Santana Castilho - Público
A análise dos contributos que o sistema de ensino projecta na sociedade portuguesa é complexa e varia com as perspectivas, técnicas ou políticas, dos observadores. Mas há dados que são incontornáveis. Tendo a OCDE por fonte (Education at a Glance), Portugal tinha, em 2014, 57% da sua população com o 3º ciclo do ensino básico ou menos, enquanto a média da OCDE se cifrava apenas em 21%. Apesar disso, foi no sistema de ensino que a política de austeridade do anterior Governo provocou maior destruição, sem que o actual tenha revertido a situação (no OE para 2016 estão inscritos, para o ensinos básico e secundário, ainda menos 149,9 milhões de euros, relativamente ao que foi gasto em 2015).
Por outro lado, as Estatísticas do Emprego (INE) mostram que, entre 2007 e 2015, foram extintos 1 milhão e 378 mil postos de trabalho para os detentores de habilitação igual ou inferior ao 3º ciclo do ensino básico, face à redução global de 621.000 empregos. Significa isto que os mesmos postos de trabalho, que antes eram ocupados pelos menos qualificados, foram preenchidos por trabalhadores com maior habilitação. Ganhando estes mais? Não, ganhando menos, já que a remuneração média em Portugal diminuiu 24,5 euros de 2011 para 2014 (Boletim Estatístico do GEP do Ministério da Economia). Conclusão: os patrões aproveitaram a crise para substituir menos qualificados por mais qualificados, pagando menos.
Vêm estas considerações a propósito das reflexões que os começos dos anos lectivos sempre suscitam. Este, que agora arranca, primeiro da total responsabilidade do actual Governo, inicia-se sob duas bandeiras ideológicas: a das novas Novas Oportunidades, que alimentará ilusões de incautos, à semelhança da anterior iniciativa, e terminará queimando, com a mesma duvidosa utilidade, quase 900 milhões de euros (não é erro meu, é previsão do Governo, ínsita no Programa Nacional de Reformas) e a que dá pelo nome de Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, cujos mentores podem conhecer todos os livros do baú das teorias pedagógicas, mas nada sabem das razões determinantes do insucesso escolar.
Quanto ao mais, quê? Negadas liminarmente, há bem pouco, medidas de renovação de um corpo docente envelhecido.
Sem perspectiva de fim o congelamento da carreira docente, que foi decretado em 2005, como transitório e para durar apenas até 31/12/2006, já lá vão 11 anos (relaxada Lei 43/2005).
Trinta mil professores no desemprego; 508 docentes do pré-escolar sem turma e crianças dessa faixa etária sem educadores suficientes, nos grandes centros urbanos; 7.306 professores, com 10, 15 ou 20 anos de serviço, contratados a prazo a meio da antevéspera do início do ano lectivo, depois de férias na ansiedade do desemprego, com cinco dias para fazerem malas, arranjarem albergue, transferirem filhos ou dizerem-lhes adeus e aos maridos e às mulheres, tudo com aviltante desprezo pelo que a Constituição fixa sobre a família (art.º 67.º), sem que, sequer, lhes paguem a partir do primeiro dia de Setembro. Foi melhor que antes? Foi. Mas continuou indigno e podia ter sido diferente.
Municipalização da Educação, a que a maioria se opõe, a avançar de mansinho; diminuição do número de alunos por turma guardada na caixa das promessas; silêncio sobre o modelo de gestão das escolas, sobre a sobrecarga dos curricula, sobre a burocracia asfixiante, sobre as diferenças de tratamento entre os professores do 1.º ciclo e os outros e sobre a reorganização do desporto escolar; esponja passada sobre o atropelo às necessidades educativas especiais.
Vivemos ignorando a vida para lá das questões da gestão corrente e do foguetório propagandístico e esquecendo as experiências anteriores, por mais recentes que sejam. Os governos, férteis em demagogia e ignorância para definir o que julgam premente, concentram todas as energias na demolição do que encontram e partem sem o mínimo esforço para discutir e encontrar soluções para os problemas de fundo da Educação. Vivemos assim há duas décadas, sem pensar o futuro, de máquina de calcular em riste, mas máquina que só faz contas para aplicar a uma parte da sociedade e a um determinado tipo de problemas. O sistema de ensino, anémico, cansado e descrente, é uma equação reduzida a estas premissas.
O termo está gasto, mas era mesmo preciso um pacto para a Educação. Não direi um pacto que a convertesse na primeira prioridade (passe a redundância) porque a Saúde e a Justiça, carentes de modelo idêntico, têm precedência em sede de urgência política. Mas a Educação vem à frente se quisermos, seriamente, preparar o futuro a 20 anos de prazo e abrir caminho à mudança cultural partidária que esse desiderato nacional exige. Só um pacto dessa natureza, duradouro, sólido e verdadeiramente nacional nos poderia afastar das constantes capitulações ante populismos fáceis e apetecíveis resultados imediatos, efémeros como miragens no deserto.
(Negrito e cores nossas)