Faz dois meses do início do ano letivo e do regresso do ensino presencial às escolas desde o princípio da pandemia. Apesar do aumento significativo no número de casos de Covid-19 durante as últimas semanas, as escolas permanecem abertas, em atividade. Ou, como muitos dizem, estão a funcionar “normalmente”. Exceto que, de normal, não há nada e os desafios que se apresentam aos professores, alunos e a toda a comunidade escolar são maiores do que nunca.
O uso constante de máscaras, o impedimento de partilha de material, o distanciamento obrigatório, as regras de higienização, os espaços-bolha para cada turma, entre várias outras medidas, dificultam – e muito – a boa experiência no ambiente escolar e, por consequência, o processo de aprendizagem.
Não há dúvidas, porém, de que é fundamental que as escolas continuem abertas. O ensino à distância e as diversas ferramentas que proporciona, apesar de serem uma excelente alternativa e complemento aos estudos, também revelaram limitações e agravaram desigualdades. A falta de acesso a computadores (ou a partilha de apenas um computador entre toda a família) e de espaços apropriados para o estudo em casa, o risco aumentado de exposição à violência doméstica e insegurança alimentar e a ansiedade generalizada que a situação provocou são apenas alguns exemplos. Além disso, a ausência de contacto afetivo, neste caso com os colegas e professores, que representa uma componente crucial no desenvolvimento humano, também ficou prejudicada.
É de conhecimento geral que as famílias em situação socioeconómica desfavorável são as que mais sofreram as consequências da pandemia e do ensino à distância. Pelo menos um quarto dos estudantes do ensino básico em Portugal não teve acesso a um computador, o que deixou a maioria com pouquíssimo – ou nenhum – acesso às oportunidades educativas promovidas pelas escolas. Atualmente, em Portugal, há 137 agrupamentos escolares inseridos no programa TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária), que abrangem escolas em contextos socioeconómicos desfavoráveis e, se o ensino à distância ainda apresenta tantas limitações, para estas populações é mesmo insuficiente para suprir as necessidades educativas básicas das crianças e adolescentes.
Apesar da taxa de abandono escolar em Portugal ter diminuído nos últimos anos, o Governo já alertou para o seu potencial aumento no contexto pós-pandemia. Muitos alunos, simplesmente, “saíram do radar”, por diversas razões, e não será tarefa fácil inseri-los novamente no sistema educativo.
Para o retorno às aulas presenciais, um
relatório da DGE revelou preocupações com a consolidação e recuperação de aprendizagens, comprometidas durante o período do ensino à distância. Entre as orientações comunicadas às escolas, definiu-se a garantia do bem-estar socioemocional dos alunos como uma das prioridades para o ano, além da reorganização de grupos de trabalho e expansão dos programas de mentoria e tutoria personalizada. Todo o apoio possível, neste momento, é fundamental para minimizar os efeitos negativos da pandemia na educação.
Um
relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), sobre a reabertura das escolas, afirma que é esperado dos professores que, mais do que nunca, sejam inovadores e “game changers”, que o seu papel será muito diferente de anos anteriores e de total importância para o sucesso das escolas pós-pandemia. O
relatório sugere que os professores devem liderar a mudança e assumir, para além das funções educativas,
um papel estratégico nas decisões da escola e de apoio a toda a comunidade escolar.
Ou seja, durante o período anterior, os professores precisaram, de um dia para o outro, de procurar soluções para manter as aulas online, muitas vezes eles próprios sem condições ou conhecimento suficiente para tal. Agora, no regresso à escola, o cenário parece ainda mais complexo: alunos com perda acentuada de aprendizagem, menos competências sociais, um quadro grave de ansiedade geral, milhares de professores com a possibilidade de se afastarem por baixa médica, a incerteza de como proceder com avaliações (qual a forma mais justa nesse momento?), carga horária extra com reuniões online sem fim e o medo constante pela própria saúde. Em Portugal, aproximadamente 20% dos professores têm mais de 60 anos e muitos outros estão em regime de mobilidade, o que significa, muitas vezes, estar longe das suas famílias.
Segundo Paulo Freire, a educação deve estar ao serviço da transformação social e, portanto, deve ser libertadora e permitir o pleno desenvolvimento do potencial humano. Se é, desde sempre, um trabalho muito desafiante, garantir o pleno desenvolvimento de tantas crianças e jovens em tempos de pandemia parece mesmo ser uma tarefa para super-heróis e heroínas.
Torna-se, então, ainda mais escancarada a pouca valorização e remuneração dos professores, comparada com a alta carga de responsabilidade que acumulam. Entre rejeitar os abraços, o cansaço de dar tantas aulas com o uso de máscaras e todas as outras circunstâncias, os professores estão a “dar a cara a tapas”, todos os dias, nas escolas, com coragem e determinação.
Tal como disse Malala, “uma criança, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo”. Não há palavras suficientes para reconhecer todos os professores e professoras, que estão, neste momento com muito mais esforço, a tentar mudar o mundo, uma criança de cada vez, e estão, também, no topo da lista de heróis e heroínas desta pandemia – e fora dela.