sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Educação em Portugal: a escola do 1.º Ciclo está a morrer de velha

A escola do 1.º Ciclo do Ensino Básico em Portugal vive num limbo entre a nostalgia e a negligência. O modelo monodocente, a carga horária desumana, a ausência de espaços adequados e a burocracia asfixiante são sintomas de um sistema que insiste em sobreviver sem se reinventar. Este texto propõe uma reflexão crítica e fundamentada sobre a urgência de uma reforma estrutural, humanista e corajosa.

Aprendizagens Essenciais ou Essencialmente desajustadas?

As Aprendizagens Essenciais (AE), homologadas pelo Despacho n.º 6944-A/2018, pretendem ser a base comum do currículo nacional. Contudo, como reconhece o próprio documento, a extensão dos programas e metas curriculares tem sido um obstáculo à consolidação das aprendizagens e à diferenciação pedagógica.
Decreto-Lei n.º 55/2018, que estabelece o currículo dos ensinos básico e secundário, fala em flexibilidade e autonomia curricular, mas na prática, as escolas continuam reféns de uma lógica uniformizadora e descontextualizada.
Como dizia Maria Montessori: “A prova do sucesso da nossa ação educativa é a felicidade da criança”. E, convenhamos, poucas crianças parecem felizes sob este modelo.

Horários, espaços e pessoas: a Escola precisa de respirar

A carga horária semanal de 25 horas letivas, distribuídas entre manhã e tarde, está prevista na matriz curricular do 1.º Ciclo. Mas esta organização ignora o ritmo biológico e emocional das crianças.
Em alternativa, proponho um horário letivo das 9h às 13h; as tardes, dedicadas ao apoio ao estudo, às artes, à atividade física e à cultura, garantidas por outros professores, e não pelo professor titular da turma. Não é utopia, é pedagogia.
Portaria n.º 644-A/2015 reconhece a importância das Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC) e da Componente de Apoio à Família (CAF), mas não resolve o problema da sobrecarga e da falta de espaços adequados.
É urgente, por isso, investir em espaços polivalentes, cobertos, inclusivos e tecnologicamente apetrechados, como preconizam os manuais técnicos da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares. 

E quem assegura estas atividades pós-13 horas? A resposta está à vista, mas ninguém a quer ver. Os monitores, técnicos e animadores que deveriam acompanhar os alunos nas tardes escolares existem, abundam, e estão empilhados nas Câmaras Municipais, organismos públicos e entidades subsidiadas. Muitos sobrevivem exclusivamente de dinheiros públicos e, não raras vezes, passeiam-se com pastas vazias, para que a opinião pública presuma que estão em “serviço externo”.
Recrutar estes recursos humanos para funções educativas complementares seria um ato de gestão inteligente e socialmente justo. Mas exige coragem política e vontade de enfrentar os interesses instalados. Como dizia António Sérgio: “A educação é a arma mais poderosa para mudar a sociedade, mas só funciona se for empunhada por quem não tem medo de usá-la.”

Polivalência, burocracia e a máquina do Ministério: quem defende os Professores?

O 1.º Ciclo carece de infraestruturas dignas: espaços polivalentes, inclusivos e com tecnologia real, não “PowerPoints” em papel de embrulho. Espaços que potenciem a inclusão e a experimentação, como preconiza José Pacheco: “não é aceitável alunos do século XXI serem ensinados por práticas do século XX”. Mas a verdadeira modernização será impossível enquanto a burocracia absorver o fôlego docente. Só uma simplificação eficaz - mensurável, com incentivos às direções escolares combativas - permitirá libertar professores do obscurantismo administrativoÉ imperativo garantir maior representatividade dos monodocentes nas decisões dos agrupamentos, acabando com a invisibilidade dos que asseguram a base do sistema. Por fim, abale-se a máquina central ministerial, onde eminências pardas sobrevivem a governos e ministros, balizando o ensino à margem do terreno e dos seus profissionais. Que se escute Paulo Freire: “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho, os homens libertam-se em comunhão.

A coragem que falta à política

A escola do 1.º Ciclo está a morrer de velha. Não por falta de professores, mas por falta de visão.
Não faltam recursos humanos em Portugal. Faltam decisões. Como referi anteriormente, técnicos, monitores e animadores atropelam-se em Câmaras Municipais, organismos públicos e associações que sobrevivem exclusivamente de subsídios estatais. Muitos desses profissionais, com formação e vocação, poderiam estar a enriquecer as tardes escolares com atividades culturais, físicas e artísticas. Mas não: passeiam-se com pastas vazias, em “serviço externo”, numa tentativa de convencer a opinião pública de que desempenham alguma missão.
Esta gestão absurda de recursos humanos é um retrato fiel da inércia política que nos governa.
É preciso coragem política para romper com o modelo obsoleto da monodocência, para devolver às crianças o direito de brincar, para libertar os professores da burocracia, para reabilitar os espaços escolares e para devolver à Escola a sua missão: formar cidadãos felizes, críticos e livres.
Como dizia Paulo Freire: “A educação não transforma o mundo. A Educação muda as pessoas. E as pessoas transformam o mundo.”
Portugal precisa de políticos que queiram transformar o mundo. E isso começa por transformar a Escola. Mas para isso, é preciso deixar de fingir que se trabalha e começar, finalmente, a servir.

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