domingo, 14 de setembro de 2025

Quando a realidade obriga: o 1.º Ciclo e o fim da indiferença político-pedagógica

A Escola Pública portuguesa, especialmente no 1.º Ciclo, vive entre o discurso da estabilidade e a prática da estagnação. Já o escrevi em Sobre a organização do próximo ano letivo e o calendário escolar: estabilidade ou estagnação?: decidir o calendário escolar até 2028 é um exercício de fé cega, que ignora o desgaste crescente de alunos e professores. O prolongamento da carga letiva semanal e o arrastar do calendário até ao fim de junho não são apenas absurdos pedagógicos, são atentados à saúde física e mental de quem faz a escola acontecer.

As desigualdades apontadas, como sublinhei em Abaixo-assinado por melhores condições de trabalho, não se resolvem com discursos piedosos. A experiência dos professores, tantas vezes desvalorizada, é central, como defendo em Valorizar a experiência: a importância do tempoO envelhecimento da classe docente, aliado a comorbidades e exaustão, não é um detalhe: é um aviso à navegação política. E se dúvidas restarem, basta reler Monodocência: pedido de fiscalização de constitucionalidade.

A verdade é esta: serão as circunstâncias, e não a clarividência dos decisores, a obrigar a corrigir desigualdades gritantes. Se nada mudar, ficarão sem professores. A escola não é um depósito de crianças, nem os docentes são peças descartáveis.

Chegados aqui, importa, no início de mais um ano letivo, alertar para o óbvio: a Escola Pública está a aproximar-se perigosamente do seu ponto de rutura. Os decisores políticos, muitas vezes entretidos com reformas cosméticas e anúncios de calendário, parecem ignorar o essencial: sem professores motivados, saudáveis e respeitados, não há futuro para o 1.º Ciclo. O envelhecimento acelerado do corpo docente e a ausência de renovação geracional são sintomas de um sistema que já não seduz, antes repele. A cada ano que passa, a exaustão acumula-se, as baixas médicas multiplicam-se e o desânimo alastra.

A ironia maior é que, enquanto se discute a inteligência artificial e a escola do futuro, se esquece o mais básico: ninguém quer ser professor nestas condições. A Escola Pública corre o risco de se tornar um deserto humano, onde as promessas políticas permanecem sem resposta. E, quando finalmente faltar quem queira ensinar, talvez então, tardiamente, se perceba que a indiferença foi o maior erro estratégico da Educação em Portugal.

Servido em O Banquete de José Manuel Alho

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