Paulo Guinote
Ainda encontro textos que me transmitem a noção de que existem pessoas com os pés na Terra quando falam da Educação em Portugal na nossa comunicação social, Mas, a sensação geral quando assisto a debates com especialistas na matéria ou a declarações de alguns governantes é a de que eles são soberanos ou cortesãos de um reino que não pertence ao meu mundo e ao da generalidade dos professores que teimam em encarar a realidade sem filtragens ideológicas ou conveniências tácticas.
Uma das áreas em que se faz sentir de forma mais profunda uma enorme clivagem, diria mesmo desvinculação, entre o quotidiano terreno de uns e os discursos celestiais de outros passa pelo que estes insistem em doutrinar como o “ensino para os alunos do século XXI” e que se concretiza na apresentação orgulhosa de “salas do futuro” que fazem a criança em mim que outrora se maravilhou com o O Caminho das Estrelas e o Espaço 1999 e ainda não feneceu, interrogar-se acerca da pobreza imaginativa de quem acha que distribuindo umas cadeiras coloridas com rodinhas e uns quantos computadores ou tablets numa ou duas salas, em escolas cuidadosamente seleccionadas, se consegue uma Primavera Tecnológica. Ainda pior quando se apresentam “salas do futuro” inauguradas há alguns anos, sem que desde então tenham mudado, o que imediatamente as torna salas do passado.
A forma como se repete um discurso simplista, diria mesmo simplório, e deslumbrado com o “século XXI” e toda uma “revolução digital” deixa-me, para além de desgostoso com a evidente falta de leituras de antecipação científica (basta ler o Ender’s Game/O Jogo Final de Orson Scott Card de 1985 para se ter uma visão muito mais avançada de ambientes digitais de aprendizagem), bastante convencido que há quem viva num Reino que não é do mundo comum em que a maioria de nós se move na rede pública de ensino. Onde a larga maioria das salas apenas dispõe de um computador para o professor tentar cumprir as suas obrigações burocráticas enquanto a rede funciona; onde a banda larga é de uma estreiteza atroz que inviabiliza actividades que exijam a participação simultânea de uma dezena de terminais; onde as condições de luminosidade tornam quase impossível uma utilização adequada dos alvos quadros interactivos, em virtude de estores ausentes ou meramente danificados sem que exista verba para os reparar; onde as cadeiras e mesas, ainda mais do que os próprios docentes que agora se descobriu que avançam na idade com a passagem do tempo, padecem de um notório envelhecimento material que as torna relíquias, elas sim, das “escolas do século XX”. Onde, enfim, sobreviver no presente se torna a principal preocupação humana, mais do que qualquer aspiração a uma cibernética inteligência artificial.
Pode parecer que estou a carregar em excesso nos traços sarcásticos de uma caricatura que não fará justiça a tudo o que se passa nas nossas escolas. Sim, pode ser, mas é a reacção que me despertam certas divagações carregadas de clichés requentados ou delírios de grandeza inovadora de uma clique de auto-proclamados “líderes” educacionais que nos querem fazer acreditar que a excepção é a regra excepcional. E que eles são excepcionais.
A Educação fez grandes progressos nas últimas décadas, mudou muito mais do que lhe é reconhecido, mas é evidente que precisa repensar-se e avançar por novos caminhos. Mas isso dificilmente pode acontecer quando a visão do “futuro” se cristalizou há mais de uma geração ou depende dos discípulos de quem já há muito abandonou este mundo, erguendo-se ao Olimpo dos Pedagogos. Ou Pedabobos, como dizia um amigo que espero leitor destas linhas.