“Monodocência ou outro modelo de docência no 1.º Ciclo do Ensino Básico?” – eis a questão que aqui se nos é colocada hoje. A minha resposta é: SIM. Definitivamente, a monodocência.
Contudo, sei que muitos se perguntarão se continuará a fazer sentido continuar a ter um único professor em cada turma do 1.º Ciclo do Ensino Básico? Será preferível manter a Monodocência ou ter um docente para cada área curricular? Será que a transição do 1.º para o 2.º Ciclo não seria mais pacífica com mais professores no primeiro nível de ensino? Ou, como já alguns sugeriram tendo por referência outros modelos europeus, também nos podemos questionar se a solução não passaria por prolongar a monodocência até ao 6.º ano?
Não é por acaso que a Monodocência é o regime que conhecemos em Portugal desde há longos anos e também em outros países que nos recordamos de trazer à colação sempre que buscamos os melhores exemplos, as melhores práticas. Arrisco-me até a dizer que será das poucas coisas que funcionará no sistema educativo.
Na minha opinião, a Monodocência comporta várias vantagens:
Garantia e sinónimo de relações afetivas mais sólidas, melhor estruturadas e garantidamente estruturantes. Não duvidem, a monodocência, no tempo e sociedade atuais, é cada vez mais importante pois garante-se às crianças um adulto qualificado e altamente preparado para ser uma referência. As crianças estão a crescer, a desenvolverem-se afetiva e socialmente, e precisam de um acompanhamento próximo e transversal.
Gestão mais eficaz e consequente do tempo letivo.
Maior e melhor articulação dos saberes entre as diferentes áreas.
De resto, lembremos o que está definido no decreto-lei sobre o perfil de desempenho do professor do 1.º Ciclo do Ensino Básico: «No 1.º Ciclo, o ensino é globalizante, da responsabilidade de um professor único, que pode ser coadjuvado em áreas especializadas». É o que diz a lei. (Decreto-Lei n.º 241/2001, de 30 de Agosto)
E de nada vale pretender ignorar o óbvio: o 1º Ciclo, em conjunto com o pré- escolar, sempre tiveram uma especificidade distintiva: a monodocência. Também aqui existe uma vantagem histórica que resiste, pelos resultados acumulados ao longo de décadas, à sanha experimentalista que temos testemunhado na Educação. E, tenhamos memória, quantas maldades têm sido cometidas à custa do discurso que defende a “mudança”, a suposta “inovação”, o “novo” como sendo necessariamente melhor, qual última “Coca-Cola no deserto”, sempre em prejuízo da estabilidade de modelos que já provaram ser fiáveis?...
Na ótica de quem, como eu, está no terreno, com as crianças, com as suas famílias, é hoje dado como adquirido que têm sido viabilizados demasiados balões de ensaio que fazem do 1.º Ciclo a antecâmara privilegiada de todas as experiências. Desde a introdução da noção de “escola a tempo inteiro”, sem – para surpresa dos mais incautos - continuidade nos níveis de ensino subsequentes, até outras crueldades impostas com ostensiva insensibilidade.
Para mim, o modelo do professor único está longe de estar esgotado. Acho até que as exigências organizativas da Escola atual, tida e encarada como uma organização a quem se exige qualidade indiscutível, reclama, para seu benefício, para benefício geral do sistema educativo - assente nas virtudes da previsibilidade e da rotina - a manutenção deste paradigma de Professor do 1.º Ciclo. Em defesa da qualidade das aprendizagens – logo, em defesa das crianças – entendo que a Monodocência é o modelo que melhor satisfaz os interesses e as necessidades dos nossos alunos.
No entanto, importa levar em consideração alterações legislativas que têm, a pretexto de uma gestão otimizada dos diferentes recursos (conforme o exemplo do Despacho Normativo n.º 6/2014, de 26 de maio) têm forçado a assunção de eventuais soluções alternativas.
Parece evidente a intenção da tutela em dotar a Escola de autonomia pedagógica e organizativa na gestão, definição e desenvolvimento de um currículo mais adequado às especificidades de cada Projeto Educativo.
E aqui entramos em matérias conexas à da Monodocência, que não podem ser varridas para debaixo do tapete. Se, por exemplo, querem acabar com a Monodocência, que o assumam. Que o assumam! O que não podemos é manter esta nebulosa em que a Monodocência está, ao que parece, severamente mitigada ou mutilada por consecutivas alterações legislativas, mas persiste no papel, sem qualquer enquadramento específico.
Como sabem, o reconhecimento por desgaste tão intenso e rápido como o dos Professores do 1.º Ciclo traduzia-se num regime especial de aposentação, que foi entretanto revogado. Com a sofreguidão de tudo uniformizar ou igualizar, parece que se esqueceram de colocar os Professores do 1.º Ciclo num plano de igualdade com os seus pares. É que, preto no branco, o número 1 do Art.º 6.º do Despacho Normativo n.º 6/2014, está lá uma “especificidade” que não foi revogada ou extinta: a carga letiva semanal. Sem qualquer compensação, a carga letiva semanal para o pessoal docente da educação pré-escolar e do 1.º Ciclo é de 1500 minutos e nos restantes ciclos de 1100 minutos.
Convenhamos que não é assim que se estima e respeita profissionais a quem o país muito deve.
Em resumo e para concluir: a Monodocência tem méritos e virtudes que aconselham a sua preservação e manutenção. Não é um modelo fechado. Pode e deve ser melhorado e aperfeiçoado. Contudo, cabe ao poder político assumir, com clareza e lealdade, o que pretende.
Nesta perspetiva, seria bom que, de uma vez por todas, a Escola fosse encarada como um espaço nobre, onde as crianças devem ter tempo e espaço para brincar em detrimento daquele visão em que a Escola é somente um espaço de trabalho contínuo e mecanizado. E, já agora, deve tratar os professores do 1.º Ciclo, bem como os Educadores de Infância, com a justiça e com o carinho de que há muito são credores."