Quando, pela primeira vez se soube que o ministério da Educação se propunha rever a modalidade Mobilidade por Doença (MPD), ainda se pensou que a tutela iria rever a listagem de doenças incapacitantes, conforme recomendação da Organização Mundial de Saúde. Uma ilusão! Se alguém tinha dúvidas se, depois de tanto mal que nos têm feito, seria possível espezinhar ainda mais os professores, aqui está a prova de que, no que toca a humilhá-los, esta gente não conhece limites.
As pseudo negociações com as organizações sindicais, nada mais foram do que um embuste em que apenas subtraíram uns quilómetros na distância permitida para os QA poderem concorrer. Ao notar que, desde o início, especificaram que “Quando indicam o código do concelho da sua preferência, são automaticamente disponibilizados os códigos de todos os agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas onde podem ser colocados (…)”, demonstraram que já tinham os programas informáticos prontos para implementar o seu plano, prova evidente de que a opinião dos professores não conta e que as reuniões com os seus representantes foram mera encenação.
A audácia da publicação em DR do novo Decreto-lei sobre MPD configura, antes de mais, uma aberrante falta de respeito pelas pessoas. Professores que padecem de doenças, algumas das quais de elevada gravidade que representam sofrimento constante, obrigam a que outras, em desespero, diariamente procurem força anímica para lutarem pela vida e, a todas elas, lhes retiram a qualidade da vida numa quantidade impossível de medir com a fita-métrica ministerial. Igualmente desrespeita todos aqueles que, sendo doentes, dependem do apoio de quem deles cuida. Todas estas pessoas merecem respeito, algo que esta legislação ataca de modo violento e desumano.
Como é possível viver-se num país que dá ajudas de custo a juízes e a políticos para se deslocarem, e a professores com graves problemas de saúde, além de não lhes darem qualquer apoio, ainda os obriguem a deslocar-se diariamente 100 quilómetros em linha reta (muitas vezes o dobro em estrada)? Um país que convive bem com o tratamento de primeira que dá a uns portugueses e o de segunda que reserva a outros.
Se a ideia é deixar morrer os professores com problemas de saúde ou os seus familiares, ou fazê-los abandonar a profissão, está a fazer um ótimo trabalho. Se pretende diminuir o número de alunos sem professor, está a dar um belo tiro no próprio pé, pois os professores que estiverem incapazes de se deslocar para escolas distantes, contra a sua vontade, irão ver-se obrigados a meter baixa médica e a falta de professores irá intensificar-se ainda mais.
Como o ministro tem um motorista que o conduz para qualquer lado sem despesa nem esforço, não faz ideia da enorme injustiça e condições desumanas que pretende impor a pessoas em dificuldades físicas que não gozam desse privilégio de ter um chauffeur.
O que posso depreender pela leitura desta labiríntica alarvidade legislativa, é que as doenças passaram a poder ser contabilizadas por uma nova unidade métrica inventada por este ministro e que deverá ser insistentemente ensinada nas escolas: o quilómetro-dor. Andar a medir a doença e a dor de cada um com um conta-quilómetros e distingui-la com critérios de idade e tipo de vinculação é mesmo de quem não tem o menor respeito nem entende o significado de doença incapacitante e anda perdido a tentar remendar a trapalhada que fez, juntamente com a equipa ministerial da qual fez parte nos últimos 7 anos, que agudizou a falta de professores.
Se estivessem mesmo interessados em resolver antecipadamente a falta de professores tinham-no feito há uma década atrás quando os próprios professores, representantes sindicais e especialistas em educação já vinham alertando para a iminência deste problema. Mas não tiveram tempo por estarem demasiado ocupados em infernizar a vida dos professores, congelando carreiras, extorquindo-lhes dinheiro, despedindo, criando ainda mais instabilidade e massacrando com trabalho e burocracia excessiva.
Esta mudança de regras em cima da hora só deixa a descoberto a falta de respeito da tutela. Se a melhor forma que encontraram de atrair jovens para a profissão, é trair a confiança e destratar os que estão a exercer, então dificilmente irão conseguir seduzir alguém a ser professor. Esta e outras medidas similares só contribuem para mais professores abandonarem a profissão.
Estão a pôr em causa a integridade física e psicológica de milhares de cidadãos e dos familiares que deles dependem. Um atentado à saúde de cidadãos doentes que, não bastando terem de se debater com a infelicidade de falta de saúde, terão ainda de ultrapassar esta brutal ansiedade somando angústia em cima de angústia.
É inqualificável as pessoas estarem já a ser consideradas mentirosas, fraudulentas e criminosas antes sequer de terem direito a demonstrar a sua inocência. Que, a atravessar fases difíceis nas suas vidas, ainda tenham de passar por este género de humilhação pública acrescida do cardápio de avaliações clínicas, exames, comprovativos, atestados, declarações hospitalares, e concursos altamente injustos e segregativos. Mas será que alguém de bom-senso ainda acredita que estes governantes querem saber dos professores para alguma coisa!?
Servem-nos este frio prato de humilhação e nós comemos de cabeça baixa. Depois andamos nas escolas e nas redes sociais a lamentar a nossa sorte e as miseráveis condições de trabalho, perguntando-nos como foi que deixámos a nossa situação chegar a um ponto tão baixo. Só um apontamento para os mais distraídos – este discurso tem sido o mesmo ao longo de anos e a situação tem vindo sempre a piorar cada vez mais. Diz a experiência que isto não se irá ficar por aqui. Aguardem, pois, sentados até chegar também a vossa vez.