A primeira mudança, e que tem de ser defendida de modo inabalável e incansável, é esta: a do regresso da gestão democrática à escola, com fronteiras bem definidas entre o que compete à Educação e o que compete a outros, incluindo os municípios, e a defesa do fim da aberração chamada mega-agrupamentos.Desde logo, a gestão unipessoal, que no auge da pandemia, salvo algumas exceções, se mostrou errática, dependente de orientações superiores e pouco autónoma. A democracia foi arredada da escola, com o fim da gestão democrática, em 2008. Todas as decisões são tomadas por uma única pessoa, o/a diretor/a. Os professores e as professoras deixaram de ser ouvidos, assim como os técnicos e os assistentes operacionais. Os pais, reunidos em associações pouco representativas, têm a sua participação limitada ao Conselho Geral e são instrumentalizados pelo diretor. Os alunos e alunas também não têm espaço de participação, a não ser no Conselho Geral, que, em muitos casos, é controlado pelo diretor e também pelo poder autárquico.
A segunda mudança é a do currículo, que se perpetua num anacronismo enraizado e pouco problematizado. Sem fundamentação científica nem pedagógica, constata-se a preponderância do Português e da Matemática, que secundariza as Ciências Sociais, as artes e a educação física. A carga horária alonga-se e falta tempo para dinamizar clubes, projetos e o desporto escolar. Os programas estão desajustados ao nível etário e repetem-se conteúdos ao longo da escolaridade. A estrutura curricular do ensino secundário está desajustada e é limitadora. Muitas famílias recorrem às explicações, sobretudo quando se trata de disciplinas com exame nacional. O ensino profissional funciona num modelo dual, isto é, é uma escola dentro da escola e a educação inclusiva mais não tem feito do que diluir as necessidades educativas especiais.
Os exames, criados por causa dos números clausus, servem, agora para verificar o que se ensina e para alimentar rankings, favorecendo o ensino privado, que escolhe os seus alunos, ao contrário da Escola Pública, que acolhe toda a diversidade.
A falta de professores vai agravar-se em breve, com a entrada na reforma de cerca de 40% dos atuais docentes. Não haverá quem os substitua, mesmo com a entrada dos precários que ainda não desistiram de ser professores. Se nada for feito e depressa, vamos regressar aos anos da escola de massas, em que por falta de professores, qualquer pessoa podia dar umas aulas, em salas apinhadas de alunos.
Uma quarta questão que precisa de reflexão é “a escola a tempo inteiro”, uma invenção de Lurdes Rodrigues. Nada contra a ideia de um serviço que ajude os pais e mães trabalhadores, mas não se pode chamar escola. A escola é o conjunto de atividades de aprendizagem que se realizam durante um determinado tempo. A escola-edifício pode continuar aberta, mas já não é escola. É outra coisa. É um espaço onde as crianças ficam até que os pais saiam dos seus trabalhos e, desejavelmente, da responsabilidade da autarquia. Rejeitar a designação “escola a tempo inteiro” é separar a escolarização e as aprendizagens do apoio social.Uma palavra para os assistentes operacionais e os técnicos, que, esmagados pelo SIADAP, ganham há décadas pouco mais do que o ordenado mínimo. Estes profissionais são fundamentais na Escola Pública e têm de ser reconhecidos como tal.
Os professores e professoras do Bloco de Esquerda têm vindo a reunir-se nas Jornadas de Educação, por videoconferência, em plena pandemia e de norte a sul do país. Nestes encontros há reflexão, produção e sobretudo há também o saber do ofício, de quem está todos os dias nas escolas a viver todas as dimensões de que é feita. Estes profissionais que têm uma intervenção ativa e propositiva precisam de ser ouvidos e de ter voz e sabem de educação porque pensam a educação e vivem a educação.Muitos outras questões se levantam, sendo que estas requerem reflexão e solução urgentes. Ora, se o governo PS prefere empurrar estes problemas com a barriga e esconder a cabeça debaixo da areia há quem defenda verdadeiramente a Escola Pública construindo e apresentando propostas com todos os que nela vivem.
Não é novidade que outros setores não perdem oportunidade de palpitar sobre Educação, no mais puro “eduquês”, com sugestões avulsas e muitas vezes descabidas e porque não são ouvidos os professores e professoras.
Ora, para o debate, para a reflexão e para o desenho de proposta é requisito fundamental ter conhecimento da realidade, da complexidade e tecnicidade do sistema educativo. Sobre a pandemia, consultam-se os epidemiologistas. Mas sobre a escola, mesmo no contexto da pandemia e da recuperação, não se consultam nem se ouvem os professores. Mesmo quando se apresentam propostas estas não têm respostas. Dizer que não fazem propostas é um erro, ignorá-las e não lhes dar resposta é uma intenção.
As Jornadas da Educação surgiram desta necessidade de contrariar o senso-comum, mas também da necessidade de debate, análise, apresentação de propostas fundamentadas, construídas em coletivo e por quem está no terreno. Desde março, as Jornadas da Educação estão abertas a todos e todas e pretendem dar voz a todos os atores educativos e aos que estão preocupados com a ausência estratégia e de investimento na Educação, que a pandemia acentuou e que é essencial debelar.
Texto elaborado colaborativamente por um grupo de professores do Bloco de Esquerda no âmbito da XII Convenção.