terça-feira, 14 de maio de 2013

T.C. nega inconstitucionalidade de norma do ECD

Tribunal nega inconstitucionalidade de norma do Estatuto da Carreira Docente que coloca docentes com menos tempo de serviço em índice de vencimento superior a outros com mais tempo de serviço. 
(Antigo 8º Escalão da Carreira Docente - Indice 245)

"A conjugação das soluções legais explicitadas levou a que docentes com mais tempo de serviço no escalão correspondente ao índice 245, concretamente com um tempo de serviço entre os 5 e os 6 anos, preenchendo os mesmíssimos requisitos funcionais previstos na lei - concretamente detendo a categoria de professor titular e tendo obtido as mesmas classificações no âmbito da avaliação do desempenho - tenham sido ultrapassados no posicionamento na carreira, logo no momento da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 75/2010, por docentes com menos tempo de serviço nesse mesmo escalão, isto é, com tempo de serviço entre os 4 e os 5 anos."
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"Decisão
6. Nos termos e com os fundamentos supra expostos, o Tribunal Constitucional decide:
- não declarar a inconstitucionalidade, da norma contida no artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º n.º 75/2010, de 23 de junho."

Aconselhamos a leitura da declaração de voto do Juiz Pedro Machete que consta no acórdão.
(O negrito do último parágrafo e da nossa responsabilidade)
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DECLARAÇÃO DE VOTO

Votei vencido, no essencial, pelas seguintes ordens de razões:

1.ª - Apreciação de norma diferente daquela que foi objeto do pedido de fiscalização formulado pelo Provedor de Justiça
O requerente enunciou o objeto do seu pedido de fiscalização abstrata sucessiva nos seguintes termos:
A «norma do artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de junho, nas seguintes condições cumulativas:
a)     quando aplicada a docentes que, à data da entrada em vigor deste diploma, detenham a categoria de professor titular;
b)   na medida em que tenha como efeito a ultrapassagem, em termos remuneratórios, dos docentes nela abrangidos por outros docentes com menos tempo de posicionamento no escalão 245, nos termos do artigo 7.º, n.º 2, b), do mesmo diploma.»   
Desta formulação infere-se um critério normativo que não se reconduz ao simples enunciado do artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de junho, mas à norma dele extraída, segundo a qual, os docentes que, à data da entrada em vigor deste diploma, detenham a categoria de professor titular e se encontrem posicionados no índice 245 há mais de cinco anos e menos de seis anos para efeitos de progressão na carreira, só poderão ser reposicionados em novo índice no momento em que perfizerem seis anos de tempo de serviço naquele índice. E é a aplicação pela Administração deste mesmo critério normativo que tem motivado as queixas dirigidas ao Provedor de Justiça.
No presente acórdão procede-se a uma interpretação sistemática do direito infraconstitucional, nomeadamente “da conjugação do artigo 10.º, n.º 1, com os artigos 7.º, n.º 2, alínea b) e 8.º, n.º 1”, todos do mencionado Decreto-Lei n.º 75/2010, para concluir que o citado artigo 8.º, n.º 1, não pode ser interpretado com o sentido que lhe tem vindo a ser imputado pela Administração. Com efeito, afirma-se no presente acórdão: “se assim sucede efetivamente [- se, portanto, a Administração não procedeu, e continua a não proceder, à atualização dos escalões remuneratórios dos professores titulares em causa -], então a administração não estará a aplicar a lei de acordo com a sua devida interpretação sistemática à luz do artigo 10.º, n.º 1. A questão será então de legalidade e já não de constitucionalidade. A inconstitucionalidade da norma do artigo 8.º, n.º 1, só se verificaria se a norma do artigo 10.º, n.º 1, não existisse” (itálico aditado).
Esta conclusão, todavia, implica a consideração de um segundo critério normativo, que é diferente daquele cuja fiscalização foi pedida. E a sua correção em face da pertinente fonte de direito infraconstitucional não afasta a existência do primeiro critério nem a respetiva ilegitimidade constitucional. Acresce que, contrariamente ao que seria possível em sede de fiscalização concreta, mediante o recurso à técnica da interpretação conforme prevista no artigo 80.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, a presente decisão negativa quanto à declaração de inconstitucionalidade, embora fundada numa dada interpretação da norma apreciada – interpretação essa que é diferente daquela que motivou o pedido de fiscalização - não impõe juridicamente a «interpretação correta» a terceiros. Na verdade, mesmo depois de reconhecida a ilegitimidade do critério normativo aplicado pela Administração e sindicado pelo Provedor de Justiça, aquela não fica vinculada pela presente decisão a abandoná-lo.

2.ª – Inutilização no caso concreto das queixas dirigidas ao Provedor de Justiça e consequente desvalorização da ação deste órgão
O Provedor de Justiça é um órgão ao qual os cidadãos que se considerem agravados por ações ou omissões dos poderes públicos se podem dirigir, tendo em vista a reparação das injustiças (artigo 23.º da Constituição e artigo 1.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril). Sem poder decisório, o Provedor de Justiça pode, além do mais, dirigir recomendações à Administração e tem legitimidade para requerer a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral.
In casu, e conforme referido no Acórdão, o Provedor de Justiça recebeu “dezenas de queixas” relativas à “ interpretação, e consequente aplicação, que a Administração faz [da lei aplicável]”, porquanto a mesma Administração tem “mantido, e [mantém] ainda, os docentes abrangidos pela previsão do art.° 8.°, n.º 1, do Decreto-Lei em causa no índice 245”. O Provedor de Justiça entendeu que o seguimento adequado a tais queixas seria a obtenção de uma decisão de caráter geral e vinculativa que eliminasse a desigualdade de tratamento de alguns docentes. E muitos dos docentes afetados consideraram a queixa ao Provedor de Justiça a via adequada para a defesa dos seus direitos, atenta a ilegitimidade do critério normativo adotado pela Administração e a decisão daquele de requerer a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do mesmo critério.
A presente decisão, sem embargo de reconhecer a ilegitimidade deste último, acaba, todavia, e na prática, por reencaminhar os interessados para os tribunais, onde, caso a caso (ainda que sem prejuízo de ações coletivas), deverão defender os seus direitos. Resultam, assim, objetivamente, inutilizadas as queixas apresentadas ao Provedor de Justiça, não obstante a manifesta inconstitucionalidade do critério normativo aplicado pela Administração.

Pedro Machete

2 comentários:

  1. http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130239.html?impressao=1

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  2. http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130239.html

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