1. Decide-se hoje, pelo menos formalmente, o destino do Orçamento de Estado (OE). O cenário oferecido aos servos fiscais, a que chamam cidadãos, resume-se assim: Governo e oposição, imprestáveis para empreender reformas sérias, digladiam-se numa romaria orçamental, com tácticas casuísticas e o mesmo objectivo estratégico: ter poder para, numa democracia de mercado, repartir benefícios pelos prosélitos mais próximos; um Estado tentacular, aprisionado por esta lógica e por escritórios de advogados, que assiste impávido à degradação da provisão pública dos serviços de saúde, educação e justiça; um Presidente que, em nome da estabilidade podre que o obceca, nos sopra liminarmente, a cada passo, a velha máxima de Thatcher: “There is no alternative”.
São evidentes os sinais do autoritarismo monolítico de António Costa, cada vez mais fixado na afirmação do seu poder e na imposição de ideias de controlo e supervisão da sociedade. Conseguirá ele, no último minuto, fazer aprovar mais um OE? Créditos de flexibilidade de cintura, não lhe faltam. Entre outros, basta que recordemos o sorriso cínico com que deu a volta ao resultado das eleições que perdeu, ante um político que vinha de quatro anos de distribuição de miséria pelo país; a facilidade com que, depois de considerar o Bloco de Esquerda uma “inutilidade total”, o utilizou para ser poder; a volatilidade que usou para passar do eurocepticismo (saudou a eleição de Tsipras como um sinal de mudança na Europa) para o federalismo (quando lhe foi conveniente, alinhou rápido com as propostas de Macron); a ligeireza com que, depois de perorar na oposição contra “os falcões de Berlim”, bajulou, no Governo, a senhora Merkel.
Ou estará antes no papel de escorpião, pronto para ferrar de morte o OE, porque não resiste ao chamamento para presidente do Conselho da Europa, em Julho de 2022? É que, como bem lembrou Ana Gomes, tem e recusa a solução: acabar com a caducidade da contratação colectiva.
2. De passo síncrono com a diminuição da natalidade e o envelhecimento da população, acentuou-se em Portugal o abismo entre o litoral, sobrepovoado, e o interior, desertificado; enveredámos por um desenvolvimento agrícola de monoculturas intensivas, que depauperam solos e reservas de água; continuamos um país desindustrializado, fortemente dependente da importação de bens, a que outros acrescentaram valor; regredimos nos resultados da Educação; assistimos à degradação continuada da Justiça; numa palavra, permitimos, mansos, a imposição de um colete-de-forças ideológico em múltiplas áreas da vida colectiva.
Muitos, respeitáveis, dizem que não há racismo em Portugal. Detenham-se nos comentários que pululam nas redes sociais. Encontrarão, mais do que racismo, ódio. Ódio profundo dirigido ao outro, seja branco, preto ou amarelo, estigmatizando todos pelos comportamentos de alguns. Demasiados oprimidos, aí, odeiam mais o outro que o opressor e mostram-se inaptos, sequer, para identificar quem os faz pobres e oprimidos. Muitos deles, sem se darem conta, porque alienados, viram simples colaboracionistas, quando assumem as mesmíssimas práticas e dialéticas que julgam estar a combater. De alma profundamente dorida, vejo isso, até, nas caixas de comentários dos professores.
À medida que envelheço, os problemas que não podem ser solucionados cientificamente, mas que são fundacionais de uma visão personalista da vida, vão ocupando o meu espaço reflexivo em detrimento daqueles que resolvo com o conhecimento acumulado. Assim, quando olho para a corrente política que procura dominar o ensino, sinto-me em sentido contrário: eles fixados nas competências, que resolvem problemas (do sistema económico); eu preocupado com os modos diferentes de ver o mundo (para que cada um o entenda).
A pressão que o utilitarismo e o consumismo, as medidas e os números exercem sobre os que pensam é tal, que muitos acabam desistindo da Filosofia, da História e da Literatura e aceitam acriticamente o império da Estatística.
Oxalá esta crise pudesse, pelo menos, despertar políticos e pedagogos para a necessidade de produzir pensamento sobre processos de melhorar a qualidade de vida das populações, recuperando o equilíbrio entre as prerrogativas do Estado e as liberdades fundamentais dos cidadãos.