Santana Castilho - Público
Quando, depois de tantos impostos que pagamos, se morre por falta de assistência médica num hospital central de Lisboa, quando milhares de filhos de emigrantes são expulsos de aulas de língua pátria por falta de pagamento de uma propina inconstitucional, quando se calca a dignidade dos pobres dando-lhes 80 cêntimos mensais de aumento de pensão social, não é o simples anúncio de que os tempos são novos que os mudam. É preciso mais, fazer diferente, selar conúbios.
1. Tivessem Pedro Passos Coelho, Paulo Portas e Maria Luís uma réstia de dignidade política e já teriam vindo a público responder às gravíssimas acusações que lhes foram feitas por António Costa e Mário Centeno, a propósito do Banif. Com esta entrada, não se conclua que aprovo a solução encontrada. Com efeito, nenhum português esclarecido aceita a passividade do Banco de Portugal perante o arrastar da solução do Banif, que outra explicação não tem que não a servidão política à saída limpa e aos interesses eleitorais da coligação PSD/CDS. Como nenhum português esclarecido aceita uma solução que deixa sem resposta tantas perguntas, que abalroam as consciências dos que acreditaram que os tempos seriam novos. Quem já ganhou e vai ganhar com o que os contribuintes já perderam e vão perder? Quem concedeu créditos e quem os não pagou? Quem promoveu a fuga de informação que originou a corrida aos depósitos? Que interesses resultaram protegidos quando Costa e Centeno impediram que a resolução do Banif ocorresse em 2016, rejeitando, assim, a solidariedade europeia e impedindo que o BCE liderasse o processo no âmbito da união bancária e apurasse, em auditoria externa, as responsabilidades do bloco central da teia financeira? Como entender que o mesmo Governo que se escandalizou com a venda da falida TAP por 10 milhões de euros, venha agora obrigar-nos a pagar quase três mil milhões para que um banco estrangeiro fique com o Banif, limpinho de todos os prejuízos, numa solução que Passos Coelho achou inteligente e só o PSD viabilizou no parlamento?
2. A gestão da Educação continua entregue ao acaso, desconcertada, cabendo a iniciativa à AR e tornando claro que o PS não tem problemas identificados e prioridades estabelecidas. Primeiro foram abolidos os exames nacionais de Matemática e Português do 1º ciclo do ensino básico, na manhã seguinte à tomada de posse do Governo, cujo programa não continha tal medida. E, surpreendentemente, os deputados do PS votaram à revelia do seu próprio programa de Governo. Seguiu-se a extinção da Prova de Avaliação de Capacidades e Conhecimentos (PACC), com a aprovação dos projectos de lei do BE e do PCP. Os deputados do PS voltaram a votar contra o programa de Governo, que apenas postulava a suspensão da prova, “procedendo à reponderação dos seus fundamentos, objetivos e termos de referência”. Apenas um deputado, Paulo Trigo Pereira, se absteve, depois de ter defendido publicamente a PACC (Público de 7.12.15) com uma imprecisão de monta. Com efeito, depois de invocar a alta qualidade do respectivo sistema de ensino, afirmou que a Finlândia tem uma prova semelhante. Mas a verdade é que não tem. E basta ler o texto que o próprio citou para verificar que confundiu um exame rigoroso de fim de secundário e entrada na universidade com um exame aplicado a quem detém um grau académico de mestre, pelo menos, e um título profissional de professor.
No primeiro debate em que António Costa participou como primeiro-ministro, Paulo Portas perguntou-lhe se acabariam os exames dos 6.º e 9.º anos. Costa mandou-o ler o programa de Governo, afirmando que o mesmo era “muito claro quanto às provas que serão mantidas”. Costa errou. Costa mostrou desconhecer o programa do seu próprio Governo, que nada diz sobre as provas que serão mantidas ou eliminadas, apenas referindo a intenção de reavaliar a sua realização. E, cereja no topo do desconcerto, na manhã desse mesmo dia, o ministro da Educação havia garantido que não seriam tomadas decisões sobre os exames sem ser ouvida a comunidade educativa.
Perante o apagamento do Ministério da Educação, com a AR a substituir o Governo, seguem-se mais duas iniciativas da Oposição, sobre as metas e o financiamento do ensino privado. Enquanto isto, na Universidade de Coimbra contratam-se bolseiros como cobradores de propinas, há unidades de investigação sem dinheiro para funcionarem, a incompetente direcção da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, responsável pelo vergonhoso processo de avaliação das unidades de investigação e desenvolvimento continua em funções (como, aliás, substancial parte das chefias apostadas em se oporem a uma efectiva mudança política) e a primeira iniciativa do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior foi pedir à OCDE que, daqui a 18 meses, faça o favor de nos comunicar o que decidiu sobre o nosso futuro!