A Educação e a natureza humana vistas pela OCDE
A OCDE apresentou um estudo (Back to the Future of Education. Four OECD Scenarios for Schooling), que estabelece cenários sobre o futuro da educação. Até 2040, a OCDE prevê um ambiente escolar imerso em inteligência artificial (IA) e realidade virtual, com o eventual desaparecimento dos professores, no máximo, e a presença de robôs, para os apoiar, no mínimo. Antes de estabelecer o cenário mais radical, a OCDE admite que os docentes se limitem a conceber conteúdos para serem administrados por robôs, em ambientes com grande redução de fronteiras entre as disciplinas, tal como as conhecemos. O desaparecimento dos sistemas de ensino existentes e a sua substituição por um misto de ensino doméstico e ensino online consta do cardápio futurologista.
O fim da instituição escolar tem sido múltiplas vezes decretado por arautos de pedagogias atrevidas. Mas é surpreendente ver este estudo vir a lume no momento em que vivemos, à escala mundial, um acontecimento único na nossa contemporaneidade: logo que milhões de alunos experimentaram os efeitos do fecho das suas escolas, milhões de pais clamaram pela reabertura das mesmas; os mesmos teóricos e políticos mensageiros da digitalização e do ensino mediado por máquinas acabaram por reconhecer que o ensino presencial e o papel dos professores são insubstituíveis. Insistir assim na omnipresença das tecnologias na escola talvez tenha menos a ver com a qualidade do ensino e mais com a diminuição do conhecimento, necessária à formação de sociedades passivas face aos interesses das mentes gananciosas dos tecnocratas que impulsionam os mercados. Para esses sujeitos, não passamos de máquinas imperfeitas, operadas por softwares cerebrais imperfeitos, que eles podem domesticar com recurso à IA. Esses sujeitos projectam em nós o seu vazio espiritual e o seu existir mecânico, insensível à liberdade, às emoções, à alma, ao belo e ao amor. Não suportam o livre arbítrio dos cidadãos e encaram-nos como meras peças de um enorme tabuleiro de xadrez global, que querem gerir com máxima eficiência e lucro.
Num eloquente livro (A Era do Capitalismo da Vigilância) Shoshana Zuboff refere-se às tecnologias digitais e à nova ordem económica em construção como facilitadoras de ataques à vida privada, à saúde mental das comunidades e à democracia. Aí se descreve, com arrepiantes detalhes, como a vigilância digital exercida sobre os mínimos passos das nossas vidas produz diariamente triliões de metadados, usados pelos novos ditadores para enriquecerem e dominarem os nossos comportamentos. Definitivamente, não quero que a Escola, a que dediquei os melhores anos da minha vida, caia nestas garras. Definitivamente, não quero ver a Escola a formar autómatos, em lugar de formar pessoas.
Há dias, foi notícia desesperantemente triste a morte por hipotermia de um homem de 85 anos, que permaneceu nove horas tombado numa movimentada rua de Paris, sem que ninguém o tenha socorrido. Os algoritmos que comandam as câmaras de vigilância das ruas de Paris não estarão programados para detectar os que tombam. Foi um sem-abrigo que encontrou o homem caído. Infelizmente tarde. Infelizmente, também, os investigadores sociais da OCDE continuarão a planear o futuro da Escola como coisa cada vez mais desumanizada.
Não me aflige que a ciência diga que temos menos genes que a batata e que muitos deles difiram pouco dos genes da mosca da fruta. Mas aterroriza-me a distopia ensaiada, segundo a qual humanos (governados por algoritmos) e máquinas se fundirão em prol da nossa evolução. E derrota-me pensar que muitos tecnocratas, ainda que apoiados pelo avassalador avanço da ciência, comecem a pôr em causa o próprio conceito de humanidade, admitindo que somos simples máquinas, sujeitos, como elas, às mesmíssimas manipulações tecnológicas. E derrota-me ainda mais ver que a ciência e a tecnologia se aliam cada vez mais ao mundo empresarial global para nos subjugar ao capitalismo digital. Com efeito, pese embora o tanto que a psicologia do desenvolvimento e a psicologia cognitiva nos têm decifrado, parece ser a simples natureza humana que explica a razão pela qual as crianças de tenra idade aprendem tantas coisas e de modo tão rápido, antes de saberem ler, escrever ou, sequer, falar.