Santana Castilho - Público
As 10 estratégias de manipulação, segundo Chomsky, são presença profusa na acção do Governo. O processo de saída do programa de assistência financeira e o discurso de Passos Coelho, que o anunciou, ilustram-no.
“Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto-circuito na análise racional e pôr fim ao sentido crítico dos indivíduos”, diz Chomsky. Passos tentou-o quando aproveitou a comunicação ao país para vender esperança que não cola e dramatizar com o medo que a fome e o desemprego espalharam. Mas porque a sua palavra está totalmente desacreditada, não o conseguiu. Quando disse “hoje, em Conselho de Ministros, o Governo decidiu que sairemos do Programa de Assistência sem recorrer a qualquer programa cautelar”, todos sabemos que manipulou a verdade. O Governo não decidiu. Decidiram a Alemanha e a Finlândia e, por elas, a Europa. Quando disse “temos reservas financeiras para um ano, que nos protegem de qualquer perturbação externa”, omitiu que essa almofada financeira, de 10 mil milhões de euros, custa 850 milhões de juros por ano, retirados à educação, à saúde e à protecção dos mais fracos.
O discurso de Passos Coelho foi patética propaganda ferida de credibilidade mínima pelas mentiras da véspera, que o Documento de Estratégia Orçamental 2014-2018 evidenciou. Nada do que ele ou o Governo digam merece crédito. Garantiram que a carga fiscal não aumentaria. Mas subiram o IVA e a TSU. Compararam pateticamente a saída da Troika, a 17 de Maio, ao 25 de Abril e a 1640. Até inauguraram relógios em contagem decrescente. E agora, afinal, todos sabemos o que eles sabiam desde o princípio: que a tutela da Comissão Europeia e do FMI vai manter-se até 2037 e 2021, respectivamente.
“Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para o seu controlo e escravidão” é estratagema para manter os cidadãos na ignorância, insiste Chomsky. Há 3 anos que Passos assim procede, querendo fazer-nos acreditar que o sonho de modernizar o país foi um erro, que devíamos ter continuado pobres e sem ambições, numa palavra, que fomos irresponsáveis e vivemos acima das nossas possibilidades. Mas diz-nos uma outra análise, mais fina, que a verdadeira história é diversa. Que o modelo de união monetária (sem união política verdadeira, sem união fiscal e sem união bancária) intensificou as desigualdades entre as economias europeias, com o norte a apossar-se das empresas produtivas dos países periféricos. É este desequilíbrio que acentuou o défice comercial dos países do sul e gerou excedentes nos do norte, particularmente na Alemanha. Com este pano de fundo, surgem os irresponsáveis alternativos aos cidadãos “irresponsáveis” do sul: os bancos alemães e todos os bancos que se financiaram junto dos bancos alemães. Com efeito, a grande quantidade de dinheiro drenada para os bancos alemães pela assimetria descrita (700 mil milhões de euros) foi usada para especular, financiando dívida de bancos irlandeses, bolha imobiliária espanhola e mil e um negócios de outros bancos, que se aprovisionaram junto dos bancos alemães. Foi este sôfrego desatino (de bancos que não de cidadãos comuns) que encheu a banca alemã de activos tóxicos. E não resisto a abrir um parêntesis para recordar que Jonathan Alpert, conhecido como o terapeuta de Wall Street, citado pelo Expresso de 17/9/11, disse, referindo-se aos que gerem o modelo económico que nos domina, que “eram gente impulsiva, narcisista, que mede o sucesso pela quantidade de dinheiro, que adora o risco e tem dificuldade em gerir o equilíbrio dos vários elementos da vida (família, trabalho e lazer), cuja maioria (60%), consome drogas, álcool e gasta milhares de dólares em prostitutas".
Quando a crise rebentou, Merkel protegeu os seus banqueiros e todos os banqueiros estrangeiros. Os bancos, irresponsáveis pela forma imprudente com que emprestaram sem rei nem roque, não faliram. Mas os países resgatados (e logo os cidadãos respectivos) ficaram com as suas dívidas. Os nacionais de cada país pagaram aos bancos alemães. E os coelhos deste mundo, reverentes a Merkel, agradeceram-lhe a “ajuda” e acusaram os seus povos de terem vivido acima das suas possibilidades. Mais ainda. Foi a mesma Alemanha que impediu o Banco Central Europeu de fazer o que devia e com isso criou nova e escandalosa vantagem para si mesma: enquanto os juros da divida pública dos outros foram subindo, os seus foram descendo.
No próximo dia 25 de Maio, a Europa vai a votos e com ela as suas políticas de austeridade. Diga o Governo o que disser, é altura de proceder à higiene mínima necessária para lidar com a nossa “saída limpa”. Uma “saída limpa” suja por três anos de voragem, que imolaram os jovens, desempregaram os pais, perseguiram os avós, reduziram o PIB, aumentaram a pobreza e colocaram o país dependente de decisões de fora, com uma dívida pública que cresceu em vez de diminuir.