Paulo Guinote - Jornal I
Iníquo e injusto é suspender as regras de uma carreira que está em vigor, sublinho, depois de uma revisão feita de um modo que a tornou mais longa e submetida a quotas na progressão
O tratamento simplista e com dados truncados de algo complexo é a forma mais comum e rápida de intoxicar a opinião pública sobre o assunto. A atual greve dos professores às reuniões de avaliação tem sido demonizada dessa forma, através de falsidades factuais e desajustados juízos de valor sobre a classe docente.
Respiremos fundo, se possível, e analisemos os factos. Por contingências financeiras, os salários dos professores sofreram cortes e foi congelada a sua progressão durante dois períodos que somam quase uma década. Quando consultado acerca de algumas dessas medidas, o Tribunal Constitucional considerou que só aceitava que se verificassem de forma transitória, pois seriam inconstitucionais se decretadas de forma permanente.
O que pretendem os professores num momento em que se afirma que a austeridade terminou e a governação é de “reversão” das medidas dos tempos da troika?
Antes de mais, NÃO pretendem que lhes sejam pagos quaisquer retroativos relativos aos cortes sofridos ou a progressões não realizadas, apesar do que alguns políticos menos apegados à verdade aparecem a afirmar em público. Nem pretendem alterar regras que não tenham sido legisladas pelo mesmo partido que está atualmente no poder, incluindo um Estatuto da Carreira Docente aprovado em clima de conflito aberto.
Pretendem, isso sim, que o tempo de serviço que foi prestado de forma efetiva lhes seja contabilizado de acordo com as regras legais em vigor, não se tornando definitivos os efeitos de medidas que foram anunciadas, e só assim aceites pelo TC, como transitórias.
É neste contexto que algumas argumentações antiprofessores que remetem para o âmbito da “equidade” e “justiça” se tornam especialmente enganadoras, porque defendem a consolidação de uma situação de exceção e contrária a um estatuto de carreira aprovado unilateralmente pelo poder político. Relembremos que toda a recuperação de todo o tempo de serviço já foi assegurada às carreiras gerais, de acordo com a respetiva regulamentação. Se as regras aplicáveis aos professores são diferentes? Sim, como o são as de muitas outras profissões integradas no Estado. Iníquo e injusto é suspender as regras de uma carreira que está em vigor, sublinho, depois de uma revisão feita de um modo que a tornou mais longa e submetida a quotas na progressão.
Do âmbito da ficção e da pós-verdade são os números usados para apresentar os encargos com a recuperação do tempo de serviço docente, pois apresentam a “despesa” calculada sobre valores brutos, enquanto entre 30% e 45% ficam logo retidos pelo próprio Estado, entrando como “receita” noutra rubrica orçamental. Os 600 milhões de euros são uma mentira que tem vindo a ser repetida, muitas vezes de forma consciente, para enganar a opinião pública.
Por fim, mas não menos importante: este conflito é entre os professores e o governo. Nunca devemos esquecer isso e apontar o dedo a esta ou àquela árvore para tentar atingir a floresta.
(Negrito nosso)