Luís Aguiar-Conraria, economista e professor da Universidade do Minho em entrevista à Ensino Magazine
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A tese de Costa e Silva na proposta apresentada ao governo é que devemos ter agora mais Estado na economia, mas quando se der a retoma, o Estado deve fazer marcha atrás. Por exemplo, concorda com uma espécie de TGV entre Lisboa e Porto?
Não consigo perceber. Portugal devia ocupar-se e preocupar-se em fazer as coisas que tem em mãos bem feitas em vez de estar sempre a planear coisas novas. Neste momento, temos o Alfa Pendular Lisboa-Porto (e que também vem até Braga) e em grande parte desta linha o comboio não vem à velocidade máxima possível. Já entre Braga e o Porto demora 45 minutos, quando devia demorar 15 minutos. O que era perfeitamente viável com a estrutura que temos. Preferimos perder tempo a discutir investimentos altíssimos, alguns deles sem qualquer análise custo-benefício. Para além disso, ainda não metemos o Alfa Pendular a funcionar como deve ser e já falamos de uma nova linha. Não consigo perceber a lógica. São ideias que eu considero tolas.
Fala-se que Portugal é um país de reformas adiadas. Ao nível da qualificação, qual identifica como a principal transformação a desenvolver?
Primeiro, é preciso dizer que qualquer reforma bem feita que se faça só terá impacto nos próximos vinte anos. Não há balas mágicas. Há vários estudos cognitivos e de educação que mostram que estudar quando se é jovem é uma coisa e quando se é adulto é outra. Por isso, numa faixa etária mais elevada será difícil que qualquer esforço de qualificação altere a capacidade produtiva de forma radical. Logo, ao nível da qualificação das pessoas, o que me parece sensato fazer é um investimento a longo prazo, ou seja, nas escolas e na educação. Mas como disse, os efeitos só se irão sentir ao longo de gerações. Do lado das empresas, as que forem melhor geridas, do ponto de vista dos processos produtivos, funcionam melhor. Mas isso é um trabalho que compete aos gestores e aos empresários.
A pandemia e o confinamento mudaram tudo e a escola não escapou. O ministro da Educação disse que este «foi o ano em que a escola se reinventou». Concorda?
A escola, os alunos e os professores não se reinventaram, eu acho que se desenrascaram. E dentro do que era possível, acho que correu bem, até pela urgência do processo, nomeadamente ao nível das ferramentas informáticas. Vários estudos concluem que o ensino à distância não funciona tão bem como o ensino presencial e basta falar da técnica de dar uma aula numa sala para perceber isto. Eu «agarrar» um aluno numa sala não é o mesmo que «agarrar» um aluno no computador - aliás, numa videoconferência metade dos alunos tem as câmaras desligadas, uns por boas razões (porque a rede é fraca) e outros por más razões, simplesmente porque lá não estão. Faz toda a diferença.
Quem perdeu mais com o confinamento?
Claramente os alunos. A minha vida, enquanto professor, no próximo ano letivo continua na mesma - isto se tudo voltar mais ou menos à normalidade. Já o aluno pode ter perdido cerca de três meses de aulas que podem ter sido importantes. Mas creio que este problema manifesta-se com maior gravidade em níveis de ensino inferiores (secundário e básico) e não tanto nas universidades.
Defende que o combate às desigualdades só se garante com uma boa educação para as crianças das classes mais desfavorecidas. Esta pandemia expôs as assimetrias do sistema educativo português?
As fragilidades já eram conhecidas, isto apesar de termos melhorado nos últimos anos nos resultados comparativos internacionais. Mas se for ver esses relatórios ao detalhe, constatará que a performance dos alunos portugueses é a que mais correlacionada está com as qualificações dos pais. O que isto nos diz é que o sistema educativo é muito mau a promover as crianças que veem de famílias mais desfavorecidas. Isto já era um facto e a pandemia só veio agravar.
O plano de regresso às aulas e de recuperação da aprendizagem foi o que esperava?
Andei semanas nas redes sociais a pedir que o Ministério da Educação apresentasse um plano para o regresso às aulas. Não sendo especialista em educação, em particular nos graus do básico e do secundário, mas parece-me que tudo o que foi anunciado é o correto. Ou seja, reforço dos docentes, criação de tutorias para dar explicação aos alunos com mais dificuldades, redução das férias, parecem-me decisões bem tomadas. Mas fiquei logo assustado e de pé atrás quando ouvi a verba envolvida para concretizar estas medidas: 125 milhões de euros. Não é nada. Para ter a noção, a proposta do CDS aprovada no Parlamento para não haver devolução de manuais custa…150 milhões de euros. Não posso acreditar que um projeto de recuperação e aprendizagem custe menos do que isto. E quando começamos a pegar nos detalhes, concluímos que o que está previsto para contratar professores extra é menos do que um professor por escola. É a isto que chamam um grande plano?
Queixa-se da escassez de recursos alocados para a educação. A educação já não apaixona, como no tempo de Guterres ou é fogo que arde sem se ver?
Pode não ter existido um pacto formal entre partidos para a educação, mas é preciso reconhecer que nos últimos 30 anos têm sido feitos muitos progressos. Temos defeitos estruturais e a grande pecha que eu aponto é o facto de a educação não parecer ser um bom elevador social e de estar a falhar no papel de combate às desigualdades. São problemas que têm de ser rapidamente atacados. Para além disso, preocupa-me o movimento de segregação social nas escolas, em que as famílias que não conseguem por os seus filhos nas escolas públicas de elite nos grandes centros urbanos e acabam por pô-los nas privadas. Neste contexto, as classes sociais mantêm-se afastadas umas das outras e isso é o caldo para se perpetuarem as classes sociais como elas estão. E é também nesta dimensão que o nosso ensino está a falhar.
Como avalia o trabalho desenvolvido pelo ministro Tiago Brandão Rodrigues?
Acho mesmo que este ministro é muito fraquinho. Não há volta a dar. Tenho medo de estar a ser injusto, mas acho que ele está a fazer o melhor que pode. Não tem a noção dos problemas que tem em mãos.