João Carrega - Ensino Magazine
O terceiro período letivo constitui para as escolas, docentes, alunos e famílias, um desafio inesperado, exigente, para o qual poucos atores estavam preparados. Entre o oito e o oitenta naquilo que são as tarefas exigidas aos estudantes e aos professores, surgem, nesta relação, questões práticas, diárias, resultantes do facto de uma mudança como a que está a ser realizada, através do ensino a distância, exigir tempo que não existe.
Corre-se o risco das tarefas serem propostas numa lógica de "achamento". Mas, a educação não se faz pelo "eu acho que". Importa refletir sobre esta questão. A Covid-19 não se vai embora e não será nos próximos meses que tudo acaba. Pelo contrário, muito provavelmente vamos voltar a ter ensino a distância mais vezes e no próximo ano letivo a situação pode repetir-se.
Significa isto que todos, enquanto sociedade, teremos que nos adaptar. Significa que, aos poucos, devem ser definidas regras claras de como esta nova realidade se processa. Quais são os horários, o que são aulas assíncronas e síncronas, como as tarefas de alunos e professores devem ser realizadas e propostas. Que instrumentos podem e devem ser utilizados. Que formação é necessária para os docentes responderem melhor a esta nova forma de ensinar.
Em pouco mais que um mês as aulas e atividades presenciais deram lugar a uma realidade em que as novas tecnologias assumiram um papel decisivo. De repente a escola mudou, como mudou também o funcionamento de toda a sociedade. Acontece que a mudança foi feita no mesmo sentido: alunos e professores passaram a realizar as suas tarefas a distância; os pais abraçaram o teletrabalho utilizando os mesmos meios que os filhos terão que usar no ensino virtual; as famílias passaram a conviver 24 horas num mesmo espaço, dia a após dia, algo para o qual também não estavam preparadas.
É neste turbilhão de acontecimentos que as escolas tentam impor o ensino a distância, a que se junta o problema dos meios. Os professores utilizam os seus próprios equipamentos (computadores, rede de internet, impressoras, telemóvel etc) ao serviço da missão de ensinar, pois a escola pública não os disponibiliza. Provavelmente há quem pense que não fazem mais que a sua obrigação. Errado. Não há obrigação nenhuma nesse sentido, como também não há obrigação que um outro qualquer funcionário faça teletrabalho com os meios próprios, em vez de utilizar os da sua entidade patronal. Os docentes, mais uma vez, demonstram ao país uma dedicação extrema e preocupada. Imaginem se os professores se negassem a por os equipamentos pessoais ao serviço do ensino? Não haveria nada. A escola estaria desligada. E esta não é uma questão de somenos importância, pois o ensino a distância vai repetir-se num futuro próximo e não podem nem devem ser os equipamentos pessoais dos professores a suportar o seu funcionamento.
Os alunos e as suas famílias também não possuem um computador por elemento do agregado familiar. Os pais estão em teletrabalho, os pais professores utilizam os meios disponíveis para a sua tarefa. Os filhos usam-nos quando há disponibilidade. Neste aspeto, o Estado preocupa-se em apoiar apenas alguns alunos e famílias, deixando de fora toda a classe média, a mesma que não tendo um computador por elemento de agregado familiar tem os pais em teletrabalho e os filhos a ensino a distância, sem que estes alunos possam ser apoiados. Surge assim uma espécie de discriminação de uns em relação a outros, com o argumento do politicamente correto. As famílias têm que resolver.
Aos alunos que ainda não têm acesso a esses meios juntam-se aqueles que, os tendo, não os podem utilizar pois um computador não chega para que, duas, três, quatro ou mais pessoas o utilizem ao mesmo tempo.
A escola, de repente, ganha formas de exclusão em vez de inclusão. Veio a nova tele-escola, mas aos alunos é-lhes exigido, com alguma frequência, que vejam as aulas na televisão e que façam tudo o resto através do ensino a distância.
Às vezes é melhor parar para pensar e fazer as coisas da forma clara, objetiva, com regras e sem atropelos, do que avançar para um "ensino de achamentos". A opção foi tomada noutro sentido. É com ela que todos temos que conviver, agindo de forma consciente, com a perspetiva que todo este turbilhão pode ser uma oportunidade futura. Eu acredito que sim.