A Educação sempre foi uma área de intervenção social, onde os respectivos dinamismos se exprimem menos vezes com base no conhecimento e mais vezes com base em ideologias, doutrinas e teorias por validar. Não fora isto suficiente para tornar complexa a actividade educacional, e ainda devemos considerar o peso das crenças, que perduram e arrastam prosélitos, mesmo depois dos seus postulados terem sido submetidos a experimentação, com resultados negativos.
Quando a direcção política da Educação pública é entregue a políticos de frágil conhecimento, a exposição à contaminação por emoções, crenças e ideologias pode gerar uma “Educação do Estado”. É o que temos: uma escola mínima, hipócrita, de fancarias pedagógicas, de chavões, de cedências fáceis, numa palavra, um albergue para o pensamento único oportunista, que compromete o futuro dos jovens e do país. Este é o preâmbulo que, em meu entender, caracteriza o estado actual da Educação em Portugal.
A “Educação do Estado” vem, de há seis anos para cá, criando crenças e percepções em muitos docentes sobre o que funciona bem durante o processo de aprendizagem. Só que essas crenças e percepções divergem dos ensinamentos sustentados pela experimentação da psicologia cognitiva. Entre outras, dou um exemplo: o apregoado ensino através da descoberta, versus o ensino directo, dirigido pelo professor.
Muitos docentes defendem a premissa, confundindo a eficácia da aprendizagem com o aspecto lúdico da abordagem pela descoberta. Com efeito, a teoria da aprendizagem pela descoberta assenta na frágil ideia segundo a qual, se um cientista chega a novos conhecimentos pela experimentação, o mesmo pode ser conseguido por uma criança, em situação de aprendizagem. Kirschner, que aqui refiro por tantos outros que têm refutado a teoria ao longo dos tempos, postula que as crianças não podem aprender ciência com os mesmos métodos com que os cientistas fazem ciência. Já porque não têm os conhecimentos prévios que lhes devem ser transmitidos pelo ensino directo e dirigido, já porque, obviamente, o seu desenvolvimento neuronal não lhes permite pensar como cientistas. [Kirschner, P. A. (2009). Epistemology or Pedagogy, That Is The Question. In S. Tobias & T. M. Duffy. Constructivist Instruction: Success or Failure? (pp. 144-157). New York: Routledge].
A consequência das diletâncias, de que a anterior é um exemplo, ficou patente nos últimos resultados divulgados pelo IAVE. A maior parte das crianças do 2º ano do ensino básico não entende o que lê e não sabe escrever. Mais de metade dos alunos do 9.º ano (57,7%) teve “negativa” na prova de aferição de Matemática (45% de respostas certas, em média, que comparam com 55% dos resultados dos exames de 2019). O grupo mais numeroso (8.368 alunos) ficou-se, apenas, por 20% de respostas certas. Cerca de 4.000 alunos obtiveram resultados entre 0 a 0,5%! A Português, 38% ficaram num nível negativo, com um resultado médio que, por comparação com 2019, desceu de 60% para 55%.
Mas os pedagogos do regime, arautos da inclusão que exclui, profetas do “aprender a aprender”, pregadores da filosofia Ubuntu e veneradores do evangelho MAIA, que submergiu escolas e professores em burocracia ridícula, instrumentos e procedimentos delirantes e confusões nunca vistas, fizeram convenientemente desaparecer os instrumentos de avaliação externa (exames nacionais) para poderem decretar, urbi et orbi, a passagem de todos, independentemente do número de disciplinas com negativas.
A pedagogia oficial vem enganando, assim, os alunos, na medida em que lhes passa a ideia de que transitar de ano e ter sucesso escolar não requer trabalho e empenho. Os alunos que em casa têm outras referências interrogam-se sobre se vale a pena aplicarem-se, quando verificam que colegas indolentes, que pouco ou nada fazem, conseguem o mesmo reconhecimento escolar que eles. Há hoje uma desconformidade preocupante entre os compromissos que a Escola não pede e aqueles que a vida fora dela exige.
Na “Educação do Estado”, a fantasia da inclusão caminha de passo síncrono com a fantasia do sucesso. Uma e outra centram-se exclusivamente nos professores e esquecem os fenómenos sociais e económicos que estigmatizam as famílias dos alunos e a não existência nas escolas de recursos mínimos, humanos e materiais.
Aproximadamente metade dos alunos sinalizados como carentes de “medidas selectivas ou adicionais” (novilíngua oficial) não tem apoio directo de professor especializado. Para satisfazer o falso conceito de inclusão vigente, basta que passem mais de 60% do tempo lectivo numa sala de aula, com os colegas de turma. Pouco importa que nada entendam do que lá é dito ou feito. Já engordaram as estatísticas e a ordem para que passem de ano atira as suas taxas de sucesso para cima dos 90%. Falta medir os seus índices de sofrimento e de impreparação para a vida. Completa o quadro real (que a fantasia do discurso político obviamente omite) a rarefação de assistentes operacionais (e até de enfermeiros), preparados para responder às exigências específicas desses alunos, de psicólogos (educacionais e clínicos) e de terapeutas (ocupacionais e da fala).
Uma nota final sobre a falta de professores. A 6/7/22, na AR, António Costa reconheceu que o país tem “um problema sério em matéria de professores” e anunciou a aprovação de um diploma no Conselho de Ministros do dia seguinte com “duas medidas da maior importância”. Mas essas medidas foram, tão-só, remendos para os grupos disciplinares e áreas geográficas onde o desastre é maior, intervenções casuísticas sem correspondência às realidades e às necessidades do sistema, onde os sucessivos governos do PS, incapazes de proceder à revisão global dos diplomas que regulam os concursos e os quadros, apenas vão acrescentando injustiças e atropelos à ignomínia que criaram. Acresce que, no quadro de um concurso de âmbito nacional, as vantagens oferecidas a uns e cerceadas a outros talvez não estejam em conformidade com os ditames constitucionais. Mas, reconheça-se, que importância pode ter isso para António Costa, que já teve o topete de dizer que, neste reino, cumpre-se o que ele decide, diga a Constituição o que disser?
A solução séria, a única solução, não pode ser outra que não o alargamento dos quadros das escolas, a reestruturação da carreira docente, a desburocratização do trabalho, o reconhecimento da independência intelectual, científica, pedagógica e metodológica dos professores, a sua valorização salarial, a formulação de uma avaliação de desempenho justa e a radical intervenção nos concursos de recrutamento e mobilidade.