José Eduardo Lemos - Presidente do Conselho das Escolas
Alguns partidos políticos da ala mais à esquerda do Parlamento uniram-se, recentemente, em torno de uma federação de sindicatos de professores reclamando por mais democracia na gestão e administração das escolas públicas, na linha, aliás, do que defendeu em artigo de opinião, o secretário-geral dessa federação. Já existe, pelo menos, uma proposta de lei de um desses partidos para alterar o atual modelo de administração e gestão das escolas.
Paralelamente, vinte e uma “personalidades ligadas à educação, política e cultura” lançaram um manifesto para se abrir um debate sobre o atual modelo de gestão das escolas pois, consideram, que a “estrutura unipessoal” de gestão, leia-se, o diretor, “esmaga” a identidade de cada escola.
Em ambos os casos, percebe-se uma acrimónia à figura do diretor escolar. Nitidamente, quer esses partidos políticos, quer alguns sindicatos de professores, quer as “personalidades” promotoras do manifesto, todos pretendem substituir a gestão unipessoal, os diretores, por uma gestão colegial para, declaradamente, deixarmos de assistir a uma “…desvalorização da cultura democrática nas escolas e à anulação da participação coletiva dos professores, dos alunos e da comunidade educativa”. A fazer fé nas intervenções destas entidades, os diretores são elementos nocivos nas escolas.
Todavia, quem observar a importante redução do abandono escolar e a melhoria contínua dos resultados escolares dos alunos, inclusive nas avaliações internacionais, verificados nos últimos 10 anos, nunca verá os diretores ou o atual modelo de gestão como empecilhos ou algo de nocivo para as escolas e a Educação. Antes pelo contrário, com imparcialidade, não poderá deixar de atribuir a ambos uma quota-parte da responsabilidade por esses sucessos. Ninguém, de boa-fé, poderá afirmar que os diretores não corresponderam aos desígnios estabelecidos para a escola pública pelos poderes políticos. Os diretores não falharam.
Os diretores das escolas são eleitos para o cargo por votação secreta dos membros do Conselho Geral que, note-se bem, é constituído por representantes dos professores, do pessoal não docente e dos alunos, também eles eleitos através de escrutínio direto e universal de cada corpo eleitoral que representam. Participam ainda na escolha do diretor os representantes dos pais e encarregados de educação, eleitos, os representantes da autarquia e de interesses da comunidade local.
Sem colocar em causa a possibilidade de outras configurações do universo eleitoral, também elas democráticas, não restam dúvidas de que a eleição do diretor - assim como as várias eleições que se fazem no seio da comunidade escolar - reforça a democracia e a cultura democrática das Escolas. Em boa verdade, não existe nenhum outro dirigente de um serviço da administração pública que seja escolhido de forma tão democrática e participada, através de eleição, pelos utentes internos e externos desse serviço, como é o diretor de uma escola.
Outra questão será a de saber se a gestão das escolas, da responsabilidade direta do diretor, cerceia a democracia e anula a intervenção de cada elemento da comunidade na vida escolar? A resposta também é negativa. Por um lado, porque o atual modelo de gestão prevê estruturas e órgãos próprios, cuja distribuição de responsabilidades e competências assegura o equilíbrio de poderes; por outro, porque os elementos da comunidade educativa, para além da sua intervenção a título individual, enquanto cidadãos com interesses diretos nas escolas, têm assento e participam nas decisões desses órgãos e estruturas.
Acresce que, ao contrário do que se afirma mais ou menos explicitamente no manifesto e na proposta de lei, não há nenhuma relação direta ou de causa-efeito entre a existência de um órgão de gestão colegial e o reforço da democracia ou da participação coletiva de professores e alunos nas escolas. Ou seja, não é a natureza do órgão de gestão das escolas que as torna mais ou menos democráticas, tal como um país não é mais nem menos democrático se optar por um sistema de governo presidencialista ou parlamentarista. Quando muito, em nome do reforço da autonomia e não de reforço da democracia das escolas, é defensável que sejam estas a escolher o modelo de gestão – unipessoal ou colegial – que pretendem para executar o seu projeto educativo.
É necessário dizer isto de forma clara e inequívoca: ao contrário do que sugerem e afirmam alguns políticos e outras personalidades, é absolutamente falso que não haja democracia nas escolas bem como assim, que a substituição de órgãos unipessoais por órgãos colegiais garanta mais democracia na organização escolar.
Na história recente da democracia portuguesa, dificilmente encontraremos momentos em que tivesse havido mais democracia nas escolas do que aquela que há atualmente. Tivessem os sucessivos Governos, desde abril de 1974, seguido o modelo de “gestão democrática” defendido por estes partidos e entidades e, ainda hoje, a escola “democrática” não chegaria aos alunos, aos funcionários, aos pais, às autarquias e, muito menos, a outros interesses da comunidade educativa. Tal como acontecerá caso o projeto de lei 363/XIII, apresentado pelo PCP, se venha a transformar em lei: o modelo de administração e gestão dos estabelecimentos de ensino públicos recuará mais de vinte anos, voltando ao tempo em que as decisões estratégicas e os interesses das escolas – elementos intrínsecos e indispensáveis à afirmação da sua autonomia - ficarão, exclusivamente, nas mãos da administração educativa e dos professores, o que não será bom nem para as escolas públicas nem para a Educação.