Santana Castilho - Público
Na véspera da data fixada para o início do ano lectivo faltavam nas escolas cerca de 3.500 professores. Estes docentes podiam e deviam ter sido colocados a tempo de participarem nos trabalhos preparatórios do ano que se ia iniciar. Mas assim não foi, por incúria do Ministério da Educação e Ciência. Na mesma altura começou, reiteradamente, a ser denunciado o erro que está na origem da ordenação dos docentes que concorreram à Bolsa de Contratação de Escola, processo através do qual os estabelecimentos de ensino com contratos de autonomia ou estatuto TEIP (Território Educativo de Intervenção Prioritária) poderiam contratar os professores em falta.
A ordenação em causa foi feita através da média aritmética obtida pela consideração de duas notações ponderadas: a classificação profissional dos candidatos e a sua avaliação curricular. Só que o ministério cometeu um erro básico, inaceitável, daqueles que nenhuma contrição, por mais beata ou pública que seja, lava: somou, sem prévia conversão a uma mesma escala, duas grandezas expressas em escalas bem diferentes. Assim como se, no altar do absurdo, um aluno bronco somasse velocidade com toucinho e apresentasse o resultado em farófias. Mas este é, tão-só, o aspecto mais gritante de um conjunto de outros que atropelam a lei ou expõem a imbecilidade de quem os permitiu. Alguns exemplos, para fundamentar: três professores colocados na mesma escola para preencherem um lugar que nunca foi manifestado; professores do quadro retirados do concurso de mobilidade interna, sabe-se lá por quem, que agora não têm vínculo a escola alguma; ignorância discricionária de pedidos de renovação de contratos; cursos de curtíssima duração e duvidosa qualidade que podem valer mais que décadas de experiência lectiva; fórmulas e subcritérios subtraídos ao conhecimento de quem concorre; contactos feitos ao sábado e domingo à noite, para telefones pessoais de directores, com ultimatos para que fornecessem, num prazo de duas horas, dados de que poderia depender a vida profissional de milhares de professores.
Com professores, directores e escolas em polvorosa e abundantes protestos públicos de pais e autarcas, o país testemunhou um ministro em negação, autocontente e ufano por ter um ano a “arrancar com normalidade”, aparentemente inconsciente ante o desastre e doentiamente alheio ao desrespeito, que personificou, pelos cidadãos, particularmente pelos muitos professores desempregados, cuja vida gratuitamente destroçou. Este ministro, na noite anterior ao cínico pedido de desculpa, ainda negava o erro. Este ministro ignorou os pareceres da Associação de Professores de Matemática e da Sociedade Portuguesa de Matemática, a que outrora presidiu e usou para criticar o que agora faz, que classificaram o processo como opaco, ilegal e injusto. Este ministro só afivelou um ar sofrido para reconhecer o erro que todos já tinham visto quando no parlamento, depois de tentar resistir, acabou vergado à pressão justa de alguns deputados. Merece crédito? Merece que aceitemos a sua desculpa? Não! Porque no momento em que a pediu, a ética trôpega por que se pauta borrou irrecuperavelmente o que já era pífio: “ Estão a assistir a uma coisa que não é comum na História, que é um ministro chegar ao parlamento e reconhecer a responsabilidade por uma não compatibilidade de escalas e um ministro assumir que o assunto vai ser corrigido”, disse, sem se enxergar, sem a mínima noção de que o maquiavelismo bacoco que acabava de usar afastaria qualquer resíduo de tolerância por parte dos que o ouviam. Valesse a moral, emergisse uma réstia de ética do pântano em que esbraceja e já teria cruzado a porta pequena de saída de um mandato de vergonha, que só acrescentou novos problemas aos velhos, já resolvidos, por ele recuperados em retrocesso inimaginável.
Que resta, depois disto? Reparar o possível. Mas o que chega não favorece o prognóstico. O secretário de Estado Casanova de Almeida reitera o que Crato disse, isto é, que nenhum dos professores beneficiados pelo erro será prejudicado. Ora a questão é bem mais que deixar no lugar quem já lá está, juntando outro, que devia estar. Trata-se de um erro sistemático, que origina injustiças em cascata. Não é um mais outro. São muitos mais pelo meio e a projecção que qualquer colocação indevida tem nas posições relativas de concursos futuros. E insistem os governantes em desvalorizar o problema porque, dizem, afecta 1% dos professores de que as escolas necessitam. Persistem pois num dolo de comunicação e na má-fé. Porque escondem que falamos de um universo de 40.000 professores e um terço de todas as escolas do país. Sejam politicamente honestos, por uma vez: anulem o concurso e partam do zero, publicando novas listas, que respeitem a lei e a matemática elementar; promovam a divulgação, por grupo de recrutamento, escola a escola, dos subcritérios utilizados; prevejam a possibilidade de corrigir candidaturas, porque ficam conhecidas variáveis que antes foram omitidas. É demorado? Então usem como critério único a graduação profissional dos candidatos. Mudem a disposição legal que o impede, como tantas vezes já fizerem para fins bem menos justificados.
Santana Castilho
Público, 24/09/2014
(Negrito nosso)