A remodelação que não chegou à Educação
Santana Castilho - Público
António Costa perdeu a última oportunidade na legislatura para tranquilizar o sector.
Que mostra a remodelação, para além de António Costa pensar que com ela atirou para o limbo do secundário Pedrógão Grande, Tancos, Infarmed, ERSE, professores e demais instrumentalizações impúdicas de quem já se julga o novo dono disto tudo?
Os factos asseveram que quanto mais explícito for o apoio de António Costa a qualquer ministro, maior é a possibilidade de rapidamente ser cuspido do Governo. Com efeito, dois dias depois de lhe manifestar apoio público (apesar do estrondoso falhanço da protecção civil, cifrado em mais de 100 mortos), Costa atirou Constança Urbano de Sousa pela borda fora.
Pouco tempo volvido sobre a recomendação categórica para que tirássemos “o cavalinho da chuva”, veio a vaquinha voadora da remodelação e Adalberto Campos Fernandes foi nas águas, solidário com o patusco Azeredo Lopes que, horas antes, tinha sido classificado por António Costa como um “activo importante” do Governo.
A saída do secretário de Estado da energia, Jorge Seguro Sanches, que exigiu à EDP a devolução de 285 milhões de rendas excessivas (contratos CMEC) e criou uma taxa sobre as renováveis, aliviou providencialmente o “irritante” com a China Three Gorges.
Trocando os superiores interesses do Estado pelos inferiores interesses da política partidária, António Costa manteve em funções Tiago Brandão Rodrigues, o pior ministro do Governo. Perdeu, assim, a última oportunidade na legislatura para tranquilizar o sector, dotando-o com um ministro que soubesse organizar e gerir a confusão actual, definindo políticas sérias e adequadas, com os professores e nunca contra os professores. António Costa, que fala abundantemente da qualificação dos portugueses, voltou a ignorar que o serviço público da Educação depende criticamente do respeito que ele, o Governo e o país tenham pelos seus professores.
Tudo visto, a remodelação não foi ditada pela iniciativa política de António Costa. Aconteceu porque o ministro da Defesa se tornou suspeito de ter tido conhecimento de uma operação criminosa, que negociou a entrega das armas roubadas em Tancos com os próprios assaltantes. Mas a controvérsia que a remodelação podia provocar vai ser apagada pela controvérsia que o debate do OE vai suscitar.
Enquanto isto, no passado 5 de Outubro, os professores, que o Presidente da República classificou como dos melhores do mundo, manifestaram-se em Lisboa, depois de uma semana de greve. Que razões aduziram para o protesto? Horários de trabalho ilegais, envelhecimento acelerado da classe e inaceitável apagamento de seis anos, seis meses e 14 dias de trabalho prestado, ao arrepio do fixado na Lei do Orçamento do Estado de 2018 e significativamente determinado na véspera do Dia Mundial do Professor. O apagamento do tempo de serviço foi preparado com uma campanha vil de desgaste da imagem pública dos professores. Começou-se com a mentira grosseira dos 600 milhões de custo, que nesta coluna desmenti de modo fundamentado. Seguiram-se as miseráveis notícias das baixas médicas fraudulentas e de salários inexistentes, passou-se pelo fabrico de 50 dias de greve que nunca aconteceram e acabou-se expondo a cobardia política de um ministro que sabota embuçado, com uma nota apócrifa, invocadora de interpretações tendenciosas da lei para pôr em causa o exercício do direito à greve. E isto tem um propósito último, que o cinismo militante de António Costa não revela: acabar com a carreira docente e, num retrocesso aos tempos de Maria de Lurdes Rodrigues, reintegrar os professores no regime geral do funcionalismo público.
Mais que a incapacidade dos governos para resolverem os problemas das pessoas, é a proliferação de conflitos deste tipo que vai permitindo o progresso dos populismos e dos protofascismos dos nossos dias. A substituição da solidez da educação humanista e personalista pela ligeireza das conveniências de momento vai tornando débil ou ausente a consciência colectiva dos cidadãos e a prevalência da ética. É essa debilidade que, no limite, facilita o reaccionarismo mais primário. Que Costa e prosélitos pensem nisso enquanto é tempo.