Era uma vez uma parábola que se narrava mais ou menos assim:
Numa ilha distante governava um rei amigo da folia, da boa mesa, da riqueza dos bens terrenos e cuja honra não lhe permitia trabalhar.
Desonra era também que os seus familiares e o vastíssimo séquito de seguidores ousassem ganhar proventos pela labuta do dia-a-dia, que era considerada coisa menor, desprezível, imprópria e apenas vocacionada para os que não tinham tido a sorte de se acolherem no colo do poder. Ou seja, trabalho era ofício dos mandados e desmérito dos mandantes.
Para suprir aos gastos do lazer e da abastança, o rei lançava frequentes e cada vez mais pesados impostos, taxas e portagens sobre os que dependiam dos rendimentos da sua árdua labuta.
Os mares que rodeavam a ilha estavam infestados de piratas que assaltavam e roubavam a seu belo prazer qualquer barco que deles se aproximasse (mesmo algum em aflição e busca de ajuda…) e com demasiada frequência invadiam as aldeias das costas para pilharem os parcos haveres dos incautos cidadãos. Por essa via, acumularam bens e riquezas incalculáveis, dinheiro fácil, terras, mordomias e isenções fiscais. Porém, quando em terra, com as suas famílias, faziam-se passar por discretos e honrados citadinos, cuja muita faina e alguma sorte tinham abençoado o seu destino.
Como os gastos do rei e dos mandantes crescessem na proporção directa da sua ambição, e os proventos já raramente chegassem para as permanentes despesas, começou a ser costume que a corte solicitasse aos piratas empréstimos, que estes lhe cediam em troca de favores inconfessáveis e juros incalculáveis.
Esta passou a ser a regra da convivência pacífica entre a corte e a piratagem, o que levou à criação de um modelo de sociedade, ferozmente defendido, estudado, elogiado, e publicitado em vastíssimas obras pelos escrivães ao serviço do reino.
Um dia, porém, eis senão quando a ganância dos piratas no uso e abuso das embarcações para as contínuas investidas em navios, terras e gentes os fez distrair, não calculando atempadamente o furor de uma tempestade que, num só dia, devastou a frota, e os deixou depenados e sem meios de prosseguir o corso.
Perante tão imprevista desgraça, chegou a vez dos piratas se aproximarem do rei falido, anunciando-lhe que nesse mesmo dia findavam os empréstimos e, por isso, pediam a ajuda do poder: era preciso muito dinheiro para reconstruir a armada e recapitalizar os corsários. Sem isso, estes não podiam acumular novamente riquezas e bens que lhes permitissem voltar a financiar a abastança do rei e da sua corte.
O rei, pensando bem no modelo e regras de convivência pacífica que durante tantas décadas tinham guiado o seu reinado e tantos elogios mereciam dos seus mais iluminados escribas, decidiu reabilitar os piratas e enviou para os campos as suas milícias para forçadamente recolherem mais impostos, taxas e portagens aos trabalhadores, e obrigando mesmo à apanha de galinhas, ovos, gado e forragens, que merecessem ainda algum valor de troca nos mercados tradicionais.
Com essa sábia decisão, e apesar da agonia lenta dos ofícios, dos artesão e dos mesteirais; apesar do progressivo abandono das terras e oficinas; apesar da fome, da doença e da extrema pobreza em que mergulhou o reino; apesar de tudo isso, o rei, a sua corte e os piratas conseguiram estabilizar as suas economias e regressar ao afamado modelo de normalidade com que as suas vidas sempre tinham sido bafejadas.
E o professor? Perguntarão os mais atentos ao título desta parábola.
Como o rei e a corte convenientemente perceberam que os piratas, apesar de incultos e iletrados, tinham angariado fortuna e estatuto sem o recurso aos ofícios das letras, das artes e das ciências, mandaram de pronto fechar e escola e estancar essa inútil despesa. Porém, não fosse o professor criar algum incómodo público, ou mesmo algazarra, por se sentir desnecessária, desmerecida e indevidamente desocupado, desterraram-no para uma inóspita costa e obrigaram-no a sentar-se num penhasco, virado para o mar, a ver passar navios.
João Ruivo - Ensino Magazine