Diário de Notícias
Um regime na Madeira, outro nos Açores e um outro a ser negociado entre o governo e os sindicatos, depois de o PR ter vetado uma lei do governo. Resultado: inconstitucionalidade à vista.
Para o constitucionalista Paulo Otero não há dúvidas: o facto de o regime de reposição salarial dos professores poder vir a ter três regimes diferentes consoante regiões do país (um na Madeira, outros nos Açores e um terceiro no continente) configura uma inconstitucionalidade, podendo ser utilizados pelo menos três argumentos nesse sentido.
Por um lado, por violação do princípio do Estado unitário: "Isso significa que os seus cidadãos estão sujeitos a uma mesma ordem jurídica. E nada nas autonomias justifica, não há nenhum interesse regional que possa justificar, que quem exerceu as mesmas funções, no continente ou nas regiões autónomas, possa ter um tratamento diferenciado."
Aliás, acrescenta, foi por isso que quando se deram os congelamentos salariais, em 2010, eles foram universais para todos os professores, independentemente de exercer nas regiões autónomas ou no continente.
O segundo argumento deste constitucionalista prende-se com o princípio da igualdade. Ele impõe uma "proibição de discriminações em função do território onde se prestou o mesmo serviço". E, além do mais, "quem define onde se presta serviço é um serviço nacional, o Ministério da Educação". Na quarta-feira, em entrevista à RTP foi Mário Centeno quem evitou abordar a questão tendo, no entanto, deixado a ressalva de que a prioridade é o controlo orçamental.
Paulo Otero invoca ainda, "no limite", um terceiro princípio, o da "proibição do arbítrio". Ou seja, "é profundamente arbitrário que alguém pelo facto de ter prestado serviço num local possa ter a reposição integral dos anos perdidos e o mesmo não aconteça com os colegas que prestaram o mesmo serviço noutro local". Este, explica o constitucionalista, "é um princípio geral que decorre do principio do Estado de direito".
A opinião de Paulo Otero vai ao encontro do que defendeu Marques Mendes na SIC, no domingo passado. Para o comentador político (e amigo do Presidente e seu conselheiro de Estado) criou-se um "berbicacho": "Acho que é inconstitucional. Não é possível nestas matérias haver dois ou três regimes diferentes, uns professores de segunda e outros de primeira."
Para o continente, o governo previa que o descongelamento salarial e da progressão nas carreiras dos professores fosse acompanhado em 2019 de uma reposição de dois anos, nove meses e 18 dias. Contudo, tudo voltou à estava zero, depois de o Presidente da República ter vetado o diploma, devolvendo-o ao governo.
O Presidente explicou esse veto com a norma aprovada no Orçamento do Estado de 2019 que impõe ao governo que volte a negociar com os sindicatos (os quais exigem uma reposição, embora faseada, de nove anos, quatro meses e dois dias). Ou seja: para dar "efetivo cumprimento" a esta norma impondo negociações era preciso que a situação voltasse à estaca zero - e, portanto, impediu o diploma de entrar em vigor.
Falando ontem em Brasília, onde foi assistir à tomada de posse do presidente Jair Bolsonaro, Marcelo explicou que apenas apreciou "a questão formal" da aplicação da Lei do Orçamento do Estado.
"Eu o que quis foi, apenas, apreciar a questão formal - mas toda a forma tem algum conteúdo - que era a aplicação da lei do Orçamento através de um processo negocial já agora no ano em que nos encontramos. Foi só isso", declarou.
"Não me pronunciei sobre a substância da matéria, não me vou pronunciar aqui no Brasil", acrescentou, dizendo ainda que não gosta de falar "sobre matérias portuguesas" no estrangeiro.
Na Madeira está já consagrada a reposição de todo o tempo de serviço reivindicado pelos professores. A solução adotada prevê que o impacto total desta reposição só se faça sentir após a próxima legislatura. O plano aprovado prevê um faseamento até 2025, a ter início neste mês, em que os docentes irão recuperar em média, por cada ano civil, um ano e meio de serviço (545 dias). No último ano serão devolvidos os 141 dias remanescentes para perfazer a totalidade do tempo.
Também nos Açores está já aprovada pelo Parlamento regional a devolução de todo o tempo de serviço congelado. Os moldes desta devolução ainda não estão totalmente definidos. Porém, os docentes naquele arquipélago também já estão em vantagem face aos colegas do continente, porque já lhes foram devolvidos dois anos, quatro meses e dois dias de tempo de serviço.