Filinto Lima - Jornal de Notícias
No discurso solene do passado dia 5 de outubro, o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, reforçou a ideia da aproximação de entendimentos, aludindo mesmo a "apelos de convergência", na minha perspetiva, reiterando a necessidade de um pacto nas diversas áreas da governação, incluindo na educação.
Porém, este intento é muito difícil de consensualizar, sobretudo numa pasta em que as reformas se concretizam a um ritmo vertiginoso, uma vez operada alteração na cor do partido do Governo. E, se por um lado, quando estão na Oposição, o(s) partido(s) procuram alguma convergência, quando se apanham no poder, a nota de ordem é... convergência para que te quero?
Não obstante, a história mais recente da educação nacional apresenta um exemplo assaz peculiar: um partido de Esquerda (PS) inicia medida de política educativa (artigo 7.º do decreto lei n.º 75/2008, de 22 de abril), permitindo à "administração educativa, por sua iniciativa ou sob proposta dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, constituir unidades administrativas de maior dimensão por agregação de agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas", vulgo mega-agrupamentos, e outro de Centro/Direita (PSD/CDS) termina esse mesmo percurso. "Se um disse mata, o outro disse esfola", daí questiono: poderá haver um pacto (ainda que oculto) somente para a asneira?
Esta saga teve início no ano letivo 2010/2011, na tutela do XVIII Governo Constitucional (José Sócrates foi primeiro-ministro e Isabel Alçada a ministra da Educação), com a constituição de 84 agregações de escolas e escolas não agrupadas, cabendo ao Governo subsequente, o XIX Governo Constitucional (de 21 de junho de 2011 a 30 de outubro de 2015, com Pedro Passos Coelho como primeiro-ministro e Nuno Crato como ministro da Educação), a maior fatia de um bolo que totalizou 318 novos agrupamentos.
Na maior parte dos casos, uma asneira de abrangência... nacional!
A esmagadora maioria das escolas agrupadas foram-no contra a sua vontade, testemunhando-se ainda um desrespeito profundo pela opinião das autarquias. O pressuposto que presidiu a esta façanha foi, uma vez mais (já não se estranha), economicista, numa ausência declarada de critérios uniformes de decisão, argumentando a tutela com os seguintes fundamentos: reforçar o projeto educativo e a qualidade pedagógica das escolas; possibilitar aos alunos a realização de todo o percurso escolar no âmbito de um mesmo projeto educativo; facilitar o trabalho dos professores; ajudar a superar o isolamento de algumas escolas e racionalizar a gestão dos recursos humanos e materiais.
Por considerar quase todos estes fundamentos escandalosos e facciosos (nitidamente resultantes de pura retórica política), abstenho-me de os comentar, embora tivessem levado à requalificação e à obtenção de horários zero de milhares de docentes, assim como à debandada de outros tantos que apressaram a sua aposentação, descontentes e injustiçados com o rumo dos acontecimentos, em nome da proclamada "racionalização da gestão dos recursos humanos"!
Embora as câmaras assumam a responsabilidade de matérias do Pré-escolar e 1.º Ciclo, desde 2008, o primeiro passo para a municipalização da educação deu-se com o "Aproximar - Programa de descentralização de políticas públicas", projeto-piloto existente em 15 autarquias, lançado pelo XIX Governo Constitucional através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 15/2013, de 19 de março. O passo seguinte, porventura o mais importante e derradeiro, alargado a todo o país, será concretizado em breve, com o intuito da descentralização na educação, vilipendiando definitivamente as escassas margens de autonomia detidas pelas escolas e atropelando os respetivos contratos assinados entre estas e a tutela. A escassez do debate público em torno do assunto e a ineficaz clarificação dos critérios que estão subjacentes à sua implementação remetem as autarquias para um emaranhado de dúvidas e dificuldades, desconfiando-se da urgência imposta.
Se há pacto na educação para a(s) desconcertante(s) asneira(s), não poderá existir um para o acerto, ou seja, para a evocada convergência justa e ponderada?
JN, 12/12/2017