Santana Castilho - Público
Na carta que não escreveu, António Costa poderia ter dito que, se queremos mudar Portugal, temos que dar atenção à Educação e alterar-lhe o rumo.
A menos de um mês das legislativas, António Costa vai para o debate de logo à noite com uma pressão sobre os ombros bem maior que a do seu opositor. Porque a mensagem do PS não tem passado, apesar de ter um favorável cenário para que passasse: quatro anos de aplicação de uma receita de austeridade, que gerou sofrimento generalizado e famílias inteiras lançadas na pobreza e que não conseguiu cumprir um só dos objectivos.
Não foi elegante o processo que trocou António José Seguro por António Costa. Mas assentava num argumento forte: face a um Governo desgastado, a curta margem com que Seguro acabava de vencer as eleições inquietava. As sondagens mostram agora a coligação PSD/CDS-PP quase a par do PS. Para quem a tinha, o mesmo argumento deve tornar essa inquietação bem maior.
Pode uma política responsável por 4 anos de retrocesso e empobrecimento mobilizar 34,8% dos portugueses (intenção de voto na PAF segundo a sondagem da Eurosondagem, relativa a Agosto)? A explicação só pode estar na falta de propostas concretas, que tornem as alternativas credíveis, e num excesso de discurso sobre economia e finanças, que já cansa. Ora é neste quadro que os 20% de indecisos ganham importância acrescida e terão motivado António Costa a escrever-lhes oito cartas. Uma delas, a que ele não escreveu, deveria ter corrigido a vacuidade do discurso do PS sobre Educação. Dir-se-ia que António Costa não se deu conta de que o assunto interessa a cerca de 2 milhões de alunos, 4 milhões de pais e um pouco mais de 150 mil professores (incluo os desempregados).
Quando, em Março, António Costa apresentou 55 propostas, a que ele próprio chamou "o primeiro capítulo do programa de Governo", a Educação não mereceu epígrafe própria. No documento Uma Década para Portugal,apresentado publicamente após um concurso de professores com 26.573 candidatos para 1.954 vagas, o PS falava de estabelecer incentivos à fixação de professores em zonas menos atractivas, como se tivéssemos alguma dificuldade em preencher algum lugar em qualquer parte do país. E deste começo nada auspicioso, partiu para um programa eleitoral cheio de generalidades, algumas banalidades e várias inconveniências (PACC, exames de 4º e 6º anos, municipalização, escola a tempo inteiro e formação a rodos para os professores, por exemplo).
Ora na carta que não escreveu, António Costa poderia ter dito que, se queremos mudar Portugal, temos que dar atenção à Educação e alterar-lhe o rumo, com as seguintes medidas concretas, que poderia ter decidido acrescentar ao seu programa:
- Alterar o modelo de gestão das escolas, entregando a professores eleitos por professores a responsabilidade efectiva de as gerir, devolvendo-lhes a democraticidade perdida e conferindo-lhes ampla autonomia.
- Recuperar a figura tradicional de escola como unidade orgânica, com gestão própria, de modo a devolver às escolas a identidade que os agrupamentos lhes retiraram.
- Conferir aos quadros de pessoal das escolas a dimensão adequada às suas necessidades permanentes.
- Permitir que as escolas com problemas ensaiem turmas reduzidas e tenham dois professores por turma, em situações específicas.
- Retomar a universalização das aulas com 50 minutos de duração.
- Reorganizar e aumentar as respostas a crianças com necessidades educativas especiais ou oriundas de minorias étnicas, religiosas e culturais.
- Substituir o estatuto do aluno, de carácter nacional, por simples códigos de conduta, construídos dentro de cada escola.
- Despojar o processo disciplinar escolar das garantias que hoje tem, similares às do processo penal, conferindo-lhe carácter sumário, de natureza pedagógica, com medidas definitivas e executórias da responsabilidade exclusiva dos órgãos pedagógicos da escola.
- Conferir aos professores estatuto de autoridade pública, com todas as consequências legais.
- Criar serviços de orientação escolar, vocacional e tutorial nas escolas.
- Diminuir a taxa de reprovações, identificando precocemente os obstáculos à aprendizagem e conferindo às escolas meios materiais e humanos para superá-los, reconhecendo que os alunos têm ritmos e necessidades diferentes.
- Criar um departamento de desenvolvimento curricular, especializado e permanente, que substituiria a cultura assente em grupos ad hoc, sempre que se operam intervenções em planos de estudo e programas.
- Redefinir globalmente os planos de estudo e os programas disciplinares, expurgando-os dos milhares de metas incumpríveis, sem sentido nem escala humana razoável.
- Diminuir as elevadas cargas curriculares actuais, desajustadas ao desenvolvimento psicológico das crianças e recuperando a importância das artes, expressões e actividades físicas e desportivas.
- Reduzir o peso institucional e social dos exames nacionais e acabar com a sua aplicação nos 4º e 6º anos de escolaridade.
- Dignificar o ensino profissional e interditar qualquer adopção vocacional em idade precoce.
- Atrasar a entrada no ensino básico para os sete anos de idade.
- Conceber um estatuto de carreira docente, em que os professores portugueses se revejam, que seja instrumento de desburocratização da profissão e fixe um referencial deontológico claro.
- Revogar de imediato o actual modelo de avaliação do desempenho dos professores, que perderá o seu carácter universal e será substituído por instrumentos definidos autonomamente em cada unidade orgânica, privilegiando a avaliação do desempenho da Escola, enquanto somatório do desempenho dos seus actores, sendo certo que contextos científicos e pedagógicos diferentes não podem ser avaliados do mesmo modo.
- Reavaliar e reformular toda a legislação que regula os concursos e a contratação dos professores, aceitando que devem ter sempre natureza nacional, com base na graduação profissional dos candidatos.
- Redefinir toda a missão e estrutura da Inspecção-Geral da Educação e Ciência, orientando-a prioritariamente para a vertente pedagógica.