A Escola e o Limiar da Automatização
Paulo Prudêncio
A pandemia fez menos pela substituição de professores por máquinas do que inicialmente se julgava. Apesar de apressadas declarações que pareciam incluídas numa corrida entre países para ver quem se antecipava no sucesso do ensino por internet, a realidade impôs-se: ainda estamos no tempo do ensino presencial com humanos como professores. Mas os pedagogos humanistas não se devem iludir: quem constrói os orçamentos dos estados não cederá na redução dos alunos por turma nem na valorização da carreira dos numerosos professores. A educação, também porque não tem resultados imediatos, é um investimento que os contraria; a dor de cabeça nesse domínio é a crescente e irreversível falta de professores. E é também nesse sentido que a atracção pelas máquinas pode ser uma fatalidade que não ouvirá quem sabe que a aula é presencial e uma simbiose do conhecimento com as emoções.
Dito isto, interrogamo-nos: os professores vão ser substituídos por máquinas? E quando? É imprevisível num tempo veloz, incerto e de fenómenos invisíveis. E não confundamos os efeitos, e as dimensões, das políticas: os 400 milhões de euros que Portugal vai receber para o digital na educação destinam-se a assegurar o que existe e a contemplar com um computador os mais pobres; é um digital que consumirá produtos das indústrias europeias de computadores e de serviços digitais.
Mas quem domina o mundo tem duas prioridades com investimentos avultadíssimos: neurociência e nanotecnologia; ou seja, saúde - investigar os sistemas genético, hormonal e fisiológico a pensar em doenças e na reversão do envelhecimento - e indústria militar - com o terrorismo como prioritário -. Mas "se a neurociência criará máquinas de ressonância magnética que reconhecerão ódio ou raiva no cérebro das pessoas (nos aeroportos, por exemplo), se a nanotecnologia enviará moscas espiãs biónicas às grutas mais recônditas do planeta e desenvolverá um sistema imunológico biónico, composto por milhões de nano-robôs que habitarão os nossos corpos, desentupirão vasos sanguíneos, lutarão contra vírus e bactérias e eliminarão células cancerígenas", e se não há dificuldade na criação de conteúdos escolares digitais ou na avaliação online de alunos, não será de excluir que essas máquinas e moscas que lêem o pensamento também se instalem nas "salas de aula" e avaliem em tempo real os comportamentos de alunos e de "uberizados-guardadores". E isso será uma tentação orçamental para a massificação em escolaridade de baixa qualidade numa sociedade que tentará alguma compensação com um rendimento básico incondicional da nascença à finitude (70% da mão de obra actual poderá ficar, com a IA, desocupada já em 2030). A aula presencial maioritariamente analógica ficará para a escolarização ecléctica de uma minoria.
Como alguém preconizou, o homem perderá a centralidade no organismo social e a humanidade tornar-se-á uma causa para problemas constantes e complexidades crescentes. E nem se trata de estabelecer um contraste entre humanos e máquinas. Para além dos humanos serem máquinas, os computadores não têm consciência. A questão mais "decisiva", uma vez que se definirá a partir da escola e da educação e numa antiga equação, terá a seguinte formulação: são os humanos que seguem a tecnologia ou é esta que segue os humanos.