Somos um grupo de psicólogos e profissionais ligados à saúde infantil e juvenil, bastante preocupados com a saúde mental e o bem-estar das crianças, que tem sido o grupo mais sacrificado durante esta pandemia. Não por causa do vírus que já se sabe que é maioritariamente de evolução benigna neste grupo etário, mas por causa das medidas sanitárias que têm sido tomadas, sem grande consideração pelo seu bem-estar e sem evidência científica da sua real necessidade.
Está previsto que a escola presencial regresse em setembro, mas com algumas medidas que ainda nos preocupam e dessas vamos destacar quatro principais: as medidas de distanciamento entre as crianças, a redução dos intervalos, o uso de máscaras e a entrada dos pais sobretudo ao nível dos jardins-de-infância e creches.
1. Sobre o distanciamento entre as crianças
A escola não serve apenas para aprender e trabalhar as capacidades cognitivas. Um ponto muito importante da escola é a socialização. Quando afastamos as crianças e lhes transmitimos a mensagem de que elas precisam de se manter afastadas, estamos a bloquear um instinto natural das crianças de procurarem o contacto físico e de se manterem próximas umas das outras. Isto cria-lhes tensão e uma pressão grande que facilmente se torna num elemento de ansiedade que sabemos ser tão prejudicial ao seu desenvolvimento e, consequentemente, à sua aprendizagem. Por sua vez, as medidas de distanciamento irão fomentar o uso de ecrãs durante os intervalos, algo que irá alimentar um problema que já existe nas nossas escolas e que sabemos ter consequências muito nefastas para o desenvolvimento de crianças e jovens.
2. Sobre a redução dos intervalos
Os intervalos são momentos importantes de socialização e constituem pausas essenciais para uma boa aprendizagem e para potenciar os tempos de atenção/concentração, frisando-se a importância de estes intervalos serem fora da sala de aula. A saber-se a importância de potenciar os momentos ao ar livre, é insensato e paradoxal diminuir-se os intervalos. Estes devem continuar a acontecer, de preferência ao ar livre e com horários desfasados entre turmas, para que não haja tanta aglomeração entre alunos.
3. Sobre a proibição da entrada dos pais
Permitir a entrada dos pais na escola, quando vão deixar ou buscar os filhos, não é um capricho. Uma criança que entra num lugar novo fica sempre num certo estado de alerta, principalmente quando essa entrada implica a separação das suas figuras de apego, as suas referências. A única forma de desactivar esse alerta é o contacto com as figuras de apego. E enquanto ele não for desactivado, a criança não está disponível para estabelecer novas relações seguras, que, por sua vez, são essenciais para que o seu dia na escola seja vivido da melhor forma e até para que consiga aprender realmente. Isto é muito importante em todo o processo de adaptação dos mais novos, que pode durar dias, semanas ou meses e que acontece sempre outra vez, depois de um período de afastamento. Mas também dos mais velhos, depois de tudo o que aconteceu este ano, com um período de afastamento tão prolongado e carregado de tensão por vários motivos. Permitir a entrada dos pais na escola é fundamental para que esta não se torne um mundo completamente estranho e separado da família, em que a criança nunca se sentirá realmente segura.
É muito importante que os pais possam ver diariamente os professores e educadores e que sejam eles a entregar-lhes a criança, porque é isso que lhes permite fazer a ponte. O instinto da criança diz-lhes que não devem ficar com estranhos, que devem procurar sempre as pessoas com quem se sentem seguras. Então, para que os professores deixem de ser estranhos para elas, é preciso que os pais façam essa ponte, que lhes mostra que podem construir uma ligação com aquela pessoa, e isso faz-se de forma simples, falando com a pessoa, mostrando que ela é de confiança e que já temos uma relação com ela.
Pensamos que, cumprindo os pais todas as normas de segurança (desinfecção, troca de sapatos e máscara enquanto circulam na escola), não há grande fundamento para este impedimento.
4. Sobre o uso das máscaras
O uso prolongado de máscara pelos adultos nas creches e jardins-de-infância também não facilita o processo de adaptação, porque as expressões faciais são uma parte fundamental da comunicação não-verbal e daquilo que nos faz ou não sentir segurança na presença da outra pessoa. Stephen Porges usa o termo “neurocepção” para falar de um mecanismo inconsciente que nos faz avaliar constantemente a segurança do ambiente externo e interno e essa avaliação passa, em grande parte, pela comunicação não-verbal. Essa comunicação não é apenas facial, também passa pelos olhos, pelo tom de voz e pela prosódia do discurso, coisas que a máscara ainda nos permite perceber, mas que podem ser insuficientes para uma criança pequena. Sem ver totalmente a cara da pessoa com quem nos relacionamos, é bem mais difícil recolher essas pistas de segurança, e quando nem sequer conhecemos essa pessoa, como irá acontecer na adaptação à escola para muitas crianças, então isto torna-se praticamente impossível.
Por outro lado, a evidência científica até ao momento remete para uma prevalência muito reduzida desta nova doença (covid-19) em crianças (cerca de 2%), sendo que, quanto mais nova for a criança (sem problemas de saúde prévios), menor é o risco. Os estudos realizados até ao momento chegam cada vez mais ao consenso de que a criança tem um papel quase nulo na transmissão do vírus, sendo geralmente essa transmissão feita de adulto para criança (embora, mesmo assim, maioritariamente benigno para a criança). Segundo vários pediatras europeus, o uso de máscaras em creches, jardins-de-infância, 1.º e 2.º ciclos por crianças sem patologia grave subjacente não é nem necessário, nem apropriado, nem razoável. Mais ainda: isso limitaria ainda mais a socialização entre pares. Na esmagadora maioria dos países que optaram por tornar obrigatório o uso de máscaras nas escolas, esta norma só se aplica a partir dos 13 anos. E alguns países como a Suíça e a Dinamarca optaram mesmo por não as tornar obrigatórias para os adultos nas creches e, ainda assim, a Dinamarca não registou um aumento dos casos que fosse associado às escolas, que estão a funcionar desde 15 de Abril. A Noruega, que reabriu as escolas a 20 de Abril, também não registou nenhum impacto causado por esta reabertura, sendo um dos países em que também não são obrigatórias as máscaras nas escolas.
Quando nos concentramos apenas na comunicação oral, algo que é forçado pelo uso continuo de máscaras, estamos a estimular o uso do hemisfério esquerdo em detrimento do direito, algo que sabemos estar bastante mais associado a sentimentos de agitação, ansiedade e até de depressão.
O uso prolongado de máscaras em crianças – até porque antes dos 12 anos de idade a expressão verbal ainda não é tão preponderante – pode conduzir facilmente a uma condição de stress crónico que interfere no humor, na atenção/concentração, no comportamento e na aprendizagem.
Conclusão:
As investigações ligadas às experiências adversas na infância mostram bem como o stress que estas provocam está ligado a uma série de complicações de saúde na vida adulta: a obesidade, diabetes tipo II, perturbações de ansiedade e depressão e até problemas cardiovasculares, a principal causa de morte na sociedade ocidental.
Atendendo a que, felizmente, as crianças constituem um grupo de baixo risco, não é de todo razoável que se apliquem medidas tão restritivas e limitadoras de um desenvolvimento integral harmonioso e saudável, pelo que é urgente proporcionar às crianças um regresso à escola dentro da maior normalidade possível, reforçando as medidas de higiene das mãos, as actividades ao ar livre e acautelando que crianças com sintomas da doença fiquem em casa, criando também condições para que os pais possam ficar com elas.
Não podemos deixar que as medidas sanitárias se sobreponham à necessidade de preservar a saúde mental das nossas crianças e jovens. Porque, se o fizermos, teremos com certeza em mãos uma outra pandemia no campo da saúde mental, com resultados bem mais dramáticos, provavelmente.
Ana Elizabete Guerreiro Caetano, especialista em Psicologia Clínica
Ana Helena Costa, psicóloga educacional
Ana Rita Dias, psicóloga clínica
Bruno Gomes, psicólogo educacional
Carolina Rodrigues, psicóloga clínica
Cátia Pereira, psicóloga clínica
Cátia Martins, psicóloga clínica
Prof. doutor Daniel Sampaio, médico psiquiatra
Diana Gaspar, psicóloga clínica
Dora Isabel Dias Maltez, especialista em Psicoterapia e Psicologia Clínica e da Saúde
Eugénia Amaro, psicóloga clínica
Inês Gonçalves, psicóloga clínica
Isa Silvestre, especialista em Psicologia Clínica e da Saúde
Laura Sanches, psicóloga clínica
Maria Andresen, psicóloga clínica
Zulima Maciel, psicóloga clínica