinhas e descubra o inconveniente do “negócio”. Como aqueles cartões de crédito maravilhosos que não cobram mensalidade mas sim uma não explicitada comissão por cada transacção, que só descobrimos quando chega a primeira factura e a informação de que a fidelização é obrigatória.
Chamem-me chato mas não quero que a escola e a Educação se tornem pretexto para vendedores de banha da cobra. Não quero ser tratado como cliente, não quero que me adulem, que digam que eu tenho sempre razão enquanto estão de olho na minha carteira.
Já enquanto professor, recuso-me a encarar a minha actividade como uma “venda” aos alunos ou às suas famílias. A docência é uma coisa séria que não deve ser confundida com batatas, parafusos ou pastas dentífricas, por muito necessárias que sejam. Tenho saudades da minha velha mercearia de bairro, do serviço prestável, mas não vamos confundir as coisas e muito menos confundamos a Educação com Comércio, mesmo se cada vez mais a governação aposta num modelo de escolas a lembrar grandes superfícies, onde o brilho de algumas montras oculta um serviço despersonalizado e indiferenciado, em que o cliente é atraído pelo artifício, pela “oferta”.
Enquanto professor nunca olhei para os meus alunos como clientes que devo satisfazer, mesmo se à custa de um serviço manhoso, que esconde a má qualidade atrás de um sorriso de vendedor.
Lamento profundamente que existam pais que se consideram clientes das escolas, assim como acho deplorável que existam governantes que só conseguem perceber pretensas sinergias, racionalidades financeiras e economias de escala, esquecendo as pessoas. Ao contrário do que alguns possam dizer, quando alguém se torna cliente não tem especiais vantagens pois perde o rosto, torna-se objecto de negócio e a sua utilidade é a do rendimento que pode trazer ao “vendedor”.
Como pai não quero ser “cliente” e como professor recuso-me a ser “vendedor”. Quero que a minha filha seja tratada como uma pessoa, singular e única, tal como é assim que trato todos os meus alunos.
(Negrito nosso)