É função da escola humanizar, ensinar
às crianças e jovens estudantes o conhecimento, o caminho, como o mundo é,
preparando os alunos para o amanhã que os espera e no qual vão ser decisores,
enquanto futuros adultos em plenitude e exercício de uma cidadania responsável
e interventiva.
A educação, o ensino, a
aprendizagem e os valores transmitidos, partilhados e descobertos na escola,
são a súmula do trabalho e parceria família-escola, casa-escola,
governo-sistema educativo, professor-aluno. Para resultar, tem de haver o
ambiente contextualizado do princípio colaborativo, senão falha, mesmo com
professores «embriagados de amor» (Nildo Lage) pela arte de ensinar o
património intelectual e o saber inter-geracional humano.
A escola invertida está nas
antípodas da escola tradicional; inverte a dinâmica rotino-costumada da sala de
aula, assumindo a premissa do trabalho motivacional pessoal, responsável e
colaborativo do aluno. É uma inversão (i)lógica do modelo de aula, de
metodologia activa, em que se passa do modelo tradicional de aula expositiva
centrada no professor, para o modelo de sala de aula invertida, «flipped
classroom», focada no educando, o que implica trabalho de casa dos alunos, com
auto-aprendizagem de conteúdos e conceitos, sem acompanhamento do professor,
recursos virtuais e salvatério da ferramenta de trabalho que é a tutoria
digital. As dúvidas são tiradas nas aulas pelos docentes. Uma utopia
teórico-pedagógica de disfunção prática provada, pela simples razão da não
disponibilidade dos alunos para trabalhar, na actualidade presente, hoje.
Paradigma, filosofia e cânone
de escola apenas explicado por um absoluto desfasamento da realidade escolar
hoje, por parte das iluminárias do Ministério da Educação (ME) e
desconhecimento ignaro ficcionado do público-alvo em dessintonia e negação
hiperbolizante – os educandos.
Num modelo de escola a tempo
inteiro, supor a veleidade de trabalho de casa acrescido com materiais,
leituras, pesquisa e visionamento web, tutoria digital aprofundada, etc., é de
comportamento sistémico néscio e imprudência política gritante. Mais o
fantasiar depois na sala de aula de práticas e habilidades alternativas,
apresentação (in)cumpridora dos trabalhos «caseiros» discentes, com debates,
discussão e avaliação inter-pares, é no mínimo um exercício de ingenuidade, pensamento
simplório, fé e milagre. Para mais com o grave problema da (não) inclusão
educativa e do crescente número de alunos não lentes nem escreventes,
frequentadores da escola-ensino básico obrigatório; com certificado de
frequência e não com validação certificada de aproveitamento e competências. E
não há motivação lúdica e on-line, jogos e gamificação, vídeo-aulas, webquests,
quizzes e podcasts que o valha. Tendo como resultado o falhanço clamoroso deste
tipo de ensino híbrido, em que o professor é um mediador da aprendizagem,
aplicando dinâmicas, tirando dúvidas, estimulando o aluno à busca e descoberta,
questionamento e mergulho no mundi scientia. Só que não resulta mesmo.
Os resultados axio-humanos negativos e escolares reais do pedagogismo-didactismo
da escola invertida, são uma infeliz realidade demonstrada à saciedade. É esta
a triste realidade. Não o admitir é estar-viver em estado de negação.
A escola ao contrário,
descurou a dimensão humana docente da educação e valorou-enveredou por um
ensino esco-digital-tech desumanizado. Trocou a dialéctica humana (caminho
entre as ideias – do grego dialektiké) pelo interface tecnológico humanóide.
Abjurou a humanista díade dialéctica professor-aluno, em perda para a escola IA
Gen. Permutou a re-humanização da escola tradicional natural, agora minimizada
e minimalista, pela escola criptonizada do professor-algoritmo maximus.
Donde, só poderia resultar toxicidade e desconexão, leia-se insucesso escolar real
à vista de todos nós. É nefasta a ideia-filosofia errada da abordagem sistémica
vigente do trabalho dos alunos e de uma escola sem esforço, de satisfação
permanente, adaptação a vontades e felicidade hilariante. Ora, o paradigma de
escola é o contrário de tudo isto. A escola é igual a trabalho, estudo, esforço
e dedicação.
Para a posteridade, a talhe de
foice, sublinhamos dois dos graves problemas que atormentam a escola pública
invertida neste presente e difícil momentum: tendo a ver com o
problema-modelo de aprendizagem, e com a felicidade permanente e em permanência
dos alunos. A percentagem elevada da numerologia do pseudo-sucesso educativo milagreiro
das iluminadas medidas de recuperação e suporte às aprendizagens, a nada
cooperante, (in)activa e (es)forçada não dedicação estudantil à causa da
aprendizagem escolar, finalizam na meta-felicidade do estrondoso sucesso
burocrático-estatístico da escola-digi-tech IA Gen do consulado socialista. É
que ninguém ensina quem obstaculiza nem quer aprender.
Ficam as seguintes citações
que falam por si mesmas, para reflexão, introspecção, interiorização e decisão
do poder político.
«Contrariamente a outros
profissionais, o trabalho do professor depende da colaboração do aluno: “um
cirurgião opera com o doente anestesiado e um advogado pode defender um cliente
silencioso, mas o sucesso do professor depende da cooperação activa do aluno”
(Labaree, 2000). Ninguém ensina quem não quer aprender. Em 1933, John Dewey
sugeriu, numa comparação provocatória, que do mesmo modo que não é possível ser
bom vendedor se não existir alguém que compre, também não é possível ser bom
professor se não houver alguém que aprenda». (António Nóvoa, Espaços de
educação, Tempos de formação, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, pp.237-263)
«A missão da escola não é
fazer os alunos felizes, mas sim (…) dar-lhe instrumentos para a construção da
sua própria felicidade, além de, como citava T. S. Eliott, fornecer-lhes os
meios para ganharem honestamente a vida e equipá-los para desempenhar o seu
papel como cidadãos plenos numa democracia. Para isso a escola deve desenvolver
o necessário equipamento cognitivo e muscular as qualidades indispensáveis para
estas tarefas, preparando-os assim para a luta do mundo. A minha tese é, pois
muito simples: a escola fácil não cumpre a missão de preparar os alunos para a
vida difícil» (João Lobo Antunes, 1944-2016, neurocirurgião, professor
universitário, escritor)
A escola protótipo de padrão invertido,
mais aumenta a frustração docente decorrente do facto avesso da tutela interverter
o real papel, sentido e logicidade da escola, não deixando os professores serem
profissionais e adulterando negativamente a ideia de uma pseudo-escola que
(im)prepara para a vida. Na vida nem tudo são rosas; as rosas têm espinhos. As
dificuldades e o difícil fazem parte da vida; e a escola, pela sua intrínseca
natureza, não se coaduna com o fácil, as facilidades e o facilitismo – fazê-lo
é o abastardamento de negá-la e matá-la.
Esta escola invertida do digital
virtual e da inteligência artificial de atrofia cerebral e entropia neuronal e
das sinapses – no sentido figurado da desordem, contingência acrítica e
irreversibilidade de um processo rasante de pensamento, com ausência humana e sem
naturalidade, ensina a pensar? E, aonde pára a dimensão cérebro-mental, de capital
importância e principal tarefa do professor que é ensinar a cogitar e despertar
os seus alunos para a reflexão e o questionamento? Em suma, a leccionação e a
cumplicidade pessoal-dual para motivar e incutir no aluno a necessidade para o
pensamento e raciocínio crítico, ler em papel, escrever manualmente, treino
intelectivo e interacção humanizante.
A construção política da infelicidade
e disfuncionalidade professoral e a crio-invenção da felicidade discente na
escola invertida, contribuiu decisivamente para a fragilização e queda de uma escola
pública que perdeu qualidade por culpa ministerial. A inversão negativa identitária
da escola e desconstrutora da idiossincrasia docente, fere de morte o
desempenho dos professores, com políticas e reformas educativas contrárias e ao
arrepio das boas e eficientes práticas. «Negando» o recurso do professor a uma
miríade de métodos e abordagens. E não, não está esgotado o modelo do professor
emissor e do aluno receptor – é intemporal. E o sistema deixa o professor ser
professor?! (…)
As ferramentas para a
construção de uma «happy school», que eduque para a «science of happiness» da «non-flipped
public school», só é possível com a postura de um ME ao lado e não contra os
trabalhadores didactas que tutela. Não interferindo no modus operandi pedagógico-didáctico
dos professores, trabalhadores profissionais especialistas de e em educação.
«Escola é, sobretudo, gente, gente que trabalha, que estuda, que se alegra, se conhece, se estima». (Paulo Freire)