Escravos do sistema da educação
Com o aproximar do início do ano letivo, alguns professores começam a sentir a falta da escola e dos alunos. Mas será que têm vontade de trabalhar com turmas lotadas de alunos? Será que têm condições de trabalhar, com horários das nove às vinte horas? Ou será que querem continuar a fazer deslocações diárias de hora e meia, gastando um quarto do ordenado em combustível ou transportes “públicos”?
Apesar de afetar grande parte da classe docente, esta situação agrava-se no 1º ciclo, porque estes professores lecionam seis a oito disciplinas, podendo ter mais do que um ano de escolaridade por turma.
Sobre eles cai uma grande responsabilidade, que não é reconhecida por quem legisla e gere a educação, que continuam a “espremer” estes professores com mais tarefas e alunos.
Será que a tutela não consegue compreender a urgência de diminuir o número de alunos por turma e a carga horária letiva destes “escravos”!
Eles lecionam cinco horas por dia, uma média de 26 alunos, podendo haver educandos de vários anos letivos e com necessidades educativas diferenciadas.
Eles planeiam, organizam e gerem a articulação entre anos letivos, projetos, clubes, atividades de enriquecimento letivo (AEC) e ciclos.
Eles reúnem regularmente com os colegas de departamento, com os do ano, e com os docentes do estabelecimento de ensino, além de reunirem com os encarregados de educação, sempre que é necessário.
Eles fazem a gestão do leite escolar, dos intervalos e, por vezes, dos refeitórios.
Eles organizam, providenciam, dinamizam e participam em várias festas e eventos comemorativos ao longo do ano, tais como: dia da alimentação, magusto, halloween, natal, carnaval, dia desportivo, dia do agrupamento, páscoa e final do ano letivo.
Eles articulam com encarregados de educação, psicólogos, técnicos de terapia, proteção de menores e outras entidades.
Eles elaboram, aplicam, corrigem e fazem a cotação das fichas de 26 alunos para cada uma das seis/oito disciplinas (aproximadamente 260 fichas por período), a isto podemos acrescentar a correção das provas de aferição.
Muito tem eles que fazer, depois de cinco horas a lecionar aos alunos com idades entre os 5 e 10 anos.
Devido a incompatibilidade dos horários, os professores do 1º ciclo só conseguem reunir depois das dezoito horas, perlongando assim a sua jornada laboral até às vinte horas. Mas o trabalho não acaba por aqui.
De regresso a casa (os que podem) ainda têm de ler e analisar emails enviados por colegas, coordenadores, diretores e outras entidades que como resposta solicitam, muitas vezes, a elaboração de documentos, sobrecarregando por mais algumas horas o trabalho deste profissionais.
Os professores do 1º ciclo cumprem com as suas obrigações, mas sabem que ao realizarem todas estas tarefas vivem e trabalham no limite do esforço, ficando impossibilitados de gerir de forma adequada aquilo que é o centro do seu trabalho: “ensinar”.
É fundamental preencher o vazio de representantes dos docente do 1º ciclo, para defender e criar uma escola pública de qualidade no 1º ciclo.
Definir uma componente letiva adequada à realidade educativa atual, de 22 horas de aulas, criando tempos semanais fixos (entre as 14 e as 17 horas), para desenvolver a articulação tão necessária para quem trabalha em monodocência e em coadjuvação.
É importante não esquecer que o atual horário de trabalho dos docentes do 1º ciclo é de 25 horas mais 3 (horas de estabelecimento), mais a componente não letiva, perfazendo 35/40 horas no total.
O problema é que atualmente os docentes trabalham em média 50 a 65 horas por semana!
É necessário “libertar” estes professores e dar-lhes as condições necessárias para a construção de uma escola pública de qualidade.
Todos nós – professores, alunos, famílias, governantes – ficaríamos a ganhar.
20 de agosto de 2016